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Fotografia: António Parra
Publicado a: 19/05/2023

A música decide, o criador executa.

Croatian Amor: “A arte tende a ser mais interessante e mais inteligente do que o artista”

Fotografia: António Parra
Publicado a: 19/05/2023

Duas mãos cheias já não chegam para contar os anos que Loke Rahbek tem vindo a somar como músico e produtor. Desde o projecto de crooners góticos Vår, ao seu trabalho musical mais pop em Lust for Youth, é a solo como Croatian Amor que o artista dinamarquês se tem vindo a destacar mais. Com o lançamento de um novo álbum no próximo dia 26 de Maio, músicas como “Dancer” e “My Brother (Is a Star)” já têm servido para anunciar a sua chegada.

Co-fundador da editora Posh Isolation, Loke construiu um espaço novo para a música eletrónica em Copenhaga e acabou por se fazer ouvir no mundo inteiro. A Part Of You In Everything será um álbum de 8 faixas que servirá como continuação do seu anterior Remember Rainbow Bridge — uma obra para ouvir debaixo das estrelas que, segundo conta ao Rimas e Batidas, serve também como uma carta aberta a alguém que nunca tenha tido oportunidade de experienciar um corpo na Terra. 

Foi numa conversa no Passos Manuel que, depois do primeiro concerto da mini-tour anunciada por Portugal, o artista nos conta como a pandemia e as suas expectativas muito e nada influenciaram o seu percurso como um dos músicos mais aclamados da música eletrónica escandinava.



Há dez anos, quando Croatian Amor ainda era um projeto recente, afirmaste ter esta ideia de criar “algo só para algumas pessoas”. Como é que te sentes hoje, a tocar numa sala com lotação esgotada, tantos anos depois?

Sinto-me muito sortudo por poder fazer isto e por as pessoas ainda terem interesse no meu trabalho. Claro que houve coisas que mudaram ao longo dos anos, as ideias mudam e as emoções mudam como devem… Por isso, acho que neste momento esta sensação me parece muito nova e acho que isso é bom.

Estas mudanças têm impacto no teu trabalho?

É diferente tocar para multidões grandes ou pequenas, é uma espécie de gestos e comunicação diferentes. Se precisas que muitas pessoas te ouçam, normalmente precisas de tocar mais alto [risos], mas acho que estas mudanças são mais do que isto, claro. Sempre me interessei por este tipo de conversas em espaços de diferentes dimensões.

Como um diálogo?

Sim. Por exemplo, quando as coisas estão muito perto de nós, quando uma voz está perto de nós, permite uma sensação muito diferente da de alguém a gritar no fundo da sala. Se pensarmos nisso, a experiência é completamente diferente.

É possível escolher entre Croatian Amor ouvida na nossa própria solidão com os auscultadores e Croatian Amor em palco?

Acho que, primeiro, sempre imaginei ouvir a minha música apenas com auscultadores e, depois, comecei a ter espectáculos. Quando comecei a tocar ao vivo estava a tentar emular a música como se o público estivesse de auscultadores em palco, o que, para ser sincero, não funcionava muito bem. E algo aconteceu quando surgiu a COVID. Quando o confinamento acabou e tive de voltar a sair, a única coisa que queria era estar numa sala com pessoas a dançar, o que é divertido, porque sempre toquei música para pessoas que não vão propriamente dançar. Acho que, depois da pandemia, algo mudou para mim. Dançar nunca foi, mas acabou por se tornar uma prioridade para… É algo tão puro como pessoas no mesmo sítio a divertirem-se juntas.

É uma experiência de partilha. É muito importante ter a nossa própria individualidade, mas depois sermos capazes de partilhar experiência. Somos corpos, recebemos o som, e quando vibramos juntos é óptimo. É curioso que depois do COVID se possa dizer que Croatian Amor tem mais “batida” do que antes. 

Eu lembro-me de estar sentado no meu estúdio e não haver nada, sabes? Eu nunca fui um “clubhead”. Apesar de já ter tocado em muitos clubes, sempre fui o “tipo” do ambient. E acho que só quando já não havia clubes abertos é que me apercebi de como sentia falta dessa sensação. É importante para mim dizer que a minha única regra real para abordar estas coisas é tentar não ter demasiados conceitos sobre o que a música deve fazer. Aprendi ao longo dos anos que quanto menos ambições e ideias tenho e quanto mais deixo a música descobrir o que quer fazer, melhor tende a ficar. Para mim é o caso, para muitas pessoas penso que também é o caso. A arte tende a ser mais interessante e mais inteligente do que o artista. Por isso, mantenho-me fora da equação e deixo a obra descobrir o que quer fazer — é essa a minha abordagem.

