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Publicado a: 01/10/2017

Charlie Beats: “Quando começamos a aprender algo é normal que a tendência seja inventar muito e tornar tudo bem mais complicado do que aquilo que realmente é”

Publicado a: 01/10/2017

[TEXTO] Manuel Rodrigues [FOTOS] Direitos Reservados

Teve a sua primeira bateria aos dez anos e a primeira banda, os Bizontes Kanibais, aos quinze. A urgência de registar o som da sua bateria levou-o a experimentar as mais diversas técnicas no campo da gravação (chegou a captar instrumentos através de headphones ligados a mesas de mistura, ao invés de microfones) e a inscrever-se num curso de dois anos na ETIC, uma das escolas técnicas de maior renome a nível nacional, isto depois de, por volta dos dezasseis anos, ter descoberto o hip hop, uma cultura fascinante que o levou a aprender produção, numa fase inicial maioritariamente através de sampling e com fortes influências em trabalhos de artistas como Sam The Kid, Conductor, Kilú, The Alchemist, DJ Premier e J Dilla. Falamos de Charlie Beats, músico, produtor, técnico de som e membro da banda de reggae portuguesa Chapa Dux, na qual desempenha o papel de baterista e com a qual já teve oportunidade de pisar vários palcos nacionais, do MEO Sudoeste à MEO Arena, do festival Positive Vibes ao Rototom Sunsplash e do Festival Monte Verde à viagem de finalistas em Calpe e Punta Umbría. Tiago Rodrigues, nome que surge no seu bilhete de identidade, é formado em Ciências e Tecnologias do Som e encontra-se, de momento, a concluir uma tese sobre sampling no mestrado de Artes Musicais na Faculdade Nova de Lisboa. É também proprietário de um estúdio de gravação em Chelas, o Ground Zero, onde trabalha diariamente a gravar locuções para televisão, bandas com vários instrumentos, MCs, sonoplastias para cinema, entre outros. Nos entretantos, formou uma produtora de conteúdos, a MalAmados Prod, especializada na produção de videoclipes, cyphers, making ofs, lyrics videos, gravação de álbuns, produção de instrumentais e produção de conteúdos de design gráfico, citando apenas alguns exemplos.

O Rimas e Batidas esteve à conversa com Charlie Beats, o produtor que se “esconde” por detrás dos trabalhos de artistas como Piruka, Wet Bed Gang, Karlon e HipnoD.

 



Começaste a gravar baterias com os headphones a servir de microfone. Queria começar mesmo por aí. Quando te encontras em estúdio, procuras desenvolver novas técnicas de captação e/ou novos microfones, ou optas por uma predefinição?

Quando o assunto é gravação de som, é impossível ignorar determinados microfones que ao longo do tempo se tornaram icónicos e indispensáveis em qualquer estúdio de som profissional. Cada um destes microfones clássicos, devido às suas características de construção e funcionamento, tem objectivos específicos e quando utilizados correctamente oferecem-nos resultados muito satisfatórios. Por exemplo: será sempre uma óptima ideia utilizar um Shure SM57 numa coluna de guitarra eléctrica ou numa tarola, assim como um AKG D112 será sempre espectacular para captar um bombo ou uma coluna de baixo eléctrico; por este motivo, considero que experimentar técnicas novas tem os seus benefícios, mas com conta peso e medida: inventar é bom mas nunca para estragar o som do instrumento ou a performance do músico (a não ser que esse seja o objectivo).

A bateria, ao contrário de uma guitarra ou um baixo, é um conjunto de muitos instrumentos e requer a utilização de vários microfones, que, como sabemos, podem criar vários problemas a nível de somas e desfasamentos. Que especiais cuidados é que tens na captação?

Sempre que utilizamos mais do que um microfone vamos sempre ter essa eterna luta contra as interacções destrutivas das ondas sonoras. No caso da bateria, dependendo do tamanho do kit, utilizam-se bastantes microfones, mas é muito importante perceber que quantos mais microfones utilizarmos mais interacções entre ondas teremos e, por conseguinte, possíveis desfasamentos. Quando capto bateria uso sempre uma fita métrica (ou algo do género), que me ajude a perceber a que distância estão os microfones das peças, assim como a distância entre si. Isto ajuda-me a garantir que o som da tarola (peça que uso como referência para o centro do instrumento) chega praticamente ao mesmo tempo aos dois overheads. No caso da bateria é costume captar o registo da tarola ou até mesmo do ride com microfones por cima e por baixo, sendo estritamente necessário inverter a fase do microfone inferior para evitar cancelamentos.

