Quando em meados dos anos 90 o post-rock apareceu, houve uma miríade de bandas que começaram a acusar nos radares. A coisa começou no Spiderland (Touch and Go, 1991) dos Slint, mas foram os Tortoise que elevaram a fasquia. A história fez de Millions Now Living Will Never Die (Thrill Jockey, 1996) um clássico. O género era uma fusão de rock, jazz e maquinaria em doses moderadas. Bandas sem vocalista, lideradas tantas vezes por bateristas, em temas longos que podiam ir em qualquer direcção. Editoras como a City Slang e a Constellation alimentavam a onda com bons discos regularmente. Foi numa dessas bandas, os Isotope 217, que nos cruzámos pela primeira vez com o trompetista Rob Mazurek. O disco chama-se The Unstable Molecule (Thrill Jockey, 1997) e por lá andava o Jeff Parker, que nessa altura ainda era “só” o guitarrista dos Tortoise.
Rob Mazurek entretanto fundava, com Chad Taylor, os Chicago Underground. Há em duo, em trio e em orquestra, tantas vezes com o mesmo Jeff Parker na guitarra. Existem há mais de 20 anos e, com alguma regularidade, lá vão lançando discos novos. Rob Mazurek é um músico profícuo, alguém a quem é preciso estar atento. O baterista Chad Taylor não se fica atrás, tem uma discografia extensa e eclética, e já o vimos como sideman de Fred Anderson ou a participar nos primeiro trabalhos de Sam Prekop, tendo mais recentemente alinhado com James Brandon Lewis ou Jaimie Branch. Este homem tem olho para saber com quem gravar.
A carreira de ambos cruza-se várias vezes ao longo deste século, mas é com os Chicago Underground que a conversa lhes corre melhor. O primeiro impacto de Hyperglyph, selado em Agosto passado pela International Anthem, faz-nos duvidar que isto seja um duo. E de facto, não é. O trabalho no estúdio de Dave Vetrainno, produtor da editora de Chicago, é essencial para tudo o que ouvimos aqui. Logo em “Click Song” e “Hyperglyph” se torna evidente que há muito trabalhinho de sapa no estúdio em tudo aquilo que nos soa a África. Sim, Mazurek e Taylor compõem, tocam e fazem os arranjos, mas é naquela mesa de knobs que a magia acontece. Tudo isto é não só assumido, como celebrado. São as colagens e os beats marados desalinhados da bateria que elevam este disco para outro patamar.
O ritmo de Taylor é quase sempre intenso, ouça-se “Contents of Your Heavenly Body” quando acompanha uma spoken word em modo impiedoso. “The Gathering” e “Plymouth” é a clássica calmaria de Mazurek. “Hemiunu” volta a trazer Taylor em modo percussivo. Quantas pistas tem esta track?! Há que louvar o poder de um DAW discreto e cheio de classe. Gravado bocadinho a bocadinho e depois meticulosamente colado, antes de por fim ser nivelado para que soe natural e não pudesse ser de outra maneira. Quite impressive, we must say.
Seguem-se três suítes egípcias, por serem baseadas na egyptian scale, uma conhecida escala pentatónica. Diz que a primeira destas suites remete para o grande Bill Dixon, certamente um arquitecto fundamental na obra de Mazurek. Já na segunda suíte são os címbalos de Taylor que dominam num exercício de música microtonal exploratória. É imprecisa e ampla esta música. Ouve-se tão bem. Terminam as suítes com “Architechtronics of Time”, o tema mais previsível do álbum, provavelmente porque é o único sem overdubs. É tudo ao vivo e é onde se nota mais a cumplicidade da longa colaboração entre Mazurek e Taylor.
Termina Hyperglyph com “Succulent Amber”, com os seus sintetizadores e o som reconhecível do piano elétrico RMI. Há uma ingenuidade infantil neste tema que agrada e seduz, mas não se deixem enganar, há para aqui estúdio com fartura. Hyperglyph é um álbum sólido e sem temas fracos. Se vai sobressair na vasta carreira dos Chicago Underground? Provavelmente não. Mas nem todos os discos têm que “sobressair”. Às vezes sabe bem “apenas” ouvir boa música, sem comparações nem complexos.