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Fotografia: Direitos Reservados
Publicado a: 09/03/2022

Citar o passado com os pés bem assentes no presente.

Calibro 35: “Senhor Tarantino, estamos prontos!”

Fotografia: Direitos Reservados
Publicado a: 09/03/2022

A Record Kicks está a reeditar um tríptico de meados da carreira dos Calibro 35 – os álbuns Traditori di Tutti, S.P.A.C.E. e Decade que cobrem o intenso período criativo da banda italiana vivido entre 2013-18. Mas o presente não se afigura menos agitado já que o grupo acaba de lançar a banda sonora da série televisiva de sucesso Blanca – sobre uma investigadora policial que é cega –, prepara-se para regressar à estrada e ainda espera lançar mais um “novo projecto” antes do final do ano. Na verdade, nada mudou para o quinteto de Tommaso Coliva (com quem o Rimas e Batidas conversou), Enrico Gabrielli, Fabio Rondanini, Luca Cavina e Massimo Martelotta que desde 2008 acumulou uma considerável discografia entre álbuns de originais, homenagens, bandas sonoras imaginárias e reais e trabalhos ao vivo a que há ainda que adicionar vários projectos de menor fôlego espalhados por EPs e singles. Uma agenda carregada de um grupo que está pronto para todo o serviço. Mesmo que seja em Hollywood!



Posso começar por vos pedir um breve enquadramento de cada um dos álbuns que se preparam agora para reeditar? O primeiro neste programa de relançamentos é Traditori di Tutti que já data de 2013. À época já contavam cinco anos de experiências. O que é que andavam a fazer na altura? Esse álbum tem algumas peças bem rock…

Começámos como um projecto de estúdio em 2007, achando que iríamos apenas fazer aquele disco, mas depois de gravarmos o álbum, um amigo pediu-nos para tocar num concerto no Luxemburgo e pensámos… “Porque não?”. 15 anos mais tarde ainda estamos vivos e a dar pontapés!!! Os primeiros anos foram como andar numa grande montanha-russa ao percebermos que podíamos tocar em qualquer lugar e havia pessoas interessadas no que fazíamos em todo o mundo: já tínhamos estado nos EUA duas (ou três vezes talvez…) e em toda a Europa. Antes do Traditori ligámo-nos às pessoas bonitas da Record Kicks, outra entidade italiana que olhava principalmente — se não completamente — para os mercados estrangeiros, e, claro, apaixonámo-nos!

Em termos musicais, decidimos abandonar a nossa ideia anterior de um álbum de “sabores mistos” e decidimos embarcar em território conceptual realizando uma banda sonora imaginária para um filme que não existia com base num clássico italiano noir Traditori di Tutti de Giorgio Scerbanenco. Cada canção é, portanto, inspirada por uma cena, uma personagem ou um lugar mencionado dentro do livro.

E depois há S.P.A.C.E: devo dizer que o ângulo da ficção científica é um dos meus favoritos na música. Normalmente permite algumas experiências mais ousadas e vocês certamente não voltaram a cara a essa possibilidade, certo?

Concordo inteiramente: o S.P.A.C.E também é o meu álbum favorito (ainda que goste muito deles todos, claro!). 

Gostámos do conceito de banda sonora imaginária que começámos com o Traditori e decidimos replicar a ideia, mas desta vez olhando para um género cinematográfico que basicamente não existia em Itália na época que mais nos inspira: a ficção científica. Por isso, para nós foi algo como: “a que soaria uma banda sonora de um filme de ficção científica italiano em 1966?”. Isto levou-nos a muitas experiências dentro dos limites estritos da gravação de oito faixas analógicas que nos auto impusemos. Devo dizer que nos divertimos imenso.

Esse álbum S.P.A.C.E. foi de facto especial e isso até vos levou a editarem uma versão ao vivo do disco no ano seguinte: o vosso material muda muito quando sai do estúdio e sobe ao palco?

Geralmente não mudamos muito os arranjos, mas adaptamos as versões de estúdio para as apresentações ao vivo. As estruturas são mais longas e flexíveis e para a digressão do S.P.A.C.E. tivemos também connosco uma secção de metais.



Finalmente, nestas reedições, há Decade, trabalho de 2018 com que assinalaram a vossa primeira década de carreira: aquilo que começou como um exercício de homenagem simples transformou-se em algo mais sério, não foi?

Chegar aos 10 anos de idade obrigou-nos a admitir que o projecto era real e já não era uma brincadeira. Por outro lado, não podíamos fazer um “Greatest Hits” uma vez que nunca tivemos (e nunca teremos) nenhum sucesso, por isso decidimos resumir todas as aventuras musicais que fizemos durante a década anterior: orquestrar canções para um ensemble dilatado de 12 elementos. Tudo foi tocado ao vivo em estúdio, sem overdubs ou edições posteriores. 12 canções em 4 dias.