É uma técnica importantíssima…

Sim. E não só. Normalmente, verifico o estado de todos os cabos XLR, pois cabos em más condições também podem provocar desfasamentos. A própria acústica do espaço onde estamos a captar pode contribuir para o cancelamento de frequências em determinados pontos da sala. Às vezes, principalmente quando estou a colocar o microfone de ambiente, procuro encontrar o sítio onde este cancela mais o som da bateria quando somado aos restantes microfones e ai inverto a fase para conseguir a maior soma. A bateria é o instrumento que marca o ritmo do compasso, é o que nos faz abanar a cabeça, por isso, é muito importante que tenha um som claro e presente. Uma boa captação em fase fará com que isso aconteça. Caso a captação não tenha sido bem-sucedida é possível e importante que os problemas de fase sejam corrigidos em pós-produção, ou através de plug-ins específicos ou executando pequenos atrasos entre as faixas melhorando a sua soma e correlação. Estes problemas também me acontecem mesmo sem gravar propriamente a bateria: um kick e um 808 podem ter problemas de fase e cancelarem-se um ao outro – isto num beat de trap é extremamente preocupante.

Os graves são umas das maiores dores de cabeça quando se somam, já na mistura, um bombo e, por exemplo, um baixo. Qual a melhor forma de contornar este problema? Através de controlo de dinâmica ou equalização?

Comecei a misturar música com apenas 18 anos de idade. O rock, o punk, o metal e o hardcore foram alguns dos estilos que abracei desde o início, o que me deu a oportunidade de gravar bandas como os Prayers of Sanity, Dollar Lama, Defying Control ou Shape. Quando as guitarras e o baixo têm distorção e a bateria tem de estar com aquele peso típico destes géneros de música, a tarefa de arrumar o baixo e o bombo torna-se bastante complicada. Lembro-me que nestes casos cheguei a recorrer aos triggers para que o bombo não se perdesse na mistura. Essencialmente, procurava controlar quais as frequências em que o bombo e o baixo iriam trabalhar, para que não se “embrulhassem” um no outro, ou seja, dentro das frequências graves é importante entender que há espaço para que cada um destes instrumentos respire – basta equalizar correctamente e procurar eliminar frequências indesejadas que possam tornar a mistura confusa. Nestes casos, o controle dinâmico também é muito importante, onde o papel do attack e do release (que em muitos casos são parâmetros ignorados nos compressores e gates) se torna fundamental. Quando comecei a gravar os Chapa Dux percebi rapidamente que o papel do baixo e do bombo nada tinham a ver com os exemplos anteriores. Neste estilo, o baixo tem um papel preponderante na mistura, sendo o instrumento mais importante e o que dá o groove. Neste caso, o baixo funciona como um sub, onde a definição de cada nota não é necessariamente o mais importante mas sim a “gordura” do seu grave, o que torna a tarefa de conjugar o baixo com o bombo mais complicada: mais uma vez a equalização correctiva e o controlo dinâmico se tornam tarefas essenciais para obter bons resultados. No caso do hip hop, mais especificamente no trap, a tarefa é igualmente difícil e, como já disse anteriormente, conjugar um 808 com um kick pode levar qualquer produtor à loucura. Quando misturei recentemente o álbum do meu mano Piruka vi-me forçado a fazer compressão através de side-chain em um ou dois temas para que o kick não fosse mascarado pelo 808 ou bass,­ processo este que na altura me foi sugerido pelo meu mano Khapo. O side­-chain já me tinha salvo a vida anteriormente, e é uma técnica que pode resolver este tipo de problemas nos graves. Às vezes chegam-me faixas de beats para misturar nas quais encontro exactamente este problema, e muitas vezes a melhor solução é mesmo substituir o som do kick ou do 808: sem ovos também não se fazem omeletas.

Qual foi assim o teu maior pesadelo em estúdio? Daqueles episódios em que ficas horas e horas em torno de um instrumento (ou um conjunto deles) sem conseguir dar a volta ao assunto…

Para ser sincero, os meus pesadelos em estúdio raramente se relacionaram com o facto de não estar a conseguir captar o som correctamente ou com o facto de não saber como o captar, mas sim com problemas técnicos daqueles que nos deixam confusos a olhar para tudo, em que tudo parece estar bem ligado e, ainda assim, o som teimar em não chegar aos monitores; ou, por exemplo, o DAW não estar a gravar o som por algum problema relacionado com drivers, ou, ainda, a escuta dos músicos não estar bem calibrada. Lembro-me, por exemplo, de ter tido problemas precisamente nas fases entre os microfones, quando era mais novo, no início. Tinha a tendência de colocar microfones a mais nos instrumentos e isso era um pesadelo de fases: aprendi muito com os erros. Quando começamos a aprender algo é normal que a tendência seja inventar muito e tornar tudo bem mais complicado do que aquilo que realmente é, mas, na verdade, a única coisa que devemos fazer quando gravamos som é não o estragar.

