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Fotografia: Direitos Reservados
Publicado a: 21/04/2025

Save It For Me é a sua estreia em disco.

Curt Davis: “A distância e a dor contribuíram para que cada música tivesse essa carga emocional”

Fotografia: Direitos Reservados
Publicado a: 21/04/2025

Apresenta-se como Curt Davis e é um novo cantor de R&B em Portugal. Nascido em Lisboa mas criado em Albufeira, com raízes cabo-verdianas, acaba de lançar o seu primeiro disco, Save It For Me, cantado em inglês. 

Produzido por um norte-americano, Giovanni, o álbum inclui sobretudo canções melancólicas inspiradas por viagens feitas pela Europa, de quando Curt Davis visitou os seus pais emigrados durante a pandemia. A dor da distância e outras histórias alimentaram as narrativas transformadas em música.

Para assinalar o lançamento e descobrir mais sobre o artista, o Rimas e Batidas sentou-se para uma videochamada com Curt Davis sobre Save It For Me.



Explica-nos o contexto deste disco: já estavas a prepará-lo há muito tempo? Como foi o processo de construção?

Comecei a construí-lo sem a ideia de que queria fazer um álbum. Começou durante ou imediatamente após a pandemia, quando ainda havia aquelas restrições. Teve o seu lado menos bom, mas, por outro lado, também me trouxe mais tempo livre, e eu aproveitei muito para criar novas músicas e ideias, se calhar até com uma maior maturidade a nível artístico. E quando cheguei a uma fase em que vi que, de facto, estava um trabalho consistente, sólido e mais maduro, percebi que fazia sentido juntar tudo e fazer um álbum, um projecto mais sério. 

Já havia uma intenção tua de fazeres canções como estas? Ou foste descobrindo-as ao longo do processo?

Diria que não foi um processo muito pensado. Foi uma altura em que tive a oportunidade de ir ver os meus pais, que moram e trabalham lá fora. A minha mãe foi para a Bélgica em 2009, depois a minha irmã também foi. O meu pai foi para a Holanda, esteve na Suíça, tentou a Suécia ali no meio, esteve agora recentemente na Noruega, portanto, ao fim e ao cabo, fiquei aqui um bocadinho abandonado e durante a pandemia tive a oportunidade de ir muito lá fora ver o meu pai e a minha mãe, que são separados, e era nessas viagens que pude também começar a escrever novas canções, com base nas experiências e vivências que ia tendo. Diria que o álbum tem uma riqueza cultural que vem de Portugal, mas também tem um bocado as experiências que eu ia tendo lá fora, de todo este sentimento de alguma distância e dor, que contribuíram para que cada música tivesse essa carga emocional.

Claro, faz sentido. E o que surgiu primeiro, as letras ou os instrumentais?

Normalmente, o meu processo criativo começa muito por melodias, tenho um sem número de melodias gravadas no telemóvel e o desafio é organizar este puzzle. Quando tenho tempo e estou em casa, tento procurar um beat de referência, ou eu próprio tento criar com as teclas um instrumental base que sirva de apoio para desenvolver esse puzzle e ver o que casa melhor, o que é que vai para um verso, o que é que vai para um pré-refrão, o que é que vai para um refrão, para um pós-refrão, e depois depende de cada música também, porque há músicas que não têm que necessariamente ter este rigor de estrutura. Portanto, começo sempre com as melodias de voz e depois passo para um instrumental. Se bem que não sou produtor tenho alguma sensibilidade a nível rítmico, toco piano, mas preciso sempre de alguém que desenvolva a parte do beat. Faço o meu trabalho de casa e depois levo-o a um produtor em estúdio. Com o instrumental já fechado, também posso ter novas ideias de melodias.

E as letras, só chegam depois? Tentas encaixar palavras nas melodias que já criaste?

Sim, as letras são feitas depois de ter as ideias para as melodias, mas convém não ficar muito refém delas, porque por vezes não vais conseguir ter o flow que idealizaste para a letra que escreveste.

E com que produtor trabalhaste?

As sete músicas deste disco foram produzidas por um produtor americano chamado Giovanni, que por acaso encontrei online. A faixa número seis, “Never Tell Ya”, já tinha sido composta há mais tempo, mas a versão que usei para este álbum é diferente. A original foi produzida pelo Ricardo Ferreira, mas só a vou usar nos concertos, ao vivo. A versão do álbum ficou mais chill, mais sunset

E o que te fez querer trabalhar à distância com um produtor norte-americano como o Giovanni?

