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Publicado a: 02/05/2016

Carlão: “Andar de transportes de um lado para o outro permite-me ganhar pulso à cidade e às pessoas”

Publicado a: 02/05/2016

[TEXTO] Bruno Martins [FOTOS] João “Lagarto” [IMAGEM] Jorge Vitorino [EDIÇÃO] Ricardo Baptista


Fomos até Almada conhecer a nova casa de trabalho de Carlão. É um feliz regresso às origens: recebe-nos sorridente, ao sol, antes de ir a casa dos pais almoçar – no prédio mesmo em frente – uma cachupa. Está como quer, o MC. O novo espaço de trabalho funciona como escritório: todos os dias, depois de deixar as filhas na escola, Carlão apanha o autocarro que o faz atravessar a ponte até à terra onde cresceu. Foi à procura de um novo foco de criação. Para já é difícil de perceber o que aí vem, mas o conforto que encontra na sua cidade nunca pode ser mau para o artista. Se bem que as cachupas ao almoço podem dar vontade de mandar um cochilo a seguir ao almoço… Mas Carlão nada teme: “Mudei-me para aqui há pouco tempo, ainda não tenho Internet e estou a ressacar já um bocado, mas a verdade é que já liguei o synth e comecei a fazer cenas!”

Há cerca de um mês, por alturas do primeiro aniversário da edição do seu último disco, Quarenta, o rapper editou um EP com quatro temas novos. Na Batalha é uma edição digital – para já – que marca o reencontro com Branko na produção (a meias com Dotorado) depois do êxito “Os Tais”, com King Kong e Here’s Johnny e aainda a estreia de Moullinex como parceiro nos beats. Carlão já vê o Verão a mexer e espera muitos concertos para levar Na Batalha estrada fora. Mas também sente o agitar das ondas da criatividade: no dia 13 de Abril mostrou um tema feito a meias com Boss AC para o genérico de um programa da SIC. Confessa-nos também que já ligou para uma pessoa com quem quer colaborar “há muito tempo”. Quanto a 5-30? “Não falámos sobre voltar a fazer música nova nem concertos, mas nunca se sabe!”

Carlão não pára. E a vida segue Na Batalha. 

 

Estás no novo estúdio, aqui em Almada, há cerca de um mês. A sala que tinhas no já não era suficiente?

Tem que ver com fases, suponho. Antes de ir para o Iá – a que eu chamo 5-30 – estive aqui em Cacilhas numa garagem durante uns dois anos. Quando mudei de casa, para Lisboa, arranjei o Iá, que era perto. Pareceu-me óbvio que tinha de ir para ali. Foram dois anos muito fixes, onde aconteceram coisas muito porreiras e onde está uma malta muito fixe. Na altura precisava de estar com pessoal ao meu lado: estive dois anos aqui fechado deste lado e muitas vezes é complicado. Quando se trabalha sozinho não se consegue ter feedbacks no momento e fazia-me falta esse convívio e estar a absorver coisas novas. Evoluímos sempre muito quando estamos a trabalhar com outras pessoas. Por outro lado, chegou a um ponto em que aquilo estava mega busy, tinha muita gente, e senti necessidade de voltar a estar num sítio mais sozinho. Era para ir para outra sala em Lisboa, mas vim aqui a Almada e vi esta sala vazia que é mesmo em frente à casa dos meus velhotes – é na rua onde cresci e onde está malta amiga minha. O estúdio do João Martins [amigo e produtor de Da Weasel] era, até há pouco tempo, aqui a duas portas e agora é um bocado mais acima. Mas pronto, estou cá.

É o teu regresso à praceta onde cresceste – à tua Almada Crew. Juntar o trabalho às raízes também pode ser um marco importante na tua criação?

Acho que sim, mesmo que não seja muito consciente, o entranhar das raízes acaba por marcar sempre. Até na altura dos Da Weasel, em que estava a tocar bué e com uma vida super-louca de um lado para o outro, vinha sempre aqui levar umas “chapadas” do pessoal para estar com os pés na terra. É fácil deslumbrares-te no meio da música quando ganhas uma certa visibilidade. Nessas alturas em que podia pensar que era algo mais do que aquilo que sou, fazia questão de vir aqui ao café – o pessoal mete-me logo na ordem.

