pub

Fotografia: Direitos Reservados
Publicado a: 03/11/2023

A britânica apresenta o novo álbum em Lisboa e Porto.

Corinne Bailey Rae sobre Black Rainbows: “Precisava de alguma agressão para este disco”

Fotografia: Direitos Reservados
Publicado a: 03/11/2023

É mais conhecida por temas como “Put Your Records On” ou “Like a Star”, mas a cantora britânica Corinne Bailey Rae lançou em 2023 um álbum que cruza o seu r&b característico com uma abordagem mais vanguardista que a levou a explorar sonoridades jazzísticas ou próximas do garage rock. 

Black Rainbows é um disco que nasceu depois de a artista de 44 anos visitar uma exposição curada pelo artista Theaster Gates, sobre cultura e arte negra, no Stony Island Arts Bank, em Chicago. Aquilo que lá encontrou e as reflexões que aqueles objectos provocaram tornaram-se em canções.

Os temas ganham agora vida nos palcos portugueses. No âmbito do Misty Fest, Corinne Bailey Rae actua no Capitólio, em Lisboa, este sábado, 4 de Novembro; e, no dia seguinte, na Casa da Música, no Porto. Foi o pretexto para uma entrevista com o Rimas e Batidas sobre este álbum que tem sido bastante aclamado.



O seu novo álbum tem sido muito bem recebido e foi bastante inspirado pela cultura e arte negra, depois do seu encontro com um arquivo curado pelo artista Theaster Gates em Chicago. A partir desse encontro, o que é que a fez querer construir este disco?

Acho que foram as histórias que encontrei neste edifício. Foi olhar para as gavetas, para as prateleiras, tudo o que eu encontrava deixava-me com imensas perguntas. Eu via uma fotografia de uma miss dos anos 50 e pensava: “Quem é esta mulher?” E ficava a perguntar-me sobre se ela ainda estaria viva. Ou via uma foto de uma jovem rapariga negra que era a ama de uma família… E começava a pensar o que era ser ama com 12 anos. O que acontecia quando aquela família já não precisava dela? Há registos sobre o que lhe aconteceu? As fotografias são tão evocativas do nosso passado, mas ao mesmo tempo só contam aquele momento e deixam-te com imensas perguntas. Também encontrei esculturas feitas com as tábuas do chão de uma esquadra de polícia abandonada. O que é que aquele piso testemunhou? Muitas vezes, em questões históricas, as testemunhas, as pessoas envolvidas, ou já não se encontram vivas ou estão a guardar segredos e não estão a contar toda a verdade… Às vezes penso nas paredes de um edifício ou no chão de uma cela de polícia, ou no espelho retrovisor de um carro, são os objectos que presenciam, mas não podem falar… Mas se pudessem falar, o que diriam? Quando estava de saída, dei por mim a escrever estes poemas sobre o edifício. E o edifício em si mesmo é realmente bonito, e só de olhar para aqueles livros todos, eram 26 mil… 

Uma grande colecção.

E saber que, cada vez que abria um, havia milhares e milhares de outros, com respostas e perguntas que poderei ter colocado quando era mais nova… De tantas vezes que me disseram “não há informação sobre isso”, ou “há rumores sobre isso, mas não há documentação”. Muitas das histórias africanas são orais e, como não foram escritas, perdiam-se… Mas estar neste edifício e encontrar muitas dessas respostas… E, claro, os objectos em si. Eram-me familiares. Temos coisas idênticas em Inglaterra. Objectos que mostram pessoas negras e com os quais nunca me senti muito confortável, não sabendo porquê, porque é algo que só pensamos enquanto adultos. Porque eram caricaturas, mostravam os lábios gigantes ou os olhos enormes… Quando era nova, eram a única representação da negritude que víamos. Abordar esses sentimentos, reflectir porque é que os objectos me faziam sentir vergonha, e agora enquanto adulta ter toda esta teoria para os poder enquadrar quem é que os fez, porque é que os fez, como é que eram usados deixou-me com imensas respostas e também questões. E as questões tornaram-se poemas e canções. Sabia que queria voltar, e o Theaster disse: “Podias fazer um concerto neste espaço.” E imediatamente pensei na música que tinha e acreditei que não se encaixava naquele sítio. Precisava de um novo tipo de música para aquele espaço.

Isso é muito interessante e obviamente funcionou como a grande inspiração deste álbum. Mas quando começou realmente o processo criativo, de compor e escrever, procurou por registos específicos que a inspiraram directamente ao longo do processo de construção?

