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Fotografia: Vera Marmelo
Publicado a: 06/02/2023

Prestação imaculada e carisma inigualável.

Conway The Machine no B.leza: La Maquina está bem oleada

Fotografia: Vera Marmelo
Publicado a: 06/02/2023

Pensavam que esta era mais uma terça-feira ordinária na capital? Desenganem-se. O primeiro mês do ano novo não podia acabar sem a passagem de um peso pesado da atualidade do rap americano por solo nacional — falamos, claro, de Conway The Machine, que se apresentou em Lisboa no passado dia 31 de Janeiro, num serão curado pela Versus.

O compromisso era fresco, já que a data havia sido anunciada há bem poucas semanas, já depois do camarada Westside Gunn nos trazer más notícias, com o cancelamento da sua tour pelo velho continente, mas sem problemas: Conway brindar-nos-ia com o seu rap de autor, carisma e liricismo, mesmo a la Griselda. Mas antes, espaço para alguns conterrâneos seus nos apresentarem a sua arte.

Poucos minutos antes das dez da noite, o relógio fazia adivinhar que o show ia começar, e a abrir subia a palco Brodie Fresh, recebido de forma algo tímida mas com ouvidos atentos perante os vários temas que foi disparando e interpretando de forma enérgica perante uma casa que se ia compondo. Antes do cabeça de cartaz, também houve uma fugaz passagem do jovem rapper Jae Skeese pelo palco, apoiado por DJ T, que depois da prestação do MC foi aquecendo o público ainda morninho com alguns clássicos da discografia de Conway, que nos fizeram recuar, por exemplo, a 2015, através de Reject 2 e outros intemporais, como “Headlines” que divide com os irmãos de rap, Benny The Butcher e Westside Gunn (destaque para a produção do lendário DJ Premier).

“Y’all ready for Conway?” foi o rastilho perfeito de DJ T para um B.leza apinhado, repleto de caras bem conhecidas do hip-hop português. A sintonia era perfeita porque aquele era um momento há muito desejado por todos, já que se trata de uns nomes mais relevantes e avant-garde do hip-hop americano na última mão cheia de anos. Numa era maioritariamente dominada por uma sonoridade trap, eis que um trio da periferia de Nova Iorque, de Buffalo, foi conquistando o seu merecido espaço tanto em grupo como a solo com sucessivos projetos de grande quilate, com o seu rap a pender para o lado oposto ao previsível e predominante, comercialmente falando.

Lisboa representou a sétima paragem (oh, lucky seven!) para Conway nesta RejectMania Tour, que depois de duas noites por Dublin, não precisou de trazer na manga trevos-de-quatro-folhas para lhe dar sorte nos palcos, já que tem talento de sobra, e esse foi o seu maior trunfo.

Encetou o recital de rimas corrosivas com um bang(er): DJ T ameaçou e fez a gracinha do clássico replay, e à segunda foi de vez, lá veio Conway ao som deste “Bang”, que divide com Eminem, e o instrumental encaixou que nem uma luva para uma entrada carregada de carisma e atitude para deleite das centenas ali presentes. 

A característica ad-lib do rapper a imitar disparos de um arma de fogo foi ecoando incontáveis vezes pelo público, mas Conway é que foi autor de tiros certeiros faixa atrás de faixa. “Piano Love” antecedeu “Shoot Sideways”, faixa de LULU, esforço colaborativo com The Alchemist, que parece estar prestes a ganhar segundo capítulo: o rapper e produtor americano estiveram juntos, não em Lisboa, mas sim em Amsterdão, antes de mais um concerto desta tour da Machine, e deixaram um teaser no Instagram. Aguardemos pacientemente…

Também de 2020, o álbum From King To a God apresentou-se recheado de faixas memoráveis, e como tal não podia faltar à festa: primeiro fez-se ouvir pelo requintado piano de “Dough & Domani”, mas de seguida a casa vinha abaixo. Os robustos baixos de “Lemon” fizeram ricochete na plateia e foram devolvidos sob forma de entusiasmo. Nada a ver com limões, mas na plateia muitos eram os rostos a fazer cara feia acompanhado do clássico headbangin’  a escutar atentamente um Conway que ia dizimando rima atrás de rima e, num piscar de olhos, soltou um dos temas mais celebrados da noite, o icónico “DR BIRDS”, assinado a três vozes enquanto Griselda.

