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Fotografia: Direitos Reservados
Publicado a: 01/11/2023

Um reforço de Leonardo Pereira aos discos de hip hop que ficaram pelo caminho.

Burburinho: Outubro 2023

Fotografia: Direitos Reservados
Publicado a: 01/11/2023

Em Burburinho, Leonardo Pereira olha pelo retrovisor e oferece destaque aos discos — muitas vezes não tão óbvios — que mais o marcaram ao longo do mês anterior, com especial enfoque para tudo aquilo que se vai colhendo nos campos do hip hop. Sem restrições ao nível da estética, por aqui vão cruzar-se propostas que vão desde o mais clássico boom bap às cadências soulful que aproximam o género do r&b, não esquecendo nunca as reformulações mais modernas do som nascido em Nova Iorque, que hoje gera infindáveis ecos a partir de qualquer cidade à volta do globo, através das visões gélidas do trap ou do drill.


[Paul Wall & Termanology] Start Finish Repeat

Start Finish Repeat é o segundo álbum do duo Paul Wall & Termanology, que se estrearam como equipa o ano passado com Start 2 Finish. São 50 minutos de Paul Wall vintage num projeto texano por natureza, com um toque de costa este vindo das mãos de Termanology, 50 minutos que vão passando com uma serenidade hipnótica. As batidas também soam a hip hop sulista de outros tempos, vagarosas e gentis, compostas por Statik Selektah, que fica em destaque nas produções para este duo (já no ano passado produz quase metade do disco anterior), mas partilha o nome na ficha técnica com Large Professor, Diamond D, Buckwild, JR Swiftz, Cartune Beatz, e Ishan. Estes tantos criam as ambiências para um hip hop que já não é muito habitual — relaxado, quase veranil na apresentação, sem muitas preocupações com temas bélicos ou mais conflituosos; o que importa é abrir garrafas de champanhe, a ostentação e a descontração geral. 

A lista de convidados parece também um listagem de um elenco digno de blockbuster: entre os protagonistas, registam-se os nomes de CL Smooth, Bun B, Big K.R.I.T. e AZ & Solene. Fica um apontamento extra sobre esta última voz, que canta o refrão de “Palm Trees”, faixa com potencial para ficar em qualquer rotação mais branda, intencionada para um pôr-do-sol romântico. Tudo é maior no Texas, incluindo o descanso.


[Royal Flush & Sean Price & Little Vic] The Royal Price Show

Se o primeiro álbum desta rubrica demonstrava intenções de levar a vida levemente e a apreciar as coisas boas que esta tem para oferecer, os artistas neste projeto parecem determinados a mostrarem-se preparados para qualquer imprevisto ou obstáculo, seja com habilidade lírica, com armas de fogo, ou até com uma equipa bem apetrechada para uma briga mais potente. E talvez nem fosse preciso, dado o histórico comprovado de todos os rappers do The Royal Price Show. Royal Flush já cá anda desde 1997 e já ganhou o seu respeito; Sean Price é um nome inevitável do hip hop da costa este e este era o projeto em que estava a trabalhar na altura da sua morte em 2015, quando infelizmente nos deixou, com apenas 43 anos. Little Vic produziu o disco quase exclusivamente, tendo tido a companhia de DJ Supa Dave na faixa “Political Science”. Indo ao detalhe, os featurings de destaque contam com Cassidy, que consegue baixar a tensão do disco em “B.O.B.”, e Ali Vegas e Tragedy Khadafi, que puxam de rimas abastadas para falar de estupefacientes em “Drug Music”. São apenas 8 faixas, com o disco a correr durante pouco menos de 20 minutos. De qualquer maneria, é hip hop para crescidos, que satisfará qualquer fã real do boom bap nova-iorquino, sofisticado mas com uma camada daquela sujidade característica que permeia os panoramas das ruas da Grande Maçã.


[exociety] SHIFT!

exociety é um grupo/coletivo/editora formado por Rav em 2013, incorporado de momento por Kill Bill: The Rapper, Scuare, Rekcahdam, meltycanon, no1important e love-sadKid. Lançaram em 2022 o seu primeiro “álbum” (eles chamam-lhe sampler), deception falls, e voltaram este ano com SHIFT! (de novo um sampler). A ideia de álbuns de grupo não é nova, e talvez referir os Odd Future seria demasiado óbvio ou parcial para o passado recente, mas se foram fãs do tipo de música que os rapazes californianos andaram a lançar há cerca de 15 anos, então talvez valha a pena darem uma olhada aos exociety, ou pelo menos à discografia individual dos seus membros.

Um bocadinho mais pequenos em termos de quantidade de rappers mas com a mesma quantidade de alma, a história parece mesmo cíclica. Os três membros mais recentes, love-sadKiD, meltycanon and no1mportant, parecem estar virados para temas mais melódicos, enquanto os “antigos” Rav, Kill Bill: The Rapper, Scuare e rekcahdam continuam a linha mais habitual de hip hop bem corpulento, sempre tingido de um tom emocional que parece ter crescido e maturado desde o génesis do grupo. A comparação com os primeiros anos dos OF então parece inevitável quando os sintetizadores perfurantes e a percussão mais minimalista sobressaem, e quando este tipo de melodias são intervaladas por mensagens nostálgicas, emotivas e introspetivas. A produção vai variando e é difícil encontrar uma linha coesa para o disco, mas a própria editora assume a tal ideia de sampler para o álbum, mesmo que se encontrem alguns traços conceptuais que tentem construir o conjunto de faixas para algo maior. De qualquer maneira, com o hip hop em primeiro plano, também se vai ao trap, à pop, ao r&b e até ao lo-fi, com lustro em cada uma das viagens.


[CASISDEAD] Famous Last Words

Um pequeno mistério. Aparece na cena em 2005 como Castro Saint, desaparece em 2007 e volta em 2012, começando a apresentar-se com CASISDEAD e usando uma máscara em todas as aparências públicas. Em 2013, lança o seu primeiro projeto com esse nome, a mixtape The Number 23, e em 2015 retorna com um EP, Commercial 2. Desde então, e até outubro deste ano, silêncio. O retorno chama-se Famous Last Words e é capaz de acabar em inúmeras listas dos melhores álbuns do ano.

A descrição vai ser curta para os mundos que o álbum contém dentro dele, mas esperamos que vos espicace o interesse que ele devidamente merece. Os beats vão saltando de um boom bap escuro para algo que soa tirado de um disco de synthpop dos anos 80, enquanto as vozes femininas dos refrões só intensificam esta jornada sensorial para o tal futuro imaginado há 30 anos, onde um néon frio vai iluminando ruas decrépitas em noites sombrias. Histórias de um futuro próximo, fazendo lembrar a atmosfera de Blade Runner, vão sendo contadas com um detalhe e um talento para a narração maravilhosa. Esta ambiência atrai, também, naturalmente, um erotismo mais desavergonhado, contado por um timbre carregado de confiança. Cas não abdica de histórias (aparentemente) pessoais mais traumáticas, mas também não tem receio de rasgar uma veia artística quando as conta. Se o que vos puxa no hip hop é a dedicação e o esforço que alguns artistas conseguem injetar na sua arte, conseguindo criar um mundo novo dentro dela, está aqui um álbum inevitável.

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