Sim, a primeira vez que voltei lá foi durante duas semanas. Ia lá todos os dias e noites, havia eventos e festas a acontecer, artistas que lá actuavam… Lembro-me de um tipo chamado Coltrane, que tocava todas as quartas-feiras mas nunca sabias onde é que ele estaria no espaço, poderia estar no cofre ou na biblioteca, e tinha sempre uma garrafa de alguma bebida alcoólica num saco de papel, nunca sabias se aquilo fazia parte da performance ou se apenas gostava de beber enquanto tocava, nunca sabias o que era real ou não, o que era ou não performance… Sentia que o espaço estava vivo. E comecei a olhar para a biblioteca, na altura ainda não tinha sido organizada, ainda não estava ordenada de forma temática, por isso havia uma grande mistura, desde as igrejas na Etiópia às máscaras do século XVI, passando pela dança ou por um yearbook… E, claro, todas as revistas Ebony. Eu ia lendo as revistas, enquanto bebia chá, e nunca tinha ouvido falar daquela publicação. Muitas das imagens afro-americanas que eu via tinham a ver com as lutas pelos direitos civis. Tinha visto muitas imagens de violência racial nos manuais escolares ingleses, imagens de linchamentos que estavam nos livros e que eram chocantes para veres quando tinhas 11 ou 12 anos. E depois talvez houvesse uma fotografia do Martin Luther King e eram as únicas imagens negras em todo o manual de história. Portanto, ao ver aqueles livros e revistas, eu via glamour, sofisticação, os músicos de jazz do Harlem, as classes médias afro-americanas, a casarem-se e a terem almoços, ou os barbeiros negros ou os artistas de rua… E na Ebony havia mulheres a usarem roupas clássicas dos anos 50, a andarem na rua ou em sessões de moda. A imagética estava dissociada do racismo, da política ou da luta. E isso para mim era novo. Porque sentia que, sempre que via imagens negras, estavam sempre alinhadas com alguém a ser espancado pela polícia… E acho que isso pode ser muito redutor para a história da negritude nos EUA. Por isso, fiquei fascinada. Abriu a minha mente para uma certa avant-garde negra… Eu conhecia o Andy Warhol e a The Factory, e os Velvet Underground, e adoro aquela música, mas se me perguntasse não saberia que existia tanta avant-garde negra. Claro que conhecia o jazz, mas depois havia um grande buraco no meu conhecimento, e depois voltava na altura do drum and bass, o hip hop… Mas não conhecia estes artistas visuais negros que eram muito originais mas não estavam circunscritos a um certo progresso racial, à luta política contra o racismo… É só arte, porque são artistas. E isso foi muito inspirador. Deu-me uma certa liberdade e permissão.

O álbum também tem uma componente de garage rock, alguma influência punk. O que a levou a explorar estes sons?

Teve a ver com regressar à minha primeira experiência de compor música. Eu fazia parte de uma banda indie chamada Helen, um grupo punk ou riot grrrl, éramos todas autodidactas, com as nossas guitarras, baixo e bateria. Tínhamos os nossos pedais de distorção. E andávamos a ouvir Nirvana, foi nessa altura. O MTV Unplugged serviu quase como um tutorial para nós aprendermos acordes, isto foi antes do YouTube! E na New York Transit Queen [antigo concurso de beleza], vi uma fotografia da Audrey Smaltz. Parecia mesmo uma daquelas imagens que via na minha era de riot grrrl. E eram imagens dos anos 50 mas reinventadas com uma perspectiva feminista dos anos 90. Era algo adorável que tinham subvertido com frases, ou a imagem de uma mulher a lavar a loiça e dizia “Esquece a loiça, vem rockar!” ou o que seja. E quando vi uma destas imagens, levou-me imediatamente para isso. E senti que precisava de ter alguma força, algum poder, nunca poderiam ser baladas de r&b ao cantar sobre temas tão difíceis. Precisava de alguma agressão. 

Como tem sido apresentar estas canções ao vivo? Naturalmente, cada álbum e tour é diferente tendo em conta as suas características, e este disco é realmente distinto.

Tem sido entusiasmante e assustador ao mesmo tempo. Acabámos de fazer uma tour pelos EUA, o álbum ainda nem tinha saído quando começámos, e muitas pessoas que nos vão ver sabem que vamos tocar o Black Rainbows, mas outras não sabem e podem ficar algo desapontadas… E poderiam ter ficado à espera de ouvir os temas antigos. Mas estou a fazer esta tour, é uma vez na vida, e sou tão apaixonada por esta música nova que não queria só tocar umas três canções novas e depois interpretar as antigas. Por isso, é um pouco assustador estar lá em cima e dizer: “Ok, vou fazer algo diferente. Espero que embarquem comigo nesta viagem.” E, por causa disso, sinto que tenho de dar o meu melhor, que tenho de contar a história, manter as pessoas interessadas, tocar as canções… Por isso tem sido muito entusiasmante. E também porque é tudo muito novo. Cantei a “Put Your Records On”, “Like a Star”, “Breathless”, “Till It Happens To You” ou a “Closer” centenas e centenas de vezes, e nunca é confortável, porque quero sempre dar o meu melhor, mas sei o que estou a fazer e as pessoas cantam comigo. Aqui é um verdadeiro desafio: elas não conhecem estas canções! No que vão pensar? Será que vão gostar? Mas também é entusiasmante porque a banda é nova, é tudo novo e, portanto, de certa forma, é como recomeçar outra vez ou fazer parte de outra banda. Estamos, de forma deliberada, a tocar em espaços mais pequenos, sítios mais artísticos, museus, universidades… Fazer uma tour diferente só para este álbum. E claro que, depois, voltarei a tocar as minhas canções antigas todas: elas não se foram embora. Mas quis mesmo fazer algo diferente com este disco.


pub

Últimos da categoria: Entrevistas

RBTV

Últimos artigos