 



Há, certamente, instrumentos mais fáceis de captar que outros. Tens assim algum que saibas que tem por hábito soar bem à primeira, que não precises de mexer muito a nível de equalização?

Felizmente, nos dias que correm, são raros os instrumentos que não soam logo bem à primeira quando coloco os microfones, pois a experiência já começa a ser alguma e, como já disse, se não se inventar muito, a coisa funciona sempre bem. Diria que todos os instrumentos são complexos de captar, e que é muito importante perceber o seu funcionamento e a forma como criam e propagam som, o livro Acústica Musical, de Luís Henrique, é um óptimo guia do comportamento do som em diversos instrumentos, ou seja, se eu souber exactamente como uma tuba se comporta a nível sonoro, que frequências são geradas (tessitura do instrumento), que direcção as ondas sonoras tomam, qual o nível de pressão sonora que é gerado, vou saber escolher com boa precisão o melhor microfone para captar essa tuba, bem como o seu posicionamento. Não existe, para mim, nenhum instrumento mais fácil ou mais difícil de captar, mas sim instrumentos mais complexos e trabalhosos de captar que outros: não é por só utilizar um microfone na voz que essa captação vai ser fácil. Apesar de ser mais simples e de provavelmente me consumir menos tempo do que captar uma bateria, não deixa de ser igualmente difícil e desafiante captar essa voz na perfeição. Para concluir, é importante referir que a escolha do microfone e do seu posicionamento, do pré-amplificador, do pop-filter, da sala, do conversor de áudio e até dos monitores vão funcionar como filtros que coloram e alteram o timbre da fonte sonora. Por estas razões é muito importante que a captação tenha o som mais próximo do real e do desejado possível. Já dizia o grande José Fortes: “a afirmação ‘depois resolve-se na mistura’ é muito perigosa”.

Dizer que as coisas se resolvem na mistura é quase como querer começar uma casa a partir do telhado, não concordas?

Concordo. Muito antes do processo da mistura e até mesmo da captação é preciso ter a certeza de que o tema a gravar está em condições, ou seja, é necessário garantir que os instrumentos escolhidos são os mais adequados para que não tenhamos surpresas desagradáveis na pós produção. Os BPMs, os acordes utilizados, assim como as suas inversões, devem estar coerentes e bem colocados na música, com o intuito de facilitar o processo da captação: é importante ter a certeza que, por exemplo, queremos gravar um contrabaixo e não um baixo eléctrico, pois não podemos fazer um cão soar a um gato. Apesar de hoje em dia termos acesso a ferramentas incríveis de pós-produção, a pré-produção, imediatamente antes de começar a gravar, é, para mim, um dos processos mais importantes quando abordo um tema. Não começamos a correr antes de aprender a andar, por este motivo é fundamental dar especial atenção aos processos iniciais da gravação e/ou produção de um tema musical.

Na tua opinião, os músicos e produtores já olham para as coisas de forma diferente? Já estão mais informados nesse campo?

Infelizmente, continuo a verificar que não se dá a devida importância aos processos técnicos aquando da gravação e/ou produção de um tema. É um facto que há cada vez mais produtores, MCs e técnicos de som informados, mas são poucos os que realmente têm rigor e competência no seu trabalho. Claro que nem tudo é mau havendo evidentemente uma subida de qualidade se compararmos a música de hoje em dia com a música de há dez anos atrás, até porque as ferramentas e os meios progrediram imenso. Mas a abordagem a este tipo de trabalho ainda pode e, na minha opinião, vai ser melhorada com o tempo. Sou diariamente contactado por artistas preocupados com a mistura e masterização das suas músicas, demonstrando que a qualidade dos seus projectos é uma prioridade, apesar destes muitas vezes terem sido gravados em estúdios caseiros. Este é um fenómeno positivo que vai certamente elevar a fasquia da qualidade musical no geral no nosso país. Resumindo: Há mais preocupação com a qualidade dos projectos no geral, assim como informação disponível, mas isso não é suficiente: no final do dia, o esforço, dedicação e vontade de querer fazer melhor ditam a boa qualidade.

