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Publicado a: 28/03/2017

Chris Calcutt: “Confesso ter andado uns bons tempos obcecado com o Ableton Live”

Publicado a: 28/03/2017

[ENTREVISTA] Manuel Rodrigues [FOTOS] Manuel Abelho

O Lisboa Dance Festival aconteceu nos passados dias 10 e 11 de Março, no LX Factory, em Lisboa. Pela capital passaram artistas dos mais variados quadrantes da música, de Jessy Lanza a Marcel Dettmann, dos Mount Kimbie a Hercules & Love Affair, sem esquecer todo o rol de artistas nacionais que não deixou nada a desejar. Mas não é apenas das actuações nos palcos espalhados pelo recinto que a história da edição deste ano do LDF se vai escrever. Houve, nas conferências e masterclasses, assim como no próprio marketplace, importantes momentos de partilha, discussão e aprendizagem, que certamente enriqueceram quem por lá passou. Num desses espaços, gerido pela Omnisonic, empresa distribuidora de equipamento da Novation, Focusrite, Focal e Sontronic, encontrámos o britânico Chris Calcutt, especialista da Novation que viajou até Portugal para uma masterclass inserida no Lisboa Dance Festival. Entre barulho de fundo, ensaios no palco principal e a azáfama normal de um dia de festival, lá conseguimos trocar umas palavras com ele.

 


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Para começar, gostava que me dissesses que papel desempenhas exactamente na Novation?

Sou o especialista da marca no mercado europeu. Tenho um trabalho de sonho, para ser franco. Desloco-me a países para ajudar os nossos distribuidores, como o João Neves, da Omnisonic. Vou a muito festivais fazer demonstrações da marca, como o Sonar e o ADE (Amsterdam Dance Events), e frequento várias feiras por toda a Europa, à excepção do Reino Unido, que já tem quem trate disso. A Novation e a Focusrite fazem parte do mesmo grupo: temos pessoas a desenvolver os interfaces de áudio e temos pessoas ligadas aos sintetizadores, caixas de ritmos e, claro, controladores para softwares de música, como por exemplo o Launchpad, um dos produtos mais populares da Novation.

Há quem olhe para o Launchpad como um acessório indispensável para o Ableton Live. O que tens a dizer sobre isto?

Os computadores são o cérebro onde tudo acontece, mas o rato e o teclado tornam a nossa relação com eles impessoal. Estudei trombone durante muitos anos, e, como músico, gosto de estar fisicamente conectado com o instrumento. Gosto de tocar o instrumento. Com o trombone consegues isso tudo. Quando passas para o computador, perdes essa ligação. Foi isso que nos levou, enquanto empresa, a criar um controlador para o Ableton Live, de forma a tornar a experiência com o utilizador mais interessante – não obstante o facto de já desenvolvermos controladores há anos, sinto que o Launchpad foi uma importante catapulta para a marca. Foi a partir daí que surgiram aparelhos como o Launchkey e Launchcontrol, também eles fundamentais.

Sempre estiveste ligado à música?

Sim. Nesse aspecto, posso considerar-me um afortunado. Os meus pais eram professores de música: a minha mãe era pianista, o meu pai tocava trombone. No final dos anos 70, início dos anos 80, era eu muito novo, o meu pai esteve profundamente envolvido com os desenvolvimentos tecnológicos – como deves imaginar, nessa altura tudo girava em torno dos sintetizadores analógicos. Numas férias de verão, o meu pai encheu o carro de equipamento que já não utilizava nas aulas e deu-me, do estilo “toma aí e brinca com isso”. Mexi durante muito tempo em sintetizadores, sem saber o que estava a fazer.

Ainda guardas alguns desses sintetizadores?

Ainda guardo uns quantos, sim… [risos]. Não devia dizer isto muito alto, mas nos anos 90 o meu pai disse-me para deitar para o lixo alguns desses sintetizadores e eu levei-os de volta para casa. Tenho na minha colecção um ARP 2600, é das coisas que mais me orgulho, mas também tenho um Juno 106 e um SH 101, ambos da Roland – uso-os no meu dia-a-dia.

Essa tua ligação com os sintetizadores foi o ponto de partida para o que fazes hoje?

Acho que tudo começou a fazer sentido uns anos mais tarde, quando comecei a tocar guitarra, altura em que mergulhei na música psicadélica. Para mim, tinha tudo a ver com o som, por isso, para além de tocar guitarra, mexia também em pedais de efeitos (flangers e phasers). Vejo agora que aqueles pedais eram, na verdade, agentes moduladores do som produzido pela guitarra, o que se aproxima muito da filosofia de um sintetizador. É a partir daí que traço uma linha até aos dias de hoje. Actualmente, ainda me interesso por música, como é óbvio, gosto de melodias, ritmos e harmonias. Mas é no mundo do som que mais concentro energias.

 


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É, de facto, um mundo fascinante…

Sem dúvida. Na universidade onde estudei música, havia uma série de sintetizadores, alguns deles desenvolvidos pela própria instituição. A par disso, tinham o Yamaha SY88, um clássico, lembro-me de tirar dele excelentes sons de clarinete e flauta. Desde então, comecei a abordar a composição de outra forma, no papel de sonoplasta.