Para o álbum Decade o vosso som voltou a mudar: o tema de abertura coloca-vos num lugar que parece existir algures entre Lagos e Adis Abeba. Essa influência africana também é muito transversal ao vosso som, não é?

Decidimos fazer um disco baseado na música que ouvimos mais durante os anos anteriores e a música africana — e derivados – eram já uma enorme influência. Os primeiros exemplos dessa influência aconteceram antes – “Bushwick Nigeria” em Dalla Bovisa a Brooklyn EP ou “Ungwana Bay” em S.P.A.C.E. – mas esta foi a primeira vez que foi tão evidente ao longo de um álbum.

Estávamos a falar na influência da música africana, que é algo que se liga bastante com as vossas óbvias paixões pelo jazz, funk, bandas sonoras, música electrónica, library music, rock psicadélico, etc. As vossas colecções de discos devem ser incríveis. O vosso som nasce de uma investigação do passado que foi impresso em discos de vinil? Ou são mais aptamente descritos como viajantes do tempo digitais sempre perdidos nos labirintos do YouTube?

Penso que isso resulta principalmente de dois factores: por um lado, começámos como um projecto muito preciso (ressuscitar os sons das bandas sonoras italianas), mas, por outro, temos antecedentes pessoais e musicais muito diferentes, desde estudos clássicos/académicos a uma educação informal através do hip hop, passando também por uma fase adolescente mais próxima do rock. Esta mistura influencia muito aquilo a que hoje soamos!



Em 2022 também lançaram a banda sonora de Blanca. Podem falar-nos deste projecto? Contaram com várias vocalistas…

Blanca é a nossa primeira banda sonora a sério, neste caso para uma série de 12 episódios que passou no horário nobre da TV nacional, por isso trabalhámos em material muito diverso, investindo cerca de 12 meses de trabalho em regime 24 sobre 7. Claro que nos divertimos imenso, mas também pudemos explorar cenas mais glitch e noise e… canções. E essa foi talvez a parte mais desafiante do projecto, sendo nós principalmente uma banda instrumental, mas ficámos muito felizes com os resultados do nosso trabalho com incríveis cantores e artistas como Mei, Elisa Zoot, Arya, Gorka, Tom Harrper Newton e Thanee Rodriguez que também nos ajudaram a co-escrever algumas das canções que cobrem um alargado espectro que vai da soul mais clássica à cena urbana mais moderna.

O facto desta série ter passado em horário nobre na TV nacional e de ter também distribuição internacional na Netflix deve ter aumentado a vossa visibilidade. O telefone tem tocado com mais encomendas para trabalho em televisão ou cinema?

Somos uma banda, mas também uma equipa de músicos com múltiplas capacidades que certamente adoram fazer bandas sonoras e obviamente esperamos ter mais oportunidades para trabalhar em TV e em cinema também, claro. Senhor Tarantino, estamos prontos!

Quase 15 anos após terem começado com o que julgavam ir ser um disco único, vocês reuniram uma muito considerável discografia. Isso surpreende-vos?

Uau, ainda nem tinha pensado nisso… 15 anos já? Honestamente, penso que todos nós o que mais queremos na vida é fazer música e não há dia que passe em que eu não sinta que ainda estamos no princípio de qualquer coisa. E devo dizer que nunca penso demasiado no que já fizemos, mas gasto imenso tempo a ponderar o que vamos fazer a seguir.

A library music clássica italiana nunca esteve tão disponível como agora graças a dezenas de reedições que tornam acessíveis discos que antes se vendiam por somas absurdas. Um dos efeitos disso é que começamos a ver e ouvir bandas a reclamarem uma influência directa desse tipo de som, dos vossos colegas Diasonics a alguém como os Vanishing Twin, por exemplo. Vocês têm reconhecido essa abordagem noutras bandas contemporâneas?

Sou italiano e adoro library music, por isso não tenho grande noção da perspectiva mais externa, ou seja daquilo que as pessoas pensam ser “o som library italiano”, mas é verdade que adoro os Vanishing Twin e também gosto de pensar que projectos como o El Michels Affair (e o Adult Themes é um dos meus discos favoritos de sempre) ou os BadBadNotGood, os Heliocentrics e outros também retiraram algo daquele bem groovy/enérgico/suave/psicadélico e sinceramente um pouco louco som “italiano”.

Finalmente, o que se segue nos próximos meses? 

Temos um novo projecto que há-de sair nos próximos meses mas sobre o qual ainda não posso adiantar nada e claro que esperamos também regressar aos concertos, se possível sem restrições.


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