Tive sorte porque vi um ou outro trabalho que ele tinha feito e gostei da sonoridade. Pareceu-me, à partida, que ele era um produtor bastante versátil, que era o que eu procurava também. Este álbum tem um denominador comum, que é o R&B, mas dentro desta esfera toca em géneros que roçam o rap e o trap, além de estéticas mais próximas da pop, da afropop, do dancehall. Portanto, precisava mesmo de um produtor que fosse bastante versátil e foi essa a ideia que tive dele. Entrei em contacto com ele, é um produtor que trabalhou bem e muito rápido se bem que aqui a rapidez não era o foco, mas sentia que as ideias que tinha e ao ritmo que eu precisava de ter, ele conseguia entregar. Então não hesitei e avançámos. Começou por ser um som, depois foi um segundo, depois foi um terceiro e às tantas acabámos com sete. 

Como chegaste ao título, ao Save It For Me

Primeiro pensei escolher para título a faixa número quatro, “Kiss at the Oosterpark”, sendo que o Oosterpark fica em Amesterdão. Mas depois achei que Save It For Me era o nome ideal. Porquê? Porque as pessoas que tiverem a oportunidade de ouvir a música com esse título vão perceber que é uma canção que se calhar até representa um ponto de viragem. Tem um registo mais alegre, ao passo que grande parte das outras são mais melancólicas, mais sofridas. Portanto, a “Save It For Me” representa algo mais alegre, um ponto em que se calhar começas a encontrar algumas respostas que estavas à procura.

E quiseste encerrar o álbum de forma mais alegre, deixando essa música para o fim do alinhamento?

Exactamente. Aliás, acho que até é uma música que pede que seja inserida no término de alguma coisa, seja de um álbum ou de um concerto. 

Indo à tua história, quando e como é que te começaste a interessar por fazer música?

Se puder puxar aqui um bocadinho a cassete até ao início dos inícios, podia dizer-te que foi desde o tempo em que o meu pai me pôs no conservatório de música. Sou de Lisboa, mas desde pequeno que fui para Albufeira. Foi onde fiz toda a minha formação e o meu pai também tinha um piano em casa e de vez em quando ia lá tocar algumas coisas básicas. No entender dele, percebeu que eu poderia ter alguma sensibilidade para a música. 

O teu pai tocava, então?

Sim, ele já vem dessas origens. O meu pai tem oito irmãos, os meus avós vieram de Cabo Verde quando ele tinha cinco anos. E vários dos irmãos, incluindo o meu pai, sempre gostaram de tocar e aprenderam sozinhos a tocar guitarra, baixo e até tocavam em bares no Cais do Sodré, nos anos 70 e 80. Portanto, a influência vem desse tempo também. Ele já tocava, tinha uma viola. Era música tradicional cabo-verdiana e alguns covers também. E tiveram mesmo oportunidade de fazer um pequeno disco. E o meu primeiro contacto com a música veio não só de testemunhar o meu pai a tocar em casa, mas também de estar no conservatório. Foi onde tive alguma formação, algum contacto mais profundo com a música. Porque tinha piano, tinha aulas de teoria, e canto em coro. Mas a sério, a sério, começou quando terminei os estudos. Estive um período de seis meses na Alemanha, em Dortmund, a fazer Erasmus. E quando regressei fiz um primeiro estágio que não correu lá muito bem e é um daqueles momentos em que te perguntas a ti próprio o que é que queres fazer da vida. E fiz questão de fazer aquilo de que realmente gosto, que é a música. Portanto, foi aí que dei um passo em frente e comecei a olhar para isto com mais seriedade. E é um processo longo, é um processo com muitos desafios, com vários obstáculos, mas isso também ajuda a que eu cresça e tenha um nível de maturidade cada vez maior. 

Claro que sim. E o que cresceste a ouvir? Sempre foste um fã de R&B e por isso é que quiseste explorar este género agora?

