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Fotografia: Direitos Reservados
Publicado a: 23/07/2020

Três anos depois da estreia, há nova empreitada do duo.

CALAFATE: “É um bom momento para se fazer música electrónica em Portugal. Desde que não tenhas de viver dela”

Fotografia: Direitos Reservados
Publicado a: 23/07/2020

CALAFATE são José Diogo Mateus (Hobo) e Marco Guerra (Citizen:kane). Juntos, depois de tocarem nas Damas em Lisboa e na ADAO no Barreiro, lançaram, em 2017, Lo-Fi Expeditions pela Fungo. Em 2020 estão de regresso com um nome renovado e com o álbum Pinky Cloud, lançado pela mesma casa.

Em comparação com o primeiro trabalho (no qual ainda não assinavam enquanto dupla), Pinky Cloud soa mais ritmado e polido. Uma vez mais, é um trabalho que surge de improvisação, embora exista uma grande diferença: o uso de gravação multipistas, permitiu que a edição e a mistura do arranjo (conduzida principalmente por Marco) fosse mais selectiva e trabalhada. Entre a síntese analógica das máquinas criadas de raiz por Zé Diogo (que também assume a posição de engenheiro da maquinaria utilizada por Clothilde) e os instrumentos e efeitos digitais trabalhados por Marco Guerra, o híbrido que surge desta névoa ritmada é composta por uma fisicalidade soberba dos sintetizadores, independentemente da sua origem.

Em conversa, Marco salienta que não sabe com que artistas CALAFATE se equipara, dado o âmbito ecléctico que paira no imaginário sonoro dos músicos do projecto. A electrónica é, sem dúvida, elástica o suficiente para conseguir abranger todo o espectro sonoro em que Pinky Cloud habita. No entanto, as abordagens variadas ao timbre e ao que guia a composição musical (seja o ritmo, o arranjo, a harmonia, a melodia ou o que quer que seja que se possa usar para caracterizar a música) do álbum são factores que sublinham a perspectiva experiente, curiosa e inclusiva da música de Zé e Marco.



Antes de mais, contem-nos um pouco sobre como se juntaram, ainda antes dos primeiros concertos nas Damas e na ADAO. Porque fez sentido começarem a trabalhar em conjunto? 

[Marco] Conhecemo-nos desde a adolescência e desde essa altura que já partilhamos gostos musicais. A nossa história começa com o boom dos Nirvana, formámos uma banda que maioritariamente tocava covers, posteriormente formámos outra, os Lemon Candies, em que o Zé era o guitarrista principal e eu o baterista. A banda desintegrou-se quando entrámos na universidade. De repente, o Zé começa a usar o Reason, apresenta-me o software e, mais tarde, nasce o projecto Hobo com os seus “birds” (nome que o Zé dá às máquinas que constrói). Como nunca deixámos de partilhar música e outras referências e influências, um dia decidimos começar a fazer longas sessões caseiras de improviso e a coisa estava iniciada.

Qual é a base deste álbum? O que está por trás de Pinky Cloud? 

[Zé] Por um lado, há o desejo de continuidade do trabalho anterior, o álbum Lo-fi Expeditions editado em 2017. Em 2019, a pretexto do concurso da GDA (Gestão dos Direitos dos Artistas) para atribuição de apoio financeiro à edição fonográfica, trabalhámos três músicas para integrar a candidatura (que infelizmente não foi objecto de apoio). Acabaram por ser o motor deste novo trabalho, que depois se concluiu ao longo do ano de 2019. Mas, diria, o que está por trás disto tudo é a grande vontade de continuar a tocar, o prazer que isso nos dá.

Pode parecer uma pergunta algo redundante, mas com que influências ou contemporâneos crêem que CALAFATE ombreia? Não é tão fácil assim situar estilisticamente este trabalho, que vem da electrónica experimental, mas tem raízes do techno, do house, do ambient, do acid, do noise…

[Marco] A resposta que tenho também poderá ser redundante. Acho que a música (e qualquer outro tipo de expressão artística) que o ser humano cria, ou produz, é inevitavelmente o resultado de um manancial de referências e influências que vais acumulando ao longo do tempo. E às vezes nem é preciso ser um processo assim tão estendido pelos anos: uma pequena e efémera experiência pode ditar o nascimento de uma ideia. Não quero colocar a música de CALAFATE ao lado de outros/outras, porque não consigo fazer esse exercício, muito honestamente. Agora, posso-te dizer que tanto me dá prazer ouvir pop rock, como techno, dub, jazz. Adoro pôr a tocar lá em casa o álbum B Fachada é Pra Meninos (que conheci pela razão de ser pai), como gosto muito de revisitar Ministry ou como adoro ouvir de rajada a compilação de estreia da editora 00:NEKYA

Que novos passos deram com este Pinky Cloud, em comparação com o primeiro lançamento em duo? E porque é que Citizen Kane & Hobo são agora CALAFATE? 

