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Fotografia: Adriano Ferreira Borges
Publicado a: 14/07/2021

O trompete no centro da questão.

Consciente e combativa: Jaimie Branch fez soar os alarmes no gnration

Fotografia: Adriano Ferreira Borges
Publicado a: 14/07/2021

A história do trompete remonta ao terceiro milénio antes de cristo. As primeiras amostras do instrumento foram encontradas nos túmulos de Tutankhamon, no Egipto, com outros vestígios similares encontrados em zonas da China e Escandinávia. Eram feitos a partir de madeira, ossos e metais preciosos, e utilizados inicialmente como ferramenta para conduzir rebanhos e afugentar criaturas. Mas a sua ligação à guerra e à religião é histórica e indissociável. “O trompete é um instrumento de guerra”, diz-nos Jaimie Branch, momentos antes de inaugurar o ciclo Julho é de Jazz, do gnration, no passado dia 8 de julho. “Acho que o trompete possui estas características inerentes, sabes? Como se estivesse a soar um alarme”. 

Foi apenas por volta do século XIV que o trompete passou a ser utilizado para fins musicais. Ainda que menosprezado pelos grandes compositores europeus, como Mozart, Bach e Beethoven, as qualidades timbrais do instrumento atraíram as mentes de notáveis como Berlioz e Rossini, e mais tarde Stravinsky e Shostakovitch, que começaram a escrever partes para trompete nas suas obras. Mas foi nas esferas do jazz que o instrumento ganhou novas dimensões: Louis Armstrong, Maynard Ferguson, Dizzy Gillespie e Chet Baker ajudaram a trazer o modesto instrumento para as esferas da música popular, enquanto Miles Davis e Don Cherry exploravam as suas diferentes possibilidades. O último, aliás, possui um peso considerável no percurso de Jaimie: “Gosto muito da música do Don Cherry. Eu costumava estar mais envolvida com as coisas que ele lançava pela Blue Note nos anos 60, mas ultimamente tenho estado mais por dentro da cena experimental dos anos 70, quando ele estava na Suécia e Itália. Ele usa a voz, usa instrumentos caseiros, usa o seu trompete. E é tudo uma coisa”. É esta componente holística do músico de Oklahoma, um dos expoentes do jazz mais espiritual, que Jaimie procura incorporar na sua música. “Quer esteja a tocar pandeireta, trompete ou a cantar, é tudo Jaimie Branch”.

O mais recente álbum de originais da artista de Nova Iorque, Fly or Die II: Bird Dogs of Paradise, foi pensado na estrada, em digressão, e finalizado em estúdio no histórico London’s Total Refreshment Centre e ao vivo durante uma residência artística no Café Oto. “O que realmente me impressionou foi a vitalidade da cena”, explica sobre esta experiência britânica, onde teve oportunidade de assistir em primeira mão os ímpetos mais criativos da capital inglesa. “Fiquei muito inspirada com a quantidade de jovens que estavam nos espetáculos, parecia que estava num concerto punk ou hip hop, foi ótimo. É dessa vitalidade que a música precisa”.

Editado nos metros finais de 2019, dois anos depois da primeira investida que resultou na prequela Fly or Die, o disco voltou a receber o selo da americana International Anthem, berço para alguns dos mais inventivos projectos norte-americanos, e assinala a estreia de Jaimie como vocalista. A voz torna-se assim mais um instrumento fundamental para a partilha de uma mensagem que, mais do que tudo, se apresenta combativa carregada de uma forte consciência política. “Tenho sido muito política desde há algum tempo”, confessa. “Acho que as pessoas não entenderam isso até começar a cantar, a usar a voz humana e a dizer as coisas de forma mais explícita e literal”. É isso que faz nas duas partes que compõem “Song for Amerikkka”: “It’s a song about America, but it’s about a whole lotta places – ‘cause it’s not just America where the shit’s fucked up”, canta-nos na primeira metade.

Em palco, Jaimie faz-se acompanhar por Lester St. Louis (violoncelo), Jason Ajemian (contrabaixo) e Chad Taylor (bateria, xilofone), todos músicos com fortes ligações à cena de Chicago, onde Jaimie viveu boa parte da sua vida. A sua postura resiliente, repartida entre debitares combativos, sopros libertários e alguns chocalhos faz lembrar Camae Ayewa e os seus Irreversible Entanglements, que também já passaram pela Blackbox do gnration em temporadas anteriores. 

Pragmática, firme e ocasionalmente lúdica, Jaimie Branch não tem meias medidas. A sua música não se faz de grandes conceitos ou narrativas elaboradas, nem precisa, cingindo-se antes à matriz que lhe deu origem — dois álbuns, o mesmo lema: morrer ou voar. Quando questionada sobre o significado por trás deste mote, a resposta é sucinta. “Sinto que te estás a aproximar da vida ou a aproximar-te da morte. Então é meio que uma escolha, como escolher voar — escolher chegar mais perto da vida”.


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