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Fotografia: Laura Lynn Petrick
Publicado a: 27/10/2023

A música como mecanismo de libertação.

Contour: “Quero deixar para trás coisas que ajudem as pessoas”

Fotografia: Laura Lynn Petrick
Publicado a: 27/10/2023

Contour ecoa de dentro para fora e de fora para dentro. Através do lirismo e de uma crepitação vocal que seduz, envoltos numa electrónica cativante e inebriante, cria um estado de deslumbramento que nos permite, a nós ouvintes, encontrar algo de poderoso no que diz respeito à sua mensagem.

A dias do seu concerto em Guimarães, no seguimento do festival de música Mucho Flow, que celebra o seu décimo aniversário este ano, o artista esteve à conversa com o Rimas e Batidas para abordar questões que são inerentes ao seu trabalho, às suas ideologias, e à sua busca constante por um lugar de libertação. Por entre álbuns como Onwards!, editado em 2022 pela Touching Bass, e músicas no seu EP Weight, que contam com letras que ocupam um lugar especial na arte de Contour: o que no fim encontramos é um lugar onde nos podemos rever face a tanta guerra, tanta discriminação, e tantas dificuldades contornadas ou ainda à espera de serem ultrapassadas.

Despidos de preconceitos porém conscientes do que se passa à nossa volta, o convite para o concerto a decorrer no próximo dia 4 de Novembro fica em aberto.



O teu álbum Onwards! é descrito como um trabalho de arquivo profundo, que te permite trabalhar a tua prática de pesquisa musical perante um público. Podes explicar como é que este processo influenciou a criação do álbum e a tua abordagem artística?

Penso que a investigação, ou seja, o envolvimento na documentação da vida dos outros, quer sob a forma de documentário literal, quer através das artes, que são documentos emocionais, é a forma que encontrei para dar sentido às minhas experiências no mundo. A minha prática musical existe principalmente para ser um veículo para esse processo de criação de sentido. Neste caso, e na maioria dos casos, um período particular deste tipo de conversa entre pesquisa e expressão juntou-se para se tornar neste corpo de trabalho.

Qual é a tua opinião sobre a libertação negra? Está manifestada na tua música?

Sou negro e, por isso, estou constantemente a resistir e a negociar com forças que procuram manter-me cativo. Muitas pessoas, lugares e coisas estão implicados nesse cativeiro perpétuo, incluindo eu próprio. Para mim, a libertação negra está ligada à sobrevivência. Enquanto estivermos cativos, a nossa sobrevivência é mais facilmente ameaçada. Se procuro compreender as minhas emoções e experiências do mundo e exprimi-las através da minha música, então, naturalmente, haverá por vezes uma lente central colocada neste cativeiro/libertação. Penso que qualquer pessoa negra pode usar o cativeiro como um (de muitos, idealmente) dispositivo para compreender o que experimenta no mundo.

Como é que os diferentes movimentos dos “teus” artistas antecessores moldaram a tua música e as mensagens que pretendes transmitir através do teu trabalho?

As pessoas que vieram antes de mim deixaram projectos e mapas. Nada do que encontro é novo e, quando me sinto sozinho, posso apoiar-me nessas experiências. O facto de as pessoas terem deixado coisas para trás para nos ajudarem é uma dádiva que nunca posso tomar como garantida. Quero deixar para trás coisas que ajudem as pessoas. As mensagens individuais são menos importantes do que a esperança de que alguém encontre uma forma de dar sentido a algo através delas.

As tuas letras são bastante fortes e têm um papel determinante na forma como as pessoas te ouvem. Acreditas que as tuas palavras são uma forma de criar espaço para análise? Ou podem também ser uma forma de as pessoas olharem para dentro de si próprias?

Ambos. Gosto de fazer perguntas e tento responder a essas perguntas. Anseio por ser compreendido e também tenho medo de ser visto completamente. Penso que muitas pessoas sentem estas coisas. Penso que a linguagem do outro pode ajudar-nos a descobrir a linguagem que não sabíamos que estava enterrada dentro de nós. Tudo se alimenta da coisa seguinte. Olhar para dentro de si é praticar o exame do mundo e vice-versa.

Ao longo do teu trabalho a presença emocional é enfatizada e a compreensão de ti próprio também se torna base para a auto-determinação. Como é que este tema se reflete na tua música e na importância do teu processo criativo?

Como referi anteriormente, tudo o que escrevo é, em parte, uma tentativa de me compreender a mim próprio. Se virmos a auto-determinação como a completa autonomia e agência para escolher as nossas vidas, então temos de examinar o que é a escolha. Para mim, uma parte de fazer o que poderia ser considerado uma escolha “verdadeira” é conhecer todas as forças que influenciam essa escolha. É aí que a compreensão de si próprio é importante, e as emoções são uma das maiores forças que influenciam as nossas escolhas.

Preferes colaborar com outros produtores ou gostas de trabalhar sozinho?

Não tenho uma preferência forte. No passado, trabalhei sozinho porque era isso que os meus recursos me permitiam. Também gosto de colaborar com artistas que possam trazer algo para a equação que seja entusiasmante ou generativo.

Em relação às tradições musicais, como o blues e o jazz, inspiras-te nelas para comunicar e documentar as tuas próprias experiências e reflexões? 

Isto está relacionado com as questões anteriores sobre a libertação negra, bem como com a questão das letras. O blues e o jazz são tecnologias que os meus antepassados desenvolveram para comunicar uns com os outros e documentar as suas vidas num ambiente que procurava reprimi-los, destruí-los e mercantilizá-los. Eu vivo na continuação do ambiente em que eles sobreviveram e morreram. Recebo com gratidão estas tecnologias como uma forma de sobreviver e permanecer inteiro. É isso que a música é para mim, uma tentativa duradoura de permanecer inteiro.

O que é que esperas que os ouvintes retirem do teu trabalho em termos de auto-conhecimento e empatia?

Qualquer coisa, desde que tomem alguma coisa. Quero que eles encontrem uma forma de se aceitarem a si próprios, seja o que for que isso signifique. Não é fácil.

Tens ou algum álbum ou uma música tua que seja especial/preferida?

Um álbum favorito? Ou uma música? Se te referes a um álbum favorito, provavelmente aquele em que estou a trabalhar atualmente. Se te referes a uma música, o “Rain Man Freestyle” do meu EP Weight chega sempre aos meus ouvidos de alguma forma.

O que podemos esperar do teu próximo espetáculo no Mucho Flow?

Humanidade, emoção pura, presença e sons bonitos.

Vamos ouvir trabalhos novos?

Podem sempre esperar novas canções e novos arranjos nos meus espectáculos. Gosto de me manter envolvido e entretido.

Há alguma novidade que queiras partilhar connosco neste momento?

Ainda não há nada para dizer, mas espero que haja em breve.


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