LP / CD / Digital

Children of Zeus

Travel Light

First Word Records

Texto de Miguel Santos

Publicado a: 26/12/2018

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Children of Zeus lançaram este ano Travel Light, o seu álbum de estreia, mas tanto Tyler Daley como Konny Kon, os dois artistas que compõem o duo, são veteranos na música underground de Manchester. Ambos contam com mais de vinte anos de experiência na indústria, Daley com uma abordagem mais cantada e de songwriting e Kon como MC, DJ e beatmaker em crews como The Microdisiacs e Broke’n’£nglish. O seu som é reminiscente de grupos como Black Star com especial ênfase na harmonia musical, cruzando o hip hop, a soul e o r&b em temas quentes, apelativos e abrangentes.

Depois de se conhecerem em 2005, desenvolveram uma amizade e a união de mentes resultou em The Story So Far, uma compilação de temas que foram produzindo ao longo dos anos e que propulsionou uma nova etapa na carreira musical de ambos os artistas. É um álbum em que o espírito lo-fi transparece por vezes na abordagem de CoZ e que mostra um bom tiki-taka entre Kon e Daley, misturando cantoria e barras de maneira orgânica e algo cativante. Apela a sons de outros tempos, fundindo a soul dos anos 70 com o glorioso boom bap dos anos 90, evocando uma nostalgia cada vez mais preponderante na música actual.



Chegamos agora a Travel Light, a progressão lógica das ambições do duo. Para além de Kon e Daley na mesa de produção, temos artistas como Sebb Bash, Juga-Naut, Beat Butcha e Mr Thing, e as músicas presentes neste projecto prosseguem segundo o modus operandi demonstrado no lançamento anterior. O álbum é um conjunto de temas que nunca se afasta muito de uma sonoridade que é familiar a CoZ e fácil ao ouvido dos seus fãs. “The Story so Far…” abre o álbum com um recapitular da caminhada, de percussão cabal e bem orquestrada que se destaca especialmente na mix da canção. As cordas dão-lhe mais classe e o baixo nunca deixa de se ouvir com estilo, algo transparente no seu riff viandante.

Mas apesar de terem uma sonoridade reconhecível, as músicas mais ambiciosas são as que se afastam mais do seu som já conhecido. “Hard Work” é uma das faixas mais genuínas do álbum porque é a que mais se destaca das restantes — lembra algo menos familiar a CoZ, com elementos de dub incorporados na batida leve. “Sling Shot Riddim” prossegue esta mudança instrumental de forma menos acentuada, com uma melodia tremida e intermitente a suportar a letra de Daley e da convidada Terri Walker sobre dar o nosso amor a quem verdadeiramente o merece. As restante faixas deambulam pelo universo aquoso e convidativo que CoZ já demonstraram em lançamentos anteriores.

No entanto, a estreia de CoZ peca por alguma repetição e temas pouco desenvolvidos. “Slow Down” lembra uma música do início da década passada com o seu sample de voz aguda mas a batida é repetitiva, sem nunca desenvolver para além de uma batida trap que nos surpreende a meio —  que vai um pouco contra a temática da música de desacelerar e experienciar a vida com calma. É uma das canções que espelha os temas de relaxar, aproveitar o que temos e viver de forma harmoniosa/completa. Mas a entrega de CoZ é pacata, inócua, nunca nos convence verdadeiramente a mudar de vida.



Há também temas que soam como o início de uma boa ideia mas acabam por não se concretizar totalmente. “Kintsugi” remonta à arte japonesa, com o mesmo nome, de reparar objectos de cerâmica com ouro, e como os nossos piores momentos fazem parte de nós e também merecem ser celebrados. Mas a música é genérica e termina sem espaço para metáforas ou reflexão pessoal com uma voz robótica a explicar exactamente o que é a kintsugi. De forma similar, “Daddy’s Car” é uma homenagem dos artistas aos seus progenitores mas soa efémera, impessoal e pouco sentida, transmitindo uma certa nostalgia mas sem nunca mostrar porque é que ela merece ser celebrada.

Ao longo do projecto fica claro que CoZ têm várias coisas para dizer. Mas também transparece que o duo tem dificuldade em expressá-las totalmente. Apesar de Travel Light não ser um mau álbum, é um projecto que ouvimos simplesmente para passar o tempo, cativante enquanto o estamos a ouvir mas que é apagado da memória depois do último passar da agulha. É fácil de ser escutado mas não há nada que nos agarre verdadeiramente. O longa-duração termina com “Vibrations (Divine Signature)”, tema de batida entusiasmante e sincopada que resume o álbum: prolonga-se mais do que deveria e nunca causa grande impacto, deixando-nos a sensação que poderia ser muito mais do que é.


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