Falavas há pouco do Ableton Live… Que outros softwares te passaram pelas mãos?

Alguns, mas confesso de ter andado uns bons tempos obcecado com o Ableton Live. Cheguei a aprender a trabalhar com o Cubase, quando era empregado numa loja de música em Manchester, cidade onde cresci e vivi. Como tinha que apresentar o produto a músicos e professores, fui quase obrigado a aprender também. Visto sermos vendedores de Macintosh, também me especializei no Logic…

E o Reason?

Trabalhei com o Reason, mas nunca cheguei a ir muito a fundo. Tenho consciência que é um dos softwares mais antigos e respeitados. O Reason interferiu, logicamente, na história da Novation, mas não é o software que mais domino, porém, posso dizer-te que gosto muito da componente gráfica, de conseguires ver a parte de trás da tua rack de máquinas e seres tu próprio a fazer o patch, o que, indo ao encontro do que falámos há pouco, te possibilita uma enorme conexão com o que estás a fazer. Porém, como te disse, andei mesmo obcecado com o Ableton Live, de tal forma que aprendi a mexer nele sozinho, através de vídeos no YouTube. Achava o programa genial, porque me deixava manipular o som em tempo real, como se fosse um instrumento musical…

 


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E como estabeleces contacto com a Novation?

Eu sempre estive um pouco dentro da Novation, lembro-me de ter sido das primeiras pessoas no Reino Unido a comprar o primeiro Launchpad – para além de ser um grande fã da sua gama de sintetizadores. Há cerca de cinco anos atrás, descobri que eles andavam à procura de um especialista no produto para o Reino-Unido. Mal vi a notícia, liguei para lá a dizer que queria o trabalho. Responderam-me que já ia tarde, pois a vaga tinha sido ocupada há dois meses atrás. Todavia, convidaram-me para ir lá experimentar o Ultranova, em jeito de entrevista. Nunca tinha utilizado tal coisa, por isso, decidi explorá-la antes. Liguei para uma loja de música a perguntar se tinham a máquina e informei-me sobre a política de devolução. Eles por sua vez, responderam-me que se eu devolvesse o produto no prazo de uma semana, podia receber o reembolso total do valor. Comprei o sintetizador numa sexta-feira – a minha entrevista era na terça-feira seguinte – e fechei-me quatro dias em casa para aprender a máquina de trás para a frente. Consegui o trabalho e devolvi o Ultranova assim que pude [risos].

Há pouco, no stand da Omisonic, fiquei fascinado com a Bass Station II, é uma máquina realmente incrível… Fala-me um pouco sobre ela…

A Bass Station tornou-se num produto muito popular da Novation nos anos que se seguiram ao seu lançamento, em 1993, muito devido ao surgimento do acid house, estilo que em muito beneficiou desta máquina – o TB-303 foi, claro, um clássico para o acid house, mas a Roland parou de os fazer, o que levou a uma subida drástica do preço e a uma rarificação. A Bass Station veio colmatar essa falta, pois permitia uma aproximação ao som da TB-303. Não igual, mas muito similar. Era relativamente barata, com um som analógico e bons filtros. Infelizmente, desapareceu durante uns bons 15 ou 20 anos. No entanto, as pessoas continuaram (e continuam) a procurar o mesmo tipo de som (claro que ainda houve a Korg, com os seus Volca Bass e os Monotron), o que motivou o relançamento da Bass Station, mantendo algumas características da sua antecessora, como o sintetizador analógico.

Fiquei completamente rendido…

Sim, tem osciladores incríveis, mas é nos filtros que acontece a maior magia, como em qualquer sintetizador. No início, a Novation trabalhou com uma pessoa chamada Chris Huggett, foi ele que esteve por detrás da primeira Bass Station. Chris é, na minha opinião, um dos melhores criadores de sintetizadores. Foi ele que desenvolveu o Wasp, da Electronic Dream Plant, no final dos anos setenta, e aquela que eu considero ser a sua melhor obra, o OSCar, da Oxford Synthesiser Company. Se procurares na Internet verás a importância destes equipamentos. Huggett trabalhou na Basstation II e no Ultranova, daí soarem tão bem.

Sou um grande fã de hip hop e já produzi instrumentais em tempos remotos. Se tivesses que me aconselhar um dos vossos produtos para tal, qual seria?

Circuit. É uma groovebox inacreditável. Tem quatro canais de samplagem e dois sintetizadores (iguais aos do Mininova). Foi lançado com uma série de samples internos, mas as pessoas começaram rapidamente a utilizar os seus próprios samples. Nos últimos doze meses, o Circuit evoluiu de uma caixa fixa, desenhada e pensada por nós, para uma completamente customizável. Eu próprio faço bastante uso dela: ainda há muito pouco tempo peguei num pack de samples da SP-12, que tem uma sonoridade meio “estaladiça”, meti para dentro do Circuit, e obtive uma boa experiência “na ponta dos dedos”, o que é muito bom. Do ponto de vista do hip hop, se quiseres algo com um bom groove e uma boa batida, Circuit é uma excelente escolha, mesmo sendo limitado como sampler. Tenho adorado programar batidas no Circuit. Se quiseres arriscar, força, até porque não é muito caro…

 


https://www.youtube.com/watch?v=cC8B78j6DFY

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