LP / CD / Digital

Cakes Da Killa

Svengali

Young Art Records / 2022

Texto de Leonardo Pereira

Publicado a: 17/11/2022

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Svengali é o nome de um vilão criado pelo autor britânico George Du Maurier para o romance Trilby, de 1894, e o nome passou a ser sinónimo para uma figura de autoridade ou mentor que exerce pressões e influência malignas sobre outra pessoa – no livro, Svengali seduz, domina e explora uma jovem cantora e faz com que ela se torne famosa através de hipnotismo antes de todos os concertos, algo que lhe dá coragem para subir ao palco. O nosso vilão morre depois de ser esfaqueado pelo herói, que salva a vocalista das terríveis pressões, mas por pouco tempo: choque da morte do mentor leva-a a uma depressão profunda que termina no mesmo caminho. O título do álbum serve como a travessa para onde a refeição musical nos é servida – Cakes Da Killa, rapper americano, apresenta uma persona no seu novo longa-duração que é um charmoso, suave e sofisticado mau da fita, conquistando a noite com elegância e domínio, resvalando de confiança: não ficam dúvidas de que pode ter quem quiser a seus pés.

A noite começa com “Overture”, uma introdução instrumental de piano acompanhada por vento e uma ambiência inquietante e progride fantasticamente para “W4TN”, uma canção sensual que serve de preliminares ao mesmo tempo que cria as bases para a festa de arromba que vamos ouvir no resto do disco. Cakes prepara-nos para dominar enquanto se auto-impõe e se auto-proclama senhor da noite, dando-nos a certeza absoluta de que o mundo é dele e não vai aceitar qualquer discussão sobre isso; e que a sua aptidão social não tem par e de só ele é, e mais ninguém, a life of the party. Em “Rabbit Hole” há um diálogo em que só se ouve um dos intervenientes: alguém a introduzir-se a Cakes e a oferecer-lhe uma bebida, perguntando-lhe ainda se tinha vindo à festa sozinho – esta interação de 44 segundos contém dentro dela uma intimidade conotada pelo tom da voz que serve de montra perfeita para a erotismo ilustrado no conjunto dos 15 temas.

A festa de arromba que referimos há pouco começa oficialmente na faixa homónima, e a percussão veste os ritmos de house e de club music que o vilão mistura experientemente com versos e flows inegavelmente rap com refrões saltitantes e bridges quase spoken word que servem como didascálias para a cena que está a ser montada. Os temas de conversa no meio dos 808s perfurantes abordam metáforas sexuais, as incertezas passionais nocturnas alimentadas pelo consumo de drogas — e um interesse especial pela cocaína, notada especialmente em “La Cocaina” (obviamente), a internacionalização do personagem principal com interlúdios de monólogos em francês e em espanhol; e até algumas referências à ressaca, tanto física como amorosa, causada por uma noite bem passada.



Neste meio do álbum, já estamos completamente submergidos no ambiente nocturno e festivo eloquentemente criado pelas beats de Sam Katz, produtor-executivo, e pelas barras de Cakes. Esta ambiência, que se torna um pouco repetitiva a certa altura, acaba por ser mais facilmente tolerada pelos refrões orelhudos e até pela variada energia que cada faixa acaba por trazer – em “Luv Me Nots” estamos mais seguros, em “Drugs Du Jour” prontos para arriscar, em “Sip of My Sip” — uma colaboração com Sevndeep — o risco correu bem e em “Sub Song” o pico da viagem chega na sua confusão e dúvida total. Os interlúdios pontuam bem cada fase e sente-se que houve um esforço concreto para a realização de um conceito, mas em certas partes interrompe a fluidez natural de um trabalho de música de dança. 

O final chega-nos de uma forma intrigante. Em “Think Harder” somos apresentados a uns vocais de disco que são executados com nota máxima, acompanhados no segundo plano por uma percussão de club music com graves potentes; mas a faixa final, “Climax”, deixa-nos só um pouco confusos. Há uma intenção de retratar aqui um término, mas a mistela de ritmos e de sons não é clara o suficiente para retratar algo. Porém, e aqui damos a mão à palmatória, talvez seja esse mesmo o propósito: a vulnerabilidade depois da confiança, o reconhecimento do fim da noite e das consequências que esse momento trará, a insegurança depois da auto-determinação. 

Cakes é, indiscutivelmente, um dos rappers queers mais estabelecidos do momento — com uma carreira que já se estende por mais de 10 anos — e Svengali é mais um ponto marcante na sua discografia. Sentimos que este álbum é uma bela e importante adição à histórica linha de inovadora música de dança criada por pessoas negras nos Estados Unidos da América, que este ano tem estado na primeira linha dos maiores artistas do planeta (Drake e Beyoncé, não se esqueçam deste Killa da próxima vez).


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