Antes dos 18 anos, Salomão Borges Filho, nascido em Belo Horizonte no dia 10 de janeiro de 1952, já tinha colaborado (juntamente com Fernando Brant e Márcio Borges) na composição de um dos grandes sucessos de Milton Nascimento nos anos 1970: “Para Lennon e McCartney”. Dois anos depois, o garoto Lô Borges recebe o convite de Milton para irem com Beto Guedes para o Rio de Janeiro onde criariam o álbum Clube da Esquina, que também deu nome a um dos movimentos que mais influenciou a musicalidade brasileira. O texto poderia acabar aqui com a corriqueira frase “o resto é história”, porém, existe a necessidade de reverenciar aquele que é considerado um dos grandes compositores — e poetas — da Música Popular Brasileira.
Ao lado de Milton Nascimento, Toninho Horta, Wagner Tiso, Beto Guedes e Márcio Borges, Lô Borges foi autor de clássicos que até hoje reverberam no mundo. De “O Trem Azul” a “Um Girassol da Cor do Seu Cabelo”, passando por “Clube da Esquina nº 2” e “Tudo Que Você Podia Ser”, a maneira dele escrever tem a poesia como base. É também interessante observar que as produções do Clube, quase sempre guiadas por um violão, tinham uma certa simplicidade. Ouvindo-as atualmente, soa até como algo caseiro, sem muita tecnologia envolvida. E é por sobriedade que essas obras possuem uma beleza inigualável. O próprio Lô já disse algumas vezes que nunca estudou teoria musical. Quem estudava a música dele eram os músicos.
Refletindo sobre isso, uma imagem que não sai da cabeça é a de Rui Miguel Abreu (um dos mais importantes jornalistas e críticos musicais da contemporaneidade) empolgado me dizendo que “Tudo Que Devia Ser” é tão bela quanto os afrescos da Capela Sistina. Concordei com a afirmação, não pelos copos de vinho que já tínhamos na cabeça, mas porque um amante da arte não faz esse tipo de comparação sem motivos evidentes. Se fossem pinturas (com certeza), essas canções seriam as mais requisitadas, admiradas e visitadas nos museus mais importantes do planeta. Tanto é que existe unanimidade quando se trata do marco zero do Clube da Esquina pela sensibilidade lírica e estética.
Na sequência deste, em 1971, Lô Borges foi convidado para fazer um disco que chamaria de seu. Ao invés da própria imagem na capa, colocou um Adidas Superstar branco de cano médio, todo surrado, que havia ganhado de um primo. A ideia era não usar sua foto porque após o lançamento entraria num hiato. O tênis simbolizava a sua caminhada pela estrada, algo que fez logo em seguida. Viajou para diferentes regiões do Brasil para se libertar, inclusive da tirania da indústria musical. Não queria se comprometer nem ficar refém dela. É provável que “Faça Seu Jogo” tenha sido uma indicação do caminho que seguiria.
“Jogue sua vida na estrada / Como quem não quer fazer nada / Ouça bem as vozes do mato / Como quem abriu o seu coração”.
O mais interessante é que, mesmo antes do streaming e da velocidade que pede para que tudo seja mais curto para caber nos padrões, o cantor e compositor fez um projeto com músicas rápidas, em sua maioria com menos de 3 minutos. Algo pouco usual para o período. Se visionário ou não, ele sabia entregar a mensagem sem ficar dando voltas. Usou jogos de palavras para falar do cotidiano e sentimentos de um jeito nem sempre convencional. Por isso também se diferenciava.
Hoje um clássico, o trabalho homónimo apelidado de “Disco do Tênis” não atingiu as expectativas na época em que chegou às lojas. Vendeu pouco. Mas a preocupação de Lô não estava no lucro. Tanto é que foi viver a vida, retornando à música quase 10 anos depois com A Via-Láctea. Um compositor compulsivo que dizia que precisava “estar compondo para se atualizar com esse mundo que eu vivo”, esse gênio arquitetou trabalhos que não se limitam apenas aos dois primeiros que o iniciaram na vida artística. Existe um amplo cancioneiro que foi interpretado pelo próprio e por diferentes vozes.
Esse legado não se vai. Torna-se ainda mais vívido, ultrapassando gerações e gerações. Lô Borges não estará mais presente no físico, deixou este plano aos 73 anos, mas se manterá entre nós eternamente. Agora, inevitavelmente, ao olhar para o luar lembraremos dele cantando os versos de “Um Girassol da Cor do Seu Cabelo”:
“Se eu morrer não chore não, é só a lua / É o seu vestido cor de mar”.