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Fotografia: João Duarte.
Publicado a: 19/10/2023

Memórias do passado e vislumbres do futuro.

Chão Maior no Festival Jazz ao Centro’23: como sonhar acordado

Fotografia: João Duarte.
Publicado a: 19/10/2023

E do palco se fez plateia para acolher nos 21 Encontros Internacionais de Jazz de Coimbra, do Festival Jazz ao Centro, em pleno Teatro Académico de Gil Vicente, o ensemble Chão Maior, que conta com Yaw Tembe (composição, trompete, EWI-electronic wind instrument), João Almeida (trompete, electrónicas), Leonor Arnaut (voz, electrónicas), Norberto Lobo (guitarra eléctrica, electrónicas) e Ricardo Martins (bateria, electrónicas).

A geometria de palco surge numa quadratura de círculos, com os músicos ao centro emoldurados pelo público presente. Nisto cabe-nos a escolha de lugar, e com isso ficar irremediavelmente sentado com músicos de costas, outros de frente e o restante de lado. São os paradigmas de um quadrado desenhado com cinco músicos, a fazer pensar um outro desafio: o de como desenhar um quadrado com três riscos. Chão Maior deu a conhecer-se, em 2021, com Drawing Circles, desenvolvido em torno da circulação territorial, entre passos e círculos. Daí esta geometria figurativa para enquadrar uma música que se desenha de forma não linear. Em 2024 haverá nova edição com Snakes and Thunder. A ligar os dois momentos, o presente, numa ponte que se depara com duas margens desiguais. Os mesmos elementos, mas em processos que assentam num ponto de equilíbrio algures entre o sonho lindo de estar acordado e um balanço em ziguezague de olhos fechados.

Vimo-los em 2021, no festival de Curtas em Vila do Conde num delicioso filme-concerto com as imagens de Igor Dimitri, numa exploração de imagens entre grãos, riscos e sujidades servidas em generosas doses de música elíptica. Desta feita, as imagens foram as que a imaginação de cada ouvinte projectou dentro de si. Os uníssonos de vozes continuam a ser o chão de base deste movimento, quer sejam as sopradas dos trompetes de Yaw e João, ou entre estes e a voz de Leonor. Nas cadencias e solavancos do baterismo de Ricardo urdem-se as teias que as cordas de Norberto entrelaça com a mestria doce que lhe reconhecemos bem ao longe. Apresentam-nos em primeiras mãos, as suas, a música que há-de perpetuar-se no novo disco. Que privilégio poder estar ali.

O concerto arranca num “Cima”, tema novo. Ponto de observação: do sítio escolhido, mesmo atrás das trompetes, é como sentir a brisa. Por onde andarás jaimie “breezy”? É um vento prazeroso a soprar e a cativar em redor, convocando os outros elementos à cena, num balanço comedido que tacteia para ver os limites, para depois se ocuparem esses espaços à medida. Gostava de ter escolhido outro lugar ou então ter saltado de cadeira em cadeira, queria ver de frente o misterioso EWI, manipulado pelo Yaw. Resta-me ouvir e já é tanto… Agora há mais vento, a brisa intensificou-se, mas pés no chão, apenas a cabeça a subir, a subir. Da bateria alva e do seu bombo imponente saem confortáveis trovões, daqueles que nos sossegam num “ainda está lá, longe.”

Os temas sucedem-se e ninguém ousa romper os breves intervalos com as convencionais palmas, que embalo bom. Ao quinto tema o clique cerebral de música já ouvida. “Passo 2” do disco de estreia, que só perde por ainda faltar uma edição em grande formato. Talvez o sucessor veja logo à nascença isso resolvido. Isto é um pedido de ousadia editorial! Surge no meio “Baloiço”, outros dos novos temas apresentados, que nos levou até ao segundo “já ouvi isto antes” da noite, com “Círculo 2″. A revisitação ao primeiro álbum seguiu-se com “Passo 1”.

É notória a mudança entre as peças dos dois registos de estúdio. No anterior as melodias ganhavam pelos ímpetos dos uníssonos dos quais fugiam linhas numa propensa acção de desvios, mas em que a toada era de movimentos circulares em espirais. Agora a música ouve-se mais discutida e planar, pautada por um espaço onírico neste novo chão agrimensurado. Há serpenteados, muito à custa das vozes, assumidas como matriz identitária, mas há uma maior dimensão muito potenciada pela inquietude das baquetas e exploração expansiva dos mecanismos de electrónica. Para as despedidas ficou “Song 2”, sem saber o que de provisório terá esta denominação, soubemos sim que nos envolveu sobremaneira, numa sábia forma de sair de um sonho com os pés bem assentes no chão.

E assim, sob o urdimento das varas, telas e luzes de tecto se fez um chão mais grande que um palco, um Chão Maior.


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