Eu lembro-me que há uns bons anos atrás uma das maiores lacunas do hip hop residia na produção. Grande parte dos beats soavam bem em estúdio mas quando chegavam a um PA perdiam completamente a força desejada, chegando inclusive a atropelar a voz. Isso deve-se a quê? Sentes que as coisas estão melhor, ou seja, que os beats são tratados para o exercício ao vivo?

Sim, estão melhores e penso que ainda podem melhorar mais. Actualmente, quando gravo um MC, existe a preocupação deste me pedir as músicas em formato live, isto é: arranjadas para que possam ser passadas condignamente ao vivo. Sinto que a boa qualidade começa a ser prioridade e o trabalho dos produtores está a ser cada vez mais reconhecido e divulgado também por iniciativas como a vossa (Rimas e Batidas), que são fulcrais para a cultura. Há uns anos atrás, o hip hop não era mainstream como é agora, era até um estilo condenado pela maior parte da sociedade que o via como música de preto ou de bandido e era normal que os concertos não tivessem a mesma qualidade de hoje em dia. O hip hop em Portugal deixou de ser uma cultura seguida apenas por um nicho para ser seguido pelas massas, graças aos seus precursores, aqueles nomes incontornáveis como Black Company, Boss AC, Mind da Gap, Da Weasel, Valete, Sam The Kid, etc. Nos dias que correm, as novas gerações de produtores, MCs e DJs não só seguiram o legado deixado por nomes como estes que referi como o elevaram para algo maior e mais bem feito. Aliás, penso que esta situação era inevitável, pois a tendência é sempre melhorar quando os professores são tão bons.

Numa das respostas anteriores falavas de trap e da importância que um bom 808 e um bom baixo têm. Um beat trap parece ser mais fácil tratar a nível de espectro sonoro do que um boom bap. A nível de organização de agudos e graves o resultado parece ser bem diferente. Estarei certo no meu palpite?

Na verdade, estes processos de captação, mistura e masterização acabam sempre por nos dar algumas dores de cabeça em qualquer estilo musical, pois em todos eles existem sonoridades e pormenores difíceis de alcançar tecnicamente. Já gravei bastantes vezes reggae e uma das grandes dificuldades que tive foi conseguir atingir aquele som de guitarra “shaka” que quase soa a um reco-reco com notas. Hoje em dia já o sei fazer quase de olhos fechados, mas só devido ao facto de o ter feito várias vezes. São estes pormenores sonoros que conferem características específicas a cada estilo musical e uma identidade própria, sendo este, para mim, o motivo mais forte para ter de as estudar, pois acredito que antes de começar a inovar e a inventar é extremamente importante aprender o que já foi feito. No caso do trap é notório que uma das suas características principais é a equalização não só do baixo 808 como do resto dos sons da mítica caixa de ritmos da Roland, e para que tudo soe correctamente é necessário esculpir bem o som do 808, assim como o dos kicks, snares e synths, com o objectivo de podermos atingir resultados satisfatórios no processo de masterização: o trap tem que ter peso e power no master para tocar como deve ser num PA. No caso dos boom baps temos outro tipo de dores de cabeça, visto que geralmente utilizamos um sample para os fazer (não é obrigatório claro). Assim sendo, é necessário encaixar o som desse sample nos restantes instrumentos, e isto para mim é o mais difícil e ao mesmo tempo o mais importante, pois é necessário que todos os instrumentos soem coerentes com o timbre e o tipo de som do sample que escolhemos previamente. Qualquer estilo musical tem os seus desafios e as suas dificuldades, basta encará-lo com profissionalismo e procurar bons resultados, logo, não consigo escolher um estilo e dizer “este é mais difícil que aquele”.

Já trabalhaste em estilos muitos distintos tais como o rock, o punk, o hip hop e o reggae. Há assim algum género que tenhas curiosidade de levar para estúdio e explorar a fundo, como, por exemplo, jazz ou música clássica?

