pub

Publicado a: 25/02/2017

Cashmere Cat e Mura Masa: os dois lados da pop em 2017

Publicado a: 25/02/2017

[TEXTO] Amorim Abiassi Ferreira [FOTO] Direitos Reservados

A Internet eliminou barreiras geográficas e se tentasse listar aqui a quantidade de artistas e produtores que lhe devem o seu sucesso, acabaria com uma enciclopédia de vários fascículos. Focando-me na actualidade e mais especificamente no mundo da pop, é interessante colocar Cashmere Cat e Mura Masa lado a lado. Eles são duas forças, relativamente recentes, que têm conquistado cada vez mais peso no panorama musical, ambos com álbuns prestes a sair em 2017. Mesmo sendo o primeiro da Noruega e o segundo de uma ilha abaixo da Inglaterra, os artistas têm origens relativamente parecidas. Contudo, ao olhar para a abordagem de cada um na criação de música, vemos um quadro mais completo de como alguém pode arrancar numa plataforma como o SoundCloud e tornar-se numa influência pop.

Para começar, os mais velhos: Cashmere Cat chama-se na verdade Manus August Høiberg, tem 29 anos e cresceu em Halden, uma cidade com 29 mil pessoas a três horas de distância da capital da Noruega, Oslo. Começou a sua carreira musical como DJ e chegou a ser finalista de uma edição da DMC World DJ Championship. Ao ter descoberto que o lado criativo da produção o interessava mais do que o técnico, decidiu começar a produzir. Os seus primeiros textos promocionais mantinham-no sob anonimato descrevendo-o apenas como um gato da floresta Norueguesa.

Num sítio menos exótico, mas igualmente incomum encontramos o talento precoce: Mura Masa é Alex Crossnan. O músico tem apenas 20 anos e cresceu em Guernsey, uma ilha situada entre Inglaterra e França, no Canal da Mancha. Cresceu a tocar guitarra e baixo em bandas de garage rock e punk. Um dia, descobriu as produções de Hudson Mohawke e James Blake, o que lhe abriu um mundo de possibilidades a atingir através da electrónica. O seu nome artístico é inspirado no lendário ferreiro japonês Muramasa Sengo, conhecido pela sua habilidade e um mau-feitio que roçava na loucura.

 



Em 2012, Cashmere Cat lançou Mirror Maru, EP que foi reconhecido por Diplo, Hudson Mohawke e, muito importante, pela pessoa que iria acelerar o seu crescimento na indústria – Benny Blanco. Benny é conhecido por produzir muitos dos hits contemporâneos que figuram nos tops e Cashmere Cat ficou no seu quarto de hóspedes durante um ano e meio. Desde então, Wedding Bells EP – editado em 2014 – firmou o seu cunho hiper melódico e tem sido imparável a amealhar produções para um invejável conjunto de artistas: Kanye West, Ludacris, Ariana Grande, Tinashe, entre muitos, muitos outros. A sua mais recente proeza foi uma nomeação para Grammy de r&b pela produção da faixa “LUV” de Tory Lanez.

No mesmo ano em que Wedding Bells EP foi lançado, Mura Masa revelou o seu Soundtrack to a Death, a estreia em formato longa-duração que recebeu um enorme reconhecimento online e foi considerado álbum da semana pela BBC Radio 1. Este feito abriria portas e o produtor de Guernsey tirou proveito do balanço para criar o segundo disco, Someday Somewhere, chamando então para colaborações artistas como NAO, Jay Prince. Mais recentemente, lançou “Love$ick”, canção para que convidou nada mais nada menos que A$AP Rocky. Com o último lançamento, Mura Masa conseguiu cimentar espaço na rádio e aos olhos do grande público, impondo uma sonoridade em que se sentem influências asiáticas e tropicais.

 



À primeira vista é fácil traçar vários paralelos na história de ambos, mesmo tendo em consideração a diferença de idades e o facto de Cashmere Cat ter um considerável avanço em termos de inserção no pólo mediático face a Mura Masa. Ambos cresceram em locais isolados mas, graças à Internet, conseguiram fazer com que a sua música fosse ouvida pelo mundo. Neste momento, nenhum deles ainda vive na cidade de origem: Mura Masa reside em Londres e Cashmere Cat mudou-se para Manhattan em 2013, mas, pela sua natureza reservada face a entrevistas, é difícil confirmar se ainda é aí que reside.

E aí começam as diferenças. Mura Masa sempre deu a cara, sendo isso parte crucial da sua música e da forma como afirma a identidade dos seus projectos. Por exemplo, ele não inicia um álbum enquanto não tiver a imagem de capa resolvida — o todo da obra é o mais importante. Pelo seu historial de tocar em bandas, as suas actuações são marcadas pela utilização máxima de instrumentos e companhia em palco. O produtor tem como objectivo tocar o mundo da pop e electrónica através da sua identidade singular tal como a concebeu e pretende manter-se fiel ao som íntimo que o trouxe até aqui. Claro que para isso colaborações continuam a ser essenciais, trazendo influências e combinando-as para criar música que possa levar o trabalho para outro patamar.

Já Cashmere Cat, começou pelo anonimato, usando selfies de amigas para se representar. Ainda hoje há quem ache, pelo nome e imagens de SoundCloud, que o artista é uma rapariga. E essa confusão manipulada serve perfeitamente ao produtor que assumiu um som que passa os limites habituais do romântico. Ele pode ter vindo da Internet mas, ao ter dado o salto para dentro da indústria musical, começou a trilhar o caminho mais convencional de um produtor, produzindo para um enorme número de artistas. Em entrevista à FACT, ele admite que este é o seu critério: “Eu trabalho com qualquer um desde que seja para uma música fofa. Não estou, de todo, a tentar fechar-me na minha música.”

 



Vivemos uma altura sem precedentes no que toca à visibilidade que os produtores têm aos olhos do público. Essa conquista deve-se em muito à capacidade de se auto-catapultarem através da Internet para os ouvidos do mundo. Estes dois produtores acumularam bastantes fãs antes de terem dado os primeiros passos na indústria e isso, em última análise, significa ter sempre mais poder, podendo negociar com o queijo e a faca na mão. Olhando para os dois, podemos perceber duas abordagens diferentes na moldagem do mundo pop. Cashmere Cat optou pela rota mais convencional, enquanto Mura Masa preferiu um caminho alternativo.

O produtor norueguês não se prende à sua identidade e procura criar impacto pelo seu trabalho com artistas que já existem no panorama enquanto, raras vezes, assina músicas em seu nome. Pode-se considerar que ele procura deixar o seu cunho de dentro para fora, trabalhando nos bastidores para espalhar a sua identidade através de imensos artistas. O produtor britânico acredita no poder do bedroom music, que, de certa forma, se opõe directamente ao que a indústria musical nos serve com regularidade. Para isso, ele age de fora para dentro, criando a sua obra para que ela conquiste cada vez mais reconhecimento crítico e público. E, apesar do que difere em cada um destes artistas, há algo que ambos compreendem bem: o arranque pode ser feito sozinho, mas se o objectivo é atingir as massas e influenciar a cultura, o crescimento e sucesso de um produtor depende crucialmente da sua flexibilidade em trabalhar com outros.

 


pub

Últimos da categoria: Ensaios

RBTV

Últimos artigos