[Zé] Um passo muito grande foi a evolução do meu setup. Desde o Lo-fi Expeditions até ao Pinky Cloud apareceram muitas mais máquinas e hoje consigo criar sons e dinâmicas que no [primeiro álbum] era impossível. Depois, há um outro passo bastante determinante que foi o método de gravação: enquanto em Lo-fi Expeditions gravámos todos os instrumentos numa única pista áudio, as gravações resultavam dos master outs, no novo álbum conseguimos gravar tudo (ou quase) em pistas separadas, algo que permitiu corrigir muita coisa e outras soluções em termos de produção.

A decisão acerca do nome do projecto é muito recente. De repente, achámos que fazia mais sentido o nosso projecto ter um nome próprio do que ser a junção dos nossos nomes “artísticos”. 

Quão fácil é definir entre vocês o papel de cada um na composição, no processo criativo ou de produção? Nota-se bem a presença do lado mais dançável do Marco e os timbres da síntese modular do José, ainda mais neste trabalho, cremos. 

[Marco] Quanto ao processo criativo e à composição, nós mantivemos a mesma forma de trabalhar que adoptámos desde o início em que trabalhamos em dupla. O material resulta todo de sessões de improviso, em que cada sessão pode ter muitas horas. Chegamos, ligamos o nosso equipamento e tocamos, tocamos, tocamos. Quase sempre sem planear muito, sem definir por onde é que queremos ir. Aí é um trabalho de conjunto, em que, naturalmente, sobressai o som dos instrumentos que cada um toca. Depois, há um trabalho posterior, que é o de edição, corte, mistura. Esse costumo assumir eu, que depois mostro ao Zé e as decisões são tomadas em conjunto. 

E quanto às técnicas usadas? Como fundiram o digital e o analógico? 

[Zé] Tecnicamente, a coisa é muito básica: cada um tem o seu setup, o Marco com controladores MIDI e DAW e eu com instrumentos analógicos (osciladores, filtros, sequenciadores, efeitos). Ligamos tudo a uma mesa de mistura e depois é tão elementar como equilibrar volumes, simplesmente. Basicamente, cada um está a tocar os instrumentos que tem à sua disposição. Ainda tentámos sincronização clock via MIDI, mas quase sempre não fomos bem sucedidos. Cerca de 10% do álbum tem sincronização, a maior parte resume-se a teres dois instrumentistas a tocar em conjunto. 

Porque escolheram o Simão Simões para fazer a capa de Pinky Cloud? (Numa próxima deviam levá-lo a estúdio também, seria bonito de ouvir o resultado!) 

[Marco] O Zé e a Sofia (também conhecida por Clothilde) conheceram o Simão no OUT.FEST 2019 e quando se começou a falar sobre quem convidar para desenhar o artwork (algo que na Fungo se dá bastante importância), a Sofia sugeriu o Simão e foi assim que ele surgiu!

Têm mais planos de apresentarem – em performance ou noutro formato – este  disco além do livestream? 

Para além do concerto em live stream, estivemos a apresentar o álbum na Rádio Quântica. Mas, para já, não há mais planos. Com a situação que estamos a viver actualmente devido à pandemia COVID, torna-se muito difícil. A Fungo normalmente costuma organizar concertos em Lisboa, mas tendo em conta que está tudo parado, não vislumbramos novas actuações (quem nos quiser bookar, feel free :) ).

Como vêem o panorama da música electrónica neste momento em Portugal? 

Vemos com muito entusiasmo. Há cada vez mais projectos e editoras, muita música boa a sair  e muito diversa. Sente-se que há um movimento, ou vários movimentos que compõem o dito “panorama”. Em que as pessoas trocam experiências, desafiam-se entre si, para actuações, remixes e outras colaborações. É um bom momento para se fazer música electrónica em Portugal (desde que não tenhas de viver dela, claro, mas isso já seria outra discussão).


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