Apesar de alguma tímidez, a energia no B.leza começou a fluir cada vez mais a partir daí e o rapper de Buffalo acompanhou o momentum ao som de faixas como “Tear Gas” e do bem intenso “8 Birds”, interpretado de forma imaculada, verdadeiramente nos trincos. 

Com a casa efusiva e o público do lado certo da barricada, previa-se um escalar de nível na performance até um climax final, mas não: afinal de contas falamos de um dos rostos mais disruptivos do hip-hop americano, certo? Ora pois, era hora do intervalo. Neste curto break em que Conway foi aos bastidores recarregar o seu espólio, o público também aproveitou para recuperar fôlego para o acompanhar nos seus belos devaneios líricos. 

Da pausa voltaram as rimas, métricas e presença imponente que pautaram a primeira metade do concerto, mas La Maquina trazia um trunfo na manga, a complementar esta fórmula que lhe vinha garantindo sucesso, um incrível sentido de humor e muito carisma. Mal pisa o palco, tempo para uma breve interação com os homens e mulheres presentes, em que brincou com o refrão “pegajoso” de “Who Run The World” de Beyoncé, que fez soltar umas largas gargalhadas de todos. Depois disso driblou e afundou no ritmo adequado as aceleradas rimas de “KD”, à moda do homenageado basquetebolista Kevin Durant, faixa com BPMs bem acima do costume para ele. Apesar disso, rapidamente voltou à sonoridade que o distingue com um “Y’all want that grimey shit, right?”, acompanhado de um pedido de maior energia por parte de uma plateia algo relaxada, que se ia limitando a desfrutar o momento, mas que se demonstrou bem acessível e cantou em uníssono o verso de Con em “John Woo Flick”, que divide com os goodfellas de Griselda. A passagem para a faixa seguinte, “Jesus Khrysis”, foi absolutamente divinal, num beat switch quase impercetível ao ouvido mais distraído, altamente bem recebido pelos mais ávidos fãs que Conway parecia ter finalmente na mão, depois de uma injeção de adrenalina.

Mas as interações estavam longe de terminar, como testemunhámos logo de seguida. O que parecia ser uma interação curta e informal com um fã, rapidamente se tornou no momento mais bonito da noite. Conway fez questão de puxar o jovem a palco, visivelmente emocionado por conhecer um ídolo pessoal, e abraçou-o ali, bem no centro do palco, sob um coro de palmas geral. Depois, belo momento de gratidão e transparência de The Machine, que disse desconhecer ter tantos fãs por todo o globo, algo que, para alguém de Buffalo, é lisonjeiro e o faz sentir muito feliz.

Apesar da genuidade, a veia humorística manteve-se e, logo de seguida, quando dois dos momentos mais intimistas da sua setlist se encaminhavam, o rapper pôs a plateia toda a rir ao livrar-se abruptamente do tripé que era suposto acompanhá-lo em “Stressed” e “So Much More”. Ambas as faixas são dois exemplos perfeitos da mestria de Conway, conhecido pelo seu rap bem braggadocious e com muito egotripping, algo que não o inibe de ir intercalando os seus trabalhos com faixas bem mais pessoais, vulneráveis e dedicadas a alguns temas atuais como saúde mental, temática várias vezes abordada em God Don’t Make Mistakes do ano transato.

Nos breves compassos para recuperar fôlego entre faixas, ouviu-se “I like that N.W.O. shirt”, e o concerto manteve a toada too sweet, num sentimento de família gigante e na mesma frequência, tal e qual uma clique da dimensão dos eternos New World Order.  E mesmo por falar em família, o imponente rapper despediu-se ao pegar no instrumental do já clássico “Family Ties”, de Kendrick Lamar e Baby Keem, que pulverizou ao som das rimas do seu remix, como se pode ouvir na sua mixtape Greetings Earthlings, de 2022. 

Final algo abrupto e sem despedidas por parte de Con, mas entendemos, seria bem mais custosa uma despedida anunciada deste que proclamamos como your rapper’s favorite rapper na sua estreia por solo nacional. Performance de nível bem elevado, sempre nos trincos, sem falhas, muito profissional e como se isso não bastasse para um bom serão, uma pitada de bom humor estreitou a relação do MC com o público, que não se demonstrou nada acanhado mal as interações mais espontâneas foram surgindo. 

Resumindo e concluindo, estreia mais que aprovada: La Maquina está bem oleada.


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