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Fotografia: Direitos Reservados
Publicado a: 12/04/2022

A vida em análise (musical).

Celine Arnauld: “A ideia de passado e de presente é o que dá forma ao Narrative

Fotografia: Direitos Reservados
Publicado a: 12/04/2022

Zabra. Parece ironia nome começado por Z. Terá sido alvo de perseguições?! Zabra, pelo que indagámos, remete para um pequeno galeão que efectuava o transporte de bens entre a costa portuguesa e espanhola, na Idade Média. Uns quantos séculos mais tarde, e com coordenadas entre Lamego e Lisboa, ZABRA é nome de editora. Merece todo o destaque. Pela exploração de uma ideia de um corpo unificado entre performance – música – e idealização do espaço cénico e como tal a construção/reconstrução do espaço interior. Desta vez, achamos por bem, ou simplesmente veneração, entrevistar Celine Arnauld, músico radicado em Sevilha e que editou recentemente Narrative, pelo selo lisboeta.



Curioso que o teu novo trabalho se chame Narrative. Assistimos ao uso quase indiscriminado desta expressão. Ora numa perspectiva mais pessoal, a necessidade que tudo seja autobiográfico ou, pelo contrário, a narrativa governamental, por exemplo. O que é para ti uma narrativa e o que deve trazer?

O álbum foi escrito durante a pandemia, num momento complicado da minha vida, com mudanças importantes a nível pessoal, o conceito de narrativa aplicado ao disco é uma análise estrutural da minha vida e das minhas influências, tento descrever momentos que se sucedem ao longo de uma vida. A narrativa deve permitir que interpretemos e compreendamos de maneira crítica a realidade.

Paul Ricœur e os seus postulados assumem uma influência grande no teu trabalho. O que te fascina na sua obra e como os incorporaste no disco? 

O álbum adquire o conceito da identidade narrativa de Paul Ricœur, que nos diz que não nos podemos conhecer a nós mesmos se não formos narrando a história de uma vida, e o importante no disco é contar a nossa vida do princípio ao fim.

Não é fácil trabalhar uma obra, seja ela filosófica, literária, cinematográfica ou outra e fazer um disco sem se transformar numa homenagem ou num “objecto” que nem é música, nem coisa nenhuma. Que processo seguiste para conhecer melhor a obra do autor e transformá-la num disco?

Realmente o disco não é uma homenagem ao autor. Compreender as suas ideias foi algo natural, eu conhecia o Paul Ricœur, mas no momento da elaboração do disco li sobre a identidade narrativa, o que encaixava perfeitamente com a ideia que queria contar no disco.

No texto de apresentação de Narrative fala-se sobre a ideia de uma realidade feita de um movimento contínuo entre passado e presente. Ideia muito trabalhada nos dias de hoje. Que espaço ocupam na estruturação do teu trabalho as memórias? São trabalhadas como “material vivo”? 

A ideia de passado e de presente é o que dá forma ao álbum. Sem esta ideia o disco jamais teria sido possível. À medida que ia trabalhando no disco, as minhas memórias e as minhas recordações iam dando forma, de uma maneira ou de outra, à música. A forma de fazer o disco e as técnicas utilizadas também têm um peso importante entre o passado e o presente. 

É importante não esquecer quem és e não esquecer as experiências vividas ao longo da tua vida, graças a elas pude fazer este disco.

Musicalmente pode-se considerar Narrative como um álbum conceptual? Ou é de todo absurdo? Porquê esta tendência para se trabalhar os discos como uma grande narrativa?

Posso até entender que se veja o álbum como conceptual para mim, mas não para as pessoas que o vão ouvir. Não é essa a minha ideia. Eu conto uma história que é pessoal e cada um pode interpretá-la como entender. Considero que o facto de se fazer um LP é muito importante, que a música te conte algo que não deve coincidir com o que conta o artista, mas sim a vontade em despertar algo no interior de cada ouvinte.

Musicalmente há uma certa ideia de circularidade e repetição. São conceitos que gostas de trabalhar? De que forma alteraste a forma de os trabalhar ao longo destes anos?

Sim, são conceitos-chave na música electrónica e com os quais gosto de trabalhar. No disco trabalho o mesmo som de diferentes maneiras mediante o método de “síntese granular” que é algo que predomina em todo o disco. Neste método os conceitos de repetição e circularidade são realmente importantes.

Alterei a minha forma de trabalhar à medida que fui conhecendo mais sobre “síntese granular”, por exemplo, a ideia de trabalhar o mesmo som, mas com distintas técnicas, é o que realmente me interessa e me traz uma maneira de ver diferente no momento de compor.

O que conheces da Zabra? Quais os pontos de ligação que vês entre a Zabra e o que tu fazes?

Conheci a editora no ano de 2020, com o disco de Yogev Freikichman, que é um produtor de que gosto muito. Mais tarde, editaram discos muito interessantes como o EP de Aires, o LP de Cares (um dos meus favoritos do ano de 2021) e os discos de Carincur e MA’AM.

Musicalmente é uma editora que encaixa com a minha música e uma editora que traz uma visão de futuro. A ligação musical entre a Zabra e a minha música é total, e sobretudo a grande comunicação com o João [Pedro Fonseca], que foi extraordinária. É uma pessoa maravilhosa.

Vives em Sevilha, cidade não muito distante de Lisboa. Porque conhecemos tão pouco da música que se faz em Espanha, salvo raras excepções e os espanhóis tão pouco da música portuguesa?

Sim, vivo em Sevilha, uma cidade que demonstra muito pouco interesse pela música experimental. Em Espanha, à excepção de cidades como Madrid ou Barcelona, o interesse pela música experimental é residual. É verdade que há coisas muito interessantes e grandes artistas, mas muito pouco se compararmos com países como Itália, Reino Unido ou França. 

Penso que tanto os músicos espanhóis como os portugueses saem muito pouco dos seus países e movem-se muito dentro do “circuito nacional”.


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