[TEXTO] Rui Miguel Abreu [FOTO] Direitos Reservados
Conan Osiris acaba de lançar Adoro Bolos através da AVNL, o mesmo selo que disponibilizou os seus trabalhos anteriores – Silk, datado de 2014, e Música Normal, lançado no Verão de 2016. No novo álbum, o produtor e cantor prossegue a sua pessoalíssima visão musical com um ambicioso conjunto de canções que cruzam as mais díspares referências: electrónica experimental, fado, dancehall, techno de feira xunga, ritmos dos balcãs, funaná digital, ecos de metal e o que mais acusar no seu amplo radar de referências.
Em Adoro Bolos Conan Osiris soa como o resultado de um improvável cruzamento entre Arca e os Santamaria a produzirem Balele, lendária voz dos Ciganos de Évora, ou Frei Hermano da Câmara, numa sessão abençoada com a presença espiritual de António Variações. Com letras que oscilam entre a mais profunda expressão poética, a exploração fonética do legado de Camões e um humor ácido que corrói qualquer assomo de seriedade, Conan Osiris consegue em Adoro Bolos assinar um registo profundamente original que lançado mesmo em véspera do derradeiro dia do ano carrega no entanto força suficiente para baralhar as contas dos melhores registos de 2017.
Um dos melhores exemplos da riqueza lírica encontra-se em “Celulitite”, tema que cruza tarracho, vira minhoto e reggaeton (com pózinhos de banda sonora de Bollyhood lá pelo meio…) com classe insuperável.
oh mor oh mor
solta os caes e traz o lixo
oh mor oh momor
vou te comprar um cochichopa ver se eu te abaixo o baixo
pa te arrancar o sangacho
pa te arrastar o tarracho
po bicho matabicharda-lhe um cu dum nenuco
de-lhe um cu dum nenuco eunuco
da-lhe um cu dum nenuco
e aproveita e diz mequem quer saber da celulite?
quer saber do seu limite para amar o cÈu limite?
ninguem quer saber da celulite
quer saber do seu limite para amar o cÈu limiteeu tou me a cagar
pa celuliteok
mama solta a celulite yaya
a policia ta a pensar que È dinamite yaya
chama o melhor canalizador da city
pede sanita infinita
que o teu cu nao tem limite yayaali pisaste, ali ficaste
ali partiste a party com o lÌpido que abanaste
paulatinamente, praticamente nunca papaste
trabalhas pa patrulha pela pata que apanhasteolhÛ nheq-nheq-nhik ai ai
eu quero ver te a dar o nheq-nheq-nhik ai ai
olhÛ nheq-nheq-nhik ai ai
eu quero ver te a dar o nheq-nheq-nhik ai ai
São onze temas, cada um uma brilhante expressão de sincretismo avançado que nos garante que não há cruzamentos impossíveis. Merecia edição em cassete e distribuição pelas roulottes das feiras que animam as romarias do nosso país (sem ironias…). Disco do ano?