Na verdade, já gravei alguns projectos de jazz no meu estúdio. Recentemente, tive o privilégio de trabalhar no álbum a solo do grande contrabaixista André Rosinha, que acompanha artistas de topo como o Júlio Resende, o João Barradas ou o Salvador Sobral. Gosto de gravar jazz pelo facto de ser um estilo muito próprio, em que cada tema tocado vive muito da interacção entre cada músico, onde a improvisação é bem-vinda, muitas vezes sem metrónomo. É um estilo que vive muito dos sons e timbres reais de cada instrumento, onde a procura pelo acústico e o natural é constante, algo muito diferente da maior parte dos restantes géneros. Nunca gravei música clássica, adorava gravar uma orquestra num estúdio como o Namouche ou o Atlântico Blue, e é certamente algo que vou fazer na minha vida; esse é um desafio que não vou mesmo querer perder. Estou neste momento a produzir e a compor a sonoplastia e a banda sonora de um jogo de computador, e estou pela primeira vez a estudar composição clássica e a aprender a compor para orquestra, algo que há uns anos atrás era muito mais difícil – hoje em dia, com ferramentas como o Kontakt (sampler) é bem mais fácil emular uma orquestra recorrendo apenas a um computador. Talvez daqui a uns anos, no seguimento deste projeto, venha a gravar estas ou outras músicas em orquestra live. Música clássica seria um desafio incrível para mim, até porque iria aprender imenso.

 



Pessoalmente, olho para o álbum homónimo dos Metallica (também conhecido como The Black Album) como um dos melhores artefactos musicais a nível de captação, mistura e masterização. Da bateria às guitarras, tudo parece soar perfeito. Partilhas da mesma opinião?

O The Black Album é um exemplo crasso de overproduction, que, neste caso específico, resultou num dos melhores álbuns de trashmetal de sempre. Quando digo overproduction refiro-me ao facto da banda ter tido todas as condições e mais algumas dentro do estúdio para poder experimentar e exagerar à vontade, um exemplo disso é a forma como a bateria foi captada, na qual foram usados à volta de 50 microfones. A explicação para isto é simples: estávamos no início da década de 90 e tinham acabado de terminar os loucos anos 80, década marcada por exageros e experimentação na gravação em estúdio, tanto é que ficou conhecida pela sua sonoridade. Quem nunca ouviu a expressão “essa bateria soa a 80s”? Este facto, aliado ao poder financeiro da banda na altura e à sede que esta tinha de fazer o melhor álbum do mundo, resultou num dos melhores clássicos de trashmetal.

Que outros álbuns merecem, para ti, destaque a nível técnico?

O primeiro que merece destaque na verdade não é um álbum mas sim um single, e pertence aos The Winstons. Chama-se “Color Him Father” e tem no seu lado B um tema chamado “Amen Brother”, de onde foi retirado um dos breaks mais samplados de sempre, o “Amen Break”. O single em si está com uma qualidade muito boa para o ano em que foi gravado (1969) e é nos seis segundos de bateria a solo que surgem no lado B que foco o meu destaque. De seguida, escolho o Nevermind dos Nirvana, produzido por Butch Vig. Este é um álbum que, a meu ver, quebrou barreiras a nível de som. Gravado nos estúdios Sound City, beneficiou de uma das melhores salas de captação de bateria para rock que o nosso mundo já viu: para mim, tem dos melhores sons de sempre (curiosamente, saiu no mesmo ano que o The Black Album dos Metalica). Em 1967, sai o álbum homónimo dos The Doors, que, para mim, também é uma obra de arte musical, quer no som em si quer nas composições da banda, numa altura em que as condições de estúdio estavam longe de ser ideais. Dark Side of the Moon, dos Pink Floyd, editado em 1973, também merece estar aqui, pois reúne em si efeitos sonoros e sonoridades que para a altura eram bastante inovadores, servindo ainda hoje de influência a muitos artistas e produtores. O White Album, dos The Beatles, lançado em 1968, também merece destaque por ser uma das obras mais criativas e inovadoras da altura, com recurso a gravadores de 8 pistas. Por fim, Catch a Fire, de Bob Marley, tornado público em 1973, por ter sido o álbum que trouxe o reggae da Jamaica para o mainstream, contribuindo para que se tornasse num dos estilos mais acarinhados de sempre.

Qual a máquina mais valiosa (não só a nível de preço mas também de funcionalidade) que tens no teu estúdio e qual o papel que desempenha no teu dia-a-dia?

Se não fosse só para escolher uma máquina podia escrever umas quantas páginas sobre este assunto, pois, na realidade, tenho várias que desempenham papéis fulcrais quando estou no estúdio a gravar. Mas diria que a mais importante para mim é sem dúvida a minha mesa de mistura analógica Allen & Heath, de 40 canais, do final da década de 80. Adoro captar com hardware analógico, só na mistura é que passo para o digital e no master às vezes recorro a outboard analógico também. Também aproveito para destacar o meu compressor Urei 1176, que uso diariamente e quase sempre que gravo vozes: se o estilo for rap, é certinho que o vá usar. Este é um compressor de referência na indústria da música, todos os estúdios sérios têm pelo menos um. Tem um som fora de série.

