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Fotografia: Michael Ochs Archives/Getty Images
Publicado a: 24/08/2022

O produtor e executivo que levou John Coltrane para a Impulse teve uma longa e ilustre carreira que forma um importante capítulo não apenas na história do jazz, mas da própria indústria discográfica americana.

Creed Taylor: fundador da Impulse e CTI parte aos 93 anos

Fotografia: Michael Ochs Archives/Getty Images
Publicado a: 24/08/2022

Logo nas primeiras páginas do fundamental The House That Trane Built, a história da editora Impulse assinada por Ashley Kahn, explica-se que “a motivação para estabelecer uma divisão de jazz independente e separada da ABC-Paramount começou com um tranquilamente determinado trompetista nascido no Sul e que se tornou produtor com um ouvido apurado para gravações de qualidade e um olho educado para capas com grafismo cuidado: Creed Taylor”. Essa é apenas uma das apresentações possíveis para um homem multifacetado que teve uma longa e determinante carreira no seio da indústria discográfica mais poderosa do planeta, sendo figura-chave não apenas nos campos do jazz – afinal de contas fundou a Impulse e criou a importante CTI –, mas também da bossa nova, tendo revelado apurada visão comercial ao levar para a América artistas como António Carlos Jobim, Eumir Deodato, João Gilberto, Astrud Gilberto ou Airto Moreira. Creed Taylor, foi ontem amplamente noticiado, desapareceu aos 93 anos de idade.

Nascido em Pearisburg, na Virginia, numa era de profunda segregação racial, Creed começou por sentir o apelo do jazz ao apaixonar-se, ainda no liceu, pela música de Dizzy Gillespie. Isso levou-o até à Duke University, onde estudou psicologia, mas onde também se envolveu com o rico programa de bandas de jazz para estudantes fomentado por Les Brown. À universidade seguiram-se dois anos nos Marines, uma pós graduação e a mudança para Nova Iorque, cidade em que Creed Taylor acreditava poder lançar a sua carreira de produtor discográfico.

Através das ligações estabelecidas com gente do jazz durante a sua passagem pela Duke University, Creed Taylor conseguiu um lugar na pequena Bethlehem Records em 1954, um período que Khan descreve como prolífico e que lhe possibilitou o seu primeiro encontro com o mítico engenheiro de som Rudy Van Gelder. “Eu lia a Billboard todas as semanas”, recordou mais tarde Creed Taylor, “e foi assim que descobri que a ABC-Paramount ia começar uma nova companhia discográfica. Escrevi uma carta ao presidente Sam Clark e consegui uma entrevista. Disse: ‘isto é o que eu sei fazer bem’. E pronto.”

Na ABC-Paramount, Taylor produziu, por exemplo, discos como Kenny Dorham and the Jazz Prophets, um sucesso para a escala desse mercado específico na época, tendo vendido uns promissores 10 mil exemplares que lhe deram algum estatuto dentro da companhia e nos meandros do próprio jazz, algo que lhe permitiu ganhar a confiança de artistas como Gerry Mulligan, Tony Scott ou Bob Brookmeyer. Uma das grandes ideias de Creed Taylor, que provou ser bem sucedida em termos de vendas, foi trabalhar com o vocalista Jon Hendricks que o abordou com a intenção de adicionar vozes e palavras a alguns standards de jazz. O denominado “vocalese” começou aí, com Creed a inovar não apenas nos conceitos, mas também na abordagem tecnológica, fazendo o máximo uso das potencialidades que o estúdio oferecia. Sing a Song of Basie, de 1958, foi um sucesso não apenas junto do público, mas também dos seus pares, sendo um dos primeiros exemplos de uma criativa utilização do estéreo.

Com o reconhecimento e sucesso, cresceu também a ambição de Creed Taylor. Na viragem da década de 50 para a de 60, o produtor e executivo começou a pensar num conceito inovador para um novo selo discográfico: “Já tinha pensado neste nome, ‘Pulse’, e comecei a estudá-lo. Tinha boas conotações – tinha pensado no mote ‘Feeling the Pulse’ ou em ‘The Pulse of the music world’ ou algo assim”. Genius + Soul = Jazz, de Ray Charles, lançado em 1961, foi a primeira grande produção de Taylor para a nascente Impulse e talvez o clássico Out of the Cool de Gil Evans, lançado pouco depois, tenha sido a segunda. Quando chegou ao Verão de 1961, altura em que se editou o incrível The Blues and the Abstract Truth do arranjador e saxofonista Oliver Nelson, a sua visão estava completamente formada: não apenas na forma como recrutava os talentos e os orientava para gravarem conceitos inovadores, mas também na forma como embalava tudo – não apenas graficamente, estabelecendo uma duradoura imagem para a editora -, mas também conceptualmente – esse título era dele: “Se o blues é uma verdade”, disse Creed Taylor, “porque não, então, adicionar ‘the abstract truth’. A palavra ‘the’ era suposta aparecer ali – ‘The Blues’, estão a ver? Era como se, e perdoem o termo, os nossos irmãos brancos tivessem deixado cair o ‘the’. Mas ali funcionou.”



