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Fotografia: Slick Rick
Publicado a: 02/07/2025

Um reforço de Leonardo Pereira aos discos de hip hop que ficaram pelo caminho.

Burburinho: Junho 2025

Fotografia: Slick Rick
Publicado a: 02/07/2025

Em Burburinho, Leonardo Pereira olha pelo retrovisor e oferece destaque aos discos — muitas vezes não tão óbvios — que mais o marcaram ao longo do mês anterior, com especial enfoque para tudo aquilo que se vai colhendo nos campos do hip hop. Sem restrições ao nível da estética, por aqui vão cruzar-se propostas que vão desde o mais clássico boom bap às cadências soulful que aproximam o género do R&B, não esquecendo nunca as reformulações mais modernas do som nascido em Nova Iorque, que hoje gera infindáveis ecos a partir de qualquer cidade à volta do globo através das visões gélidas do trap ou do drill.


[Slick Rick] VICTORY

Slick Rick é um nome inevitável nos anais já não tão jovens do hip hop, e mesmo assim um nome um pouco subentendido no panorama da história do género. O londrino com dupla nacionalidade estado-unidense é um dos artistas mais samplados e interpolados de sempre — e com boa razão. A sua produção é única e revestida de uma juventude rodeada por inúmeras culturas musicais que o acompanharam sempre — é daí que brota a sua singularidade. Apesar disto tudo, a descrição “hip hop à moda antiga” não se adequa perfeitamente a Ricky Martin (sim, é o nome dele), tal é a sua fome de se inovar e de se diferenciar do resto do game

Este VICTORY é um retorno à ação 26 anos depois do seu último projeto e, senhores e senhoras, é um retorno inesquecível. É menos de meia hora de música incrivelmente jovial e fresca, um expresso portfólio de diversão em forma de faixas curtinhas, mas todas elas memoráveis na sua própria maneira. Os skits referenciais à cultura pop, uma ironia cortante e a casual piada em forma de punchline amontoam-se para criar uma linha coesa de experimentação de ideias, e apesar de se notar uma desconcentração sónica por vezes, a sensação que fica é que o sexagenário ainda está disposto a curtir a festa com uma pujança invejável. Referimo-nos particularmente às abordagens ao house, aos refrões bailáveis, aos cheirinhos de reggae, às entoações patois que vão pintando um retrato de Slick Rick que tanto respeita a sua história como se recusa a ficar preso ao passado. Essa pintura é ainda mais ornamentada pela destreza com que constrói os seus flows e usa o seu timbre esguio da mesma maneira que há 30 anos.

Não será absurdo dizer que as cores com que se ilustra a história de Slick Rick são as mesmas cores que ilustram uma parte fundacional do hip hop. Vitorioso, sim, e de que maneira.


[Leikeli47] Lei Keli ft. 47 / For Promotional Use Only

Deveria ser notícia global que Leikeli47 largou a máscara para este disco. A rapper nova-iorquina (where else?) relançou-se três anos depois do seu último projeto para se apresentar de novo, desta feita com a cara na frente e no centro da capa e da própria música. Agressiva como ninguém, incrivelmente inspirada e com intenções de inspirar, volta para golear o game inteiro sem piedade. Fá-lo com táticas de jogo atacante: flows driblados que acabam em cruzamentos para punchlines explosivas serem cabeceadas por cima de beats que percorrem o campo inteiro; trap minimalista, boom bap pouco interessado em superfluidades, laivos espessos de deconstructed club que permitem ao vogue em praticamente qualquer uma das faixas e até o ocasional sintetizador reverberado do reggae e do dub para completar o plano de jogo. Mesmo com este ecletismo, encontramos uma ligação inegável entre todas as faixas — a força na voz de Leikeli e o seu talento para escrever ligam todas estas ideias com vivacidade, criando então um projeto que serve para simbolizar a sua mestria artística em todas as vertentes. É uma característica difícil de apontar precisamente, pois Leikeli é camaleónica: o que a faz única é o fato de parecer tão facilmente adaptável a tudo sobre o qual se debruça, e isso ela fá-lo muito, muito bem. Talvez seja por isto que nos é difícil parar para descrever a nova-iorquina: a dificuldade em resumi-la implica uma imensidão musical que teríamos de traçar primeiro para sequer começar. É isso e termos o refrão de “sandhills” em eco na cabeça há várias semanas.


[Apathy] Mom & Dad

Talvez contrariamente ao que esperaríamos, ouvimos muita emoção na voz de Apathy. O rapper do Connecticut começou a passear pelo game em 1994 e aparece pela primeira vez num disco em 1997, através dos filadelfianos Jedi Mind Tricks. No entanto, é apenas em 2006 que lança o seu primeiro álbum a solo, Eastern Philosophy, e desde aí, tem editado projetos com relativa frequência, com este Mom & Dad, o seu 9º disco, a surgir apenas um ano depois do seu antecessor.

Após tantos anos a sentir o boom bap nas veias, sugere-nos uma refeição musical de 42 minutos recheados de samples bem old school, seja através de excertos scratched de Notorious B.I.G. ou de Pusha T, de anúncios dos anos 80 ou de cortes de instrumentais a suarem reverb e estática nostálgica de vinil. Tudo isto serve de cama para um discorrer poético sobre temas profundos em conteúdo, especialmente político (mais especificamente, as consequências sociais e financeiras do governo de Reagan e das suas reaganomics); mas há também uma constante referência geográfica à Shore Life e à comunidade que a vive, e, subsequentemente, para exaltar maravilhosamente o conceito de relaxamento por que meios for, desde que seja uma parte significante da vida. Esta mistela de motifs compõe-se através de inúmeros momentos de storytelling exímio, tanto para descrever a vida no Connecticut como para descrever o come-up e o hustle, a luxúria a que se pode oferecer ou as inúmeras maneiras de como se passa o tempo livre na Costa Este. Até o braggadocious de Apathy se pode referir como storytelling, tal é a experiência do homem nesse labor. E todas estas histórias são contadas com uma habilidade magistral no manobramento da lingua inglesa, com uma agilidade e uma facilidade incrível a fazer o que quiser com o beat e com o seu flow. E com emoção!

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