Eu comecei muito pelo hip hop, uma das minhas maiores referências, não só na música, mas também fora dela. Porque sou uma pessoa que dá muita importância ao impacto social que podes trazer. Não que eu seja muito essa pessoa, mas inspira-me muito ver artistas assim. Uma das maiores inspirações que tenho é o Tupac. Foi o primeiro artista que posso dizer que ouvi bastante. Depois do hip hop, comecei a ouvir mais R&B e derivados. James Brown, Stevie Wonder, Prince, Michael Jackson… Depois, claro, o Trey Songz, o Chris Brown, o The Weeknd… E também sempre gostei de outros estilos, como a música dos Queen. O Freddie Mercury tem uma das melhores vozes que já tivemos neste mundo.

Estavas a explicar o teu gosto pela música, ou por fazer música, e que também está relacionado com as tuas raízes familiares e a formação no conservatório. Mas desde muito cedo percebeste que a voz seria o teu principal instrumento? Porque podias ter ido para a guitarra ou o piano, por exemplo.

Isso nunca foi uma opção, de facto, haver outro tipo de expressão que não a voz. A dúvida sempre foi mais se posso ou não incorporar mais o piano. Porque, como tive aulas, sinto até hoje que poderia usar e abusar mais desse talento. Mas é uma coisa que ainda não pratico. Portanto, a voz sempre foi a minha primeira opção. 

E o nome artístico Curt Davis, como é que surge? Tem alguma história por trás?

É uma história bastante simples, o nome surgiu através de um sonho. É dos poucos sonhos de que se calhar me lembrei no dia a seguir. E como até soava bem, ficou. Há quem diga que Curt Davis às vezes faz lembrar o Craig David, que também é um cantor de R&B. Mas não veio daí. 

E sentes, enquanto fã de R&B, que faltavam em Portugal mais projectos nesta área? Se bem que ultimamente têm surgido mais artistas neste campo, a fazer um R&B mais moderno. Mas, historicamente, sempre houve muitos rappers em Portugal, por exemplo; mas poucos cantores de R&B.

Exacto, não é uma coisa com um historial tão grande, não é? Eu sempre ouvi hip hop tuga, que é muito bom, poderia dar aqui um sem-número de nomes, mas de facto a área do R&B sempre foi menos desenvolvida. Embora, como disseste e bem, felizmente até recentemente tem havido cada vez mais artistas a enveredar um bocadinho mais por essa área. E, a bem da verdade, a tendência é o hip hop misturar-se cada vez mais com o R&B, porque aquilo que vês hoje em dia é muito mais isso: aquele R&B quase hiphopizado, tu já nem sabes bem definir o que é que é uma coisa ou outra…

Sim, porque o hip hop é mais melódico hoje em dia e o R&B usa muito os instrumentais mais ligados ao rap.

Exactamente, e nós temos isso não só em Portugal, como na América. E sim, de facto, essa área estava pouco desenvolvida, mas felizmente em Portugal tem crescido muito, e bem, temos boas referências, gente com muita qualidade, e é isso que eu quero também acrescentar ao nosso panorama. 

Que ambições ou objectivos concretos é que tens com este álbum, mas acima de tudo com o teu projecto artístico? O que é que gostavas mesmo de concretizar?

Fundamentalmente gostava de acrescentar valor à música que se faz em Portugal, seja ela em inglês, em português ou em crioulo. A língua aqui é a música. Este é o primeiro álbum e vou fazer o possível para que possa já começar a trabalhar no meu segundo, até lá também preciso de ter a energia certa, a vibe certa, a inspiração, e sobretudo ter agora a oportunidade de mostrar este projecto em concertos, porque só assim vou chegar a mais pessoas. 

E, já que falaste na questão das línguas, porque escolheste o inglês para te expressares? Por ser a língua mãe do R&B, que cresceste a ouvir? Ou foi por quereres internacionalizar o teu projecto? Ou, até, porque muitas das vivências que inspiraram este disco aconteceram lá fora?

A primeira influência de facto vem muito lá de trás, sempre fui uma pessoa que cresci com influência americana, sempre ouvi muita música de lá, e felizmente também sempre tive alguma facilidade com línguas estrangeiras, o que facilitou a aposta neste idioma, não tive nenhuma dificuldade em enveredar por esse caminho. O que não invalida, a médio e longo prazo, que não possa fazer uma coisa também, sei lá, em português ou em crioulo, quem sabe.


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