Passo seguinte? John Coltrane. “Conheci Coltrane no estúdio de Rudy Van Gelder nos anos 50. Ele era espantoso, um poeta, mas não um poeta verbal. Ele realmente falava através do seu instrumento e ele tinha mesmo muito para dizer”, recordou anos mais tarde Creed Taylor. Em Novembro de 1961, Africa / Brass marcou a entrada de Coltrane naquela que seria a sua derradeira editora e para que gravou a sua mais aventureira obra, mas Creed Taylor estava já de saída para outra etiqueta, a Verve. Foi aí que colocou em marcha outra pequena/grande revolução ao ter a ideia de cruzar Stan Getz com a música que Jobim e Gilberto traziam do Brasil. Discos como Jazz Samba, Big Band Bossa Nova, Jazz Samba Encore! ou Getz/Gilberto tornaram-se sinónimo de sofisticação e subúrbios, uma outra forma de embalar o arranque dos anos 60.

A A&M, casa em que fundou a CTI, foi a etapa seguinte do seu histórico périplo. A A&M lançou os discos da CTI até 1969, mas Creed Taylor decidiu tornar-se independente e nos prolíficos anos 70 tornou a CTI numa das mais reconhecíveis marcas do universo do jazz, alcançando enorme sucesso com uma visão que incomodava os puristas e que inspirou o jazz a fazer diversas fusões com enorme impacto comercial. Na etiqueta que no nome continha as suas iniciais e que lançava discos que continham a sua assinatura, Taylor editou clássicos de Freddie Hubbard, Eumir Deodato, Stantley Turrentine, George Benson, Hubert Laws, Herbie Hancock, Joe Farrell, Airto Moreira ou Ron Carter e Bob James, colocando-se na dianteira da indústria ao encontrar uma maneira de agradar ao crescente público jovem mais sintonizado com o pulso eléctrico do rock. E, tal como tinha feito com a Impulse, o facto de ter conferido à editora uma sólida identidade gráfica ajudou a distinguir os seus produtos num mercado cada vez mais saturado. O facto da CTI ser uma das etiquetas que maior culto alimenta entre os produtores de hip hop diz muito sobre o alcance do som que Creed Taylor imaginou e que o futuro abraçou.

No obituário que Charles Waring assina na página oficial da Universal Music, assegura-se que “apesar do impacto registado com os seus discos no mundo do jazz, Taylor era uma pessoa tranquila, tímida. ‘Ele era um verdadeiro introvertido’, disse Don Sebesky, o arranjador de Taylor nos anos 70, numa entrevista de 2009 à revista Shook. ‘Ele usou-me como mediador entre ele e todos os músicos na sala porque se sentiu um pouco reticente em dizer-lhes o que fazer. Ele pedia-me para lhes transmitir os seus pensamentos à maneira de um músico’.”

Para lá da CTI, a etiqueta paralela Kudu, menos focada na estética de fusão e mais apontada ao chamado soul jazz, conheceu igualmente assinalável sucesso graças ao lançamento de pérolas de artistas como Ester Philips que nesse catálogo inscreveu o clássico “What a Difference a Day Makes“, um tema ainda hoje usado por DJs que não abdicam de uma sonoridade mais sofisticada.

No final da primeira década deste milénio, Creed Taylor, já um veterano com longa história, levou os CTI All Stars em digressão pela Europa e Estados Unidos, repartindo o palco com artistas como Flora Purim, Randy Brecker, George Duke ou John McLaughlin. Os aplausos então recolhidos ou os vários GRAMMYs que conquistou ao longo dos anos permanecem como marcas do sucesso de uma ímpar visão que garantiu um futuro ao jazz, género por que Creed Taylor se apaixonou quando ainda era adolescente. “Do seu ouvido visionário para o talento às suas habilidades singulares como produtor, o impacto de Creed Taylor no jazz não pode ser exagerado”, explicou, em jeito de derradeira homenagem, Jamie Krents, actual Presidente da Verve, Impulse! e Verve Forecast Records. “Quer fosse assinar John Coltrane para a Impulse,  gravar ou ajudar a apresentar a Bossa Nova ao mundo através do seu trabalho com Charlie Byrd, Stan Getz e Astrud Gilberto para a Verve, a integridade do Creed e a sua abordagem inovadora e aberta à música fizeram dele uma inspiração perpétua para todos nestas editoras e ele fará muita falta”.


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