Mas ainda hoje, com 20 e muitos anos de carreira, ainda vens de Lisboa para Cacilhas de autocarro, juntamente com as pessoas que andam, todos os dias, “Na Batalha”, como escreveste no teu último EP.

Acaba por ser porreiro para mim porque sou meio bicho-do-mato. Se viesse de carro, por exemplo, era só mais um sítio onde estava sozinho. A cena do dia-a-dia, de andar de transportes de um lado para o outro, permite-me sentir o pulso à cidade, às pessoas, à sociedade que nos rodeia. Hoje é cada vez mais fácil desligares-te dos outros: sou um gajo que se refunde muito. Acho que se não tivesse a cena dos transportes públicos ou andar a pé, seria um bicho eremita.

Sentes os teus colegas de viagens de autocarro a olhar para ti?

Saio de casa sempre de phones. Não há hipótese. Por outro lado, é muito mais fácil ser abordado à noite porque as pessoas estão muito mais descontraídas – ou mamadas (risos) – e torna-se um ambiente mais propício a isso. Quem me vê no metro ou no autocarro não fica a pensar em ir-me pedir autógrafos porque vêem-me como mais um gajo normal a ir para o trabalho – o que é verdade!

Teres o teu próprio local de trabalho também é reflexo de quereres ter cada vez mais a mão na massa e começares tu a trabalhar as ideias criativas da tua música e não só a escrita?

Sim, mas isso começou por acontecer quando ainda estava na tal garagem de Cacilhas. Acentuou-se nos estúdios Iá e espero que se mantenha igual, pelo menos. É daquelas coisas que vou percebendo com a idade: tinha a ideia muito romântica de que a música e a escrita são inspirações e feelings do momento. Isso existe e é tudo muito bonito, mas tem que se trabalhar! E a partir do momento em que tens um espaço em que te obrigas a trabalhar, vê-se a evolução. Não há hipótese: tenho trabalhado muito mais, tenho feito muito mais coisas desde que arranjei o meu espaço.

Quer dizer que a vida de escritório também existe na música?

Um bocado. Podia fazer as coisas em casa – mesmo que não tivesse filhas! Mas agora é impossível porque tenho as miúdas. É uma barulheira grande (risos) e mesmo que esteja refundido num canto qualquer, não é a mesma cena. Mas mesmo que não tivesse filhos, é “A Casa”. Não sais do teu espaço – e acho que tens mesmo que sair do sítio onde dormes. Tens que ir para um sítio para bulir. Mudei-me para aqui há pouco tempo, ainda não tenho internet e estou a ressacar já um bocado, mas a verdade é que já liguei o synth e já comecei a fazer cenas! Estás num sítio para trabalhar, é para trabalhar!


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“Hoje é cada vez mais fácil de te desligares dos outros: sou um gajo que se refunde muito. Acho que se não tivesse a cena dos transportes públicos ou andar a pé, seria um bicho ermita.”


O teu último EP, Na Batalha, ainda não foi gravado aqui em Almada.  Mas conta-nos lá como e porque é que decidiste fazer mais uma edição um ano depois de Quarenta.

O ano passado correu-nos muito bem e este ano já estamos a marcar mais algumas. Mas queria ter, pelo menos, um tema novo. E se achava que um álbum era demais – precisamente porque o Quarenta fez agora um ano! – essa ideia de lançar só um tema fez sentido. Mas como apareceram mais dois, pensei: “Por que não fazer um EP?” Permite-me ter um concerto diferente, não só com músicas ao vivo, mas também a própria estrutura de palco, a cena cénica também. Assim, quem foi ver o concerto no ano passado, este ano vai ver coisas diferentes. Depois, este trabalho puxa também mais vídeos e tudo o que está associado.

Mantém- te activo.

E sem ter a pressão de um álbum. Mas isso também é uma falsa questão, porque as pessoas, feliz ou infelizmente, já não digerem os discos como digeriam antes. Se calhar é mais fácil agarrar a atenção das pessoas com temas que vão saindo. Há tanta coisa a sair ao mesmo tempo que é difícil ouvir um disco do início ao fim. Assim ouvem uma ou duas malhas e depois, no dia a seguir, já querem ir ouvir o que saiu de novo.

Creio que tens convivido muito bem com as alterações na indústria discográfica. Além dos discos e edições digitais, percebes a importância de estares activo e fazeres notar-te, por exemplo, nas redes sociais, no contacto com os fãs, em vídeos ou teasers

Tento estar de acordo com o que se passa e não fazer fricção com coisas que sei que não vão resultar. Acho que nunca vou deixar de fazer álbuns, mas quero fazer as coisas de acordo com o sítio em que estamos.