Uma vez chamaste à tua música “bubblegum industrial”? [Risos]

Um amigo meu teve essa ideia e eu decidi usá-la como um género musical [risos].

Porque há uma atmosfera de sonho em todos os sons que produzes, com o ambient e as vozes sobrepostas… E mesmo que ponhas umas batidas por cima, este “bubblegum industrial” soa sempre a uma dimensão superior. É intencional, o tempo e a experiência, ou é algo que não se pode escolher?

Sabes que as coisas acontecem. Se me sentar no meu estúdio durante muito tempo, algo acontece e, às vezes, vai num sentido, outras vezes vai noutro.



Tens tanto trabalho feito na última década. De todos os seus projectos, como é que surgiu esta outra faceta chamada Croatian Amor?

Quando fiz as primeiras gravações como Croatian Amor não tinha expectativas de nada e não imaginava que este seria o nome que carregaria durante doze anos. Estou muito contente por ter corrido como correu e sinto que ainda há muito para investigar neste espaço, seja ele qual for.

Croatian Amor é um espaço na tua mente?

Acho que sim.

Qual foi a tua maior realização nesse espaço?

Na minha cabeça? [Risos]

Nesse espaço onde existe o Croatian Amor.

Não sei. Cada coisa nova é uma conquista. Não vejo as coisas dessa forma. Para mim, a realização é quando passamos um dia inteiro no estúdio, acho eu. E não importa se és um pintor, se fazes filmes ou se és um fotógrafo. Não importa se dás um “grande” concerto ou se recebes uma boa crítica. Todas essas coisas não são realmente importantes. É no estúdio que tudo acontece. Acho que a minha maior realização, depois dos últimos anos, é o facto de ainda poder fazer isto. 

Há alguma coisa que mudarias?

Mmmm… 

Existe a Posh Isolation, os teus diferentes projectos, uma vida e uma carreira. És músico e produtor. Por isso, se estivesses a olhar para tudo isto e pudesses apontar o dedo para dizer “eu mudaria isto”, há alguma coisa que terias feito de forma diferente?

Há coisas que eu queria mesmo fazer mas que ainda não fiz. Mas não iria mudar nada. Às vezes gostava só que o tempo andasse um pouco mais devagar, mas para além disso não mudaria nada.

Posh Isolation vai lançar A Part Of You In Everything a 26 de Maio, que é considerado uma extensão de Remember Rainbow Bridge. Este é um álbum muito especial, que mencionaste como sendo “oito canções sobre ser humano na Terra”, “para ouvir à noite sob as estrelas”, e já temos um vislumbre delas. É uma homenagem ao teu irmão, alguém que nunca tiveste a oportunidade de conhecer na Terra. Este álbum é uma forma de se aproximar dele?

Como disse, sinto que a música decide por si própria o que quer fazer e eu não estava particularmente consciente desta necessidade em mim até estar a fazer o último álbum. E esta relação, ou o que quer que seja, reapareceu depois de não fazer parte da minha mente durante muitos anos — senti que era algo que queria honrar agora. Imagino este álbum como uma carta que escrevi sobre a sensação de ter um corpo e de ser humano para alguém que não teve a oportunidade de o fazer, por isso é uma espécie de introdução à experiência humana. Não é bem um ideal, é sobre pensar nestes seres que não estão ligados ao chão e que ainda estão aqui a ter a sua própria experiência.

Vês a música como uma narrativa?

Nunca tive formação musical, por isso, a única forma de sustentar as minhas ideias são as narrativas. Por isso, em vez de ter notas e key changes e tudo isso, estou apenas vagamente consciente das histórias que conto e o resto é apenas um caos que estou a tentar acompanhar.

O que podemos esperar dos próximos concertos?

Acho que vou fazer espectáculos muito diferentes desta vez, já que vou tocar em cenários diferentes, como aqui, por exemplo, que é um clube. Não tenho muitas expectativas. Acho que a minha ambição é apenas focar-me no presente e não pensar muito no futuro.


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