Havia um momento de brilho no chão em que o Cotrim abria a clareira e o pessoal na pista ficava de olho nele. Limpava concorrência com extrema pinta em noites de Escravos de Zonk, Photonz, também foi visto em algumas noites Príncipe, o seu fogo não dava dó a não ser a quem pensava que ele não era bom da cabeça. Dança parece, assim, um título natural para um disco do senhor. Tropeçou num monte de fios e um computador que tinha foi dançar para o chão no último dia de 2008, pisou no rato e aquilo disparou sons.
O seu punk natural já foi ouvido em CDRs botados cá fora em regime de auto-edição e no Gorgomilos que fez para a Noisendo. O que é isto? Punk. Da fonte. House de Chicago, primeira onda, ácido e, mais para o fim em progressão de ruído neste EP, Thunderdome holandês (com todas as distâncias). Em Portugal há umas lembranças de 1990 (por aí), quando circulavam cassetes na apesar de tudo fértil cena industrial da época, há ainda umas lembranças dos primeiros Zzzzzzzzzzzzzzzzzp!, quarteto analógico do Porto, mas Cotrim assinala uma espécie de ground zero pela voracidade com que se entrega ao inexplorado e pelas zonas onde vai pisar. A sua música é tirada da intuição, depois organizada segundo os conceitos que tem na cabeça e que rivalizam com a expressão corporal RAW que aprendemos a adorar nas festas em que ele dançou.
De todas as coisas que ele gravou para editar, Dança é o resultado mais identificável, mais certo, para quem escuta do lado de fora. São cinco faixas, de “Dança” (a palavra completa) ao simples “D”, apostando no que parece a todos um acaso conceptual. Não é super inédito ouvir alguém a produzir neste comprimento de onda e toda a gente sabe que house e techno têm camadas sobre camadas de ideias e sons semelhantes desde que isso se começou a chamar isso, mas é precisamente aí, no centro da mesmíssima coisa, que se formam personalidades, identidades, histórias distintas, é dessa massa que se formam as cabeças que vão fazer coisas que nos conquistam. Se quisermos forçar uma concessão descritiva, Dança abre vistas para alguém a partir números no processo de computar a rota de volta para a fonte. Acho isto bonito e acho isto muito necessário. Noutra busca, a One Eyed Jacks anda a absorver e respeitar o fluxo histórico traçado desde o bang luso dos 1990s e a sua missão é clara: acrescentar património valioso à cena local. Alguém tem de o fazer com consciência.