A qualidade do equipamento é muito importante no trabalho de estúdio, mas, penso eu, não suplanta o treino auditivo. É normal que alguém que esteja nisto há pouco tempo ainda baralhe um pouco estas prioridades. Que conselho darias a um novato na área?

Já aconteceu várias vezes enviarem-me mensagens nas redes sociais nesse sentido. Tento sempre responder pois adoro partilhar conhecimento. Tenho alguns conselhos que considero importantes e que posso referir aqui. Uma das primeiras coisas a perceber e ter em conta quando se é um técnico de som e/ou produtor musical é conseguir ter a mente aberta a diversos estilos e estéticas musicais, de maneira a potenciar sempre o trabalho do artista e não o bloquear; como eu costumo dizer, só existem dois tipos de música: a boa e a má. A qualidade dos equipamentos é realmente importante e faz diferença, mas para quem está a começar, na minha opinião, isso não interessa quase nada. Qualquer mesa analógica de €100 serve perfeitamente para começar a aprender, desde que tenha as funções básicas necessárias para perceber todo o fluxo de sinal; qualquer microfone de €50 serve para começar a gravar tanto voz como instrumentos, e sei que a grande maioria das pessoas não faz ideia do que já se pode fazer apenas com um microfone, e ficariam surpreendidas se soubessem. Isto deve-se ao facto da teoria desempenhar um papel absolutamente fulcral nesta profissão: se alguém der um smartphone a um macaco não é por isso que ele vai saber navegar nas redes sociais e usar o GPS. Em suma: qualquer técnico de som e/ou produtor experiente consegue fazer bom som com más condições, mas não há ninguém que consiga fazer bom som sem experiência nenhuma, ainda que tenha as melhores condições do mundo. Para se vingar nesta profissão é preciso ter paciência, pois os resultados só começam a aparecer com o tempo, é preciso errar muito até começar a perceber verdadeiramente os conceitos do som e aí sim fica muito mais fácil tirar o maior proveito das máquinas e tomar as melhores decisões.

É tudo uma questão de atitude, na verdade….

Claro. O estúdio é, a meu ver, um local cujo ambiente já tende em ser um pouco pesado. Pode estar bem decorado, pode até ser bem agradável a nível visual, mas não deixa de ser um laboratório de som. É muito fácil frustrar no estúdio por não se estar a chegar a bons resultados ou por outra razão qualquer, e por este motivo é muito importante manter uma postura positiva, sorriso na cara e nunca dizer logo que não às sugestões. É importante manter sempre a mente aberta e só depois de se experimentar e de se ouvir é que se devem tomar decisões. Também defendo que qualquer pessoa que queira exercer esta profissão deve ouvir música, não só a que passa na rádio (apesar desta também ser importante estudar) mas também a música dos grandes artistas que ficaram na história, estudar as suas composições, produções e técnicas de gravação dos técnicos de som que os acompanhavam. Nunca devemos esquecer que, quando somos novos em algo e estamos a aprender, já antes de nós alguém fez o que estamos a aprender muito melhor que nós, e é sempre importante ir beber a esse conhecimento. Para se ser bom nesta profissão é preciso ter paciência, estudar e experimentar todos os dias e sobretudo não frustrar com os maus resultados porque eles são inevitáveis na caminhada evolutiva.

Musicalmente falando, o que te reserva o futuro próximo?

Ainda está muita coisa para vir, incluindo projectos fora do hip hop e mesmo da música. Em breve, há de sair um jogo de PC todo sonorizado por mim, da música aos efeitos sonoros. Os WiseBeats – banda que montei há uns tempos e que tem como objectivo acompanhar MCs –  também estão a cozinhar material. Uma coisa é certa no futuro: vou continuar a trabalhar com os artistas com quem tenho estado a trabalhar. Felizmente, as coisas têm-me corrido optimamente e tenho feito muitos amigos para além de música. Vão também poder contar com mais temas do Hipno D, do Gson, dos WBG e do Piruka, entre outros. Eu nunca hei de parar. Aconteça o que acontecer eu só tenho uma finalidade: fazer música. Nasci para isso, logo, se vocês sentirem seja pelo que for aquilo que eu sinto pela música, nunca desistam e vão à luta, porque ninguém vai fazer isso por vocês!

 


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