O Na Batalha ainda não tem edição física?

Por enquanto é digital. Queria fazer o Quarenta em vinil, mas a fábrica onde ia fazer os discos está completamente açambarcada por encomendas dos EUA. Se calhar talvez faça uma coisa mais para a frente: o Vhils, que fez a capa, também queria ter a capa num disco de vinil, com outro detalhe e em grande. Talvez faça o Quarenta + 1, com o disco e este EP juntos num só. Dá para fazer as coisas à mesma, mas um gajo tem que acompanhar os tempos. Há muita coisa que mudou, é certo, mas eu também tento não ver só o lado mau das coisas. É óbvio que a rapaziada já não vai para casa com um vinil, pôr a tocar e fazer aquele ritual de ver os créditos, as letras… Mas também não é nada fixe quando queres ouvir uma coisa teres que esperar dois meses pela encomenda (risos)! Há coisas fixes e outras menos fixes, mas um gajo tem é de estar de acordo com aquilo que vai vivendo.


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“É muito fixe trabalhar com vários produtores para criar camadas diferentes. Acaba por levar a música mais longe e o que eu quero é surpreender-me a mim e às pessoas.”


 

Neste EP trabalhaste com o Branko, Dotorado, King Kong, Moullinex. No Quarenta tiveste ainda o Fred Ferreira e o DJ Glue a produzir… Sentes que estás a criar um núcleo interessante de produtores com quem gostas de trabalhar de forma mais fixa?

O Branko, e nunca tinha pensado nisso, mas já é a segunda vez que fazemos um single que marca muito. E há pessoas que me dizem: “Estás já aí com uma cena tua! Parece que tens aqui algo teu!” É isso é fixe, ainda que este [tema “Na Batalha] seja um trabalho de dois, feito a meias com o Dotorado – que tem 17 anos! Ninguém tem! (Risos) O Branko tem uma postura fixe em relação a estas coisas: na produção pode dizer-se que já é um veterano, mas está a fazer coisas com um puto de 17 anos porque percebe que há ali coisas que ele já não vai buscar! Fazer um disco só como Carlão permite que eu possa rodear-me, mais facilmente, de malta que está a fazer coisas novas. Não só por uma tentativa de agarrar as coisas, mas porque faz sentido e sabe bem. Acho que já há pessoas com quem vou fazer música, pelo menos nos próximos tempos: o Here’s Johnny – que tem feito a mistura e masterização, mas também já me fez dois temas! Depois vi que o Moullinex é um gajo trabalhador, que leva a cena a sério – está na Batalha! Perguntei-lhe se tinha algum tema dançável, mas um pouco mais downtempo do que aquilo que fazia habitualmente e quando ouvi o que me mandou pensei logo num tema de sexo. As coisas aconteceram rapidamente e curto quando as coisas são assim: mandam-me um tema à tarde e à noite já devolvo com uma rima. Quando acontecem assim, é natural que as parcerias se repitam.

Olhamos para os EUA e vês que é essa a tendência: vários produtores a trabalhar com rappers.

É uma dor de cabeça ver os créditos desses discos. É um caminho muito possível: a minha cultura é outra porque sempre tive a lógica de banda. É natural que as bandas não misturem produtores, mas, seja hip hop ou não, se for só uma pessoa é muito fixe trabalhar com vários produtores para criar camadas diferentes. Acaba por levar a música mais longe e o que eu quero é surpreender-me a mim e às pessoas. A minha cena já é bué monocórdica, portanto se puder dar camadas e cores diferentes, melhor.

Uma mudança de “escritório” também motiva a criação de coisas novas? Vamos ter mais EPs, faixas soltas, mais um disco?

Inevitavelmente vai acontecer qualquer coisa. Ainda ontem estava aí e liguei para uma pessoa que com quero colaborar há muito tempo, e ela também estava nessa, portanto vai acontecer. Só se tiver muitos concertos é que já não é a mesma coisa… tenho 40 “ampolas”! Se me estico a seguir a um concerto estou uns quatro dias em recuperação (risos)… ainda mais com duas crianças em casa, uma delas bebé! Mas sim, há-de haver aí qualquer coisa a sair.


 

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