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Fotografia: Direitos Reservados
Publicado a: 06/08/2025

Um reforço de Leonardo Pereira aos discos de hip hop que ficaram pelo caminho.

Burburinho: Julho 2025

Fotografia: Direitos Reservados
Publicado a: 06/08/2025

Em Burburinho, Leonardo Pereira olha pelo retrovisor e oferece destaque aos discos — muitas vezes não tão óbvios — que mais o marcaram ao longo do mês anterior, com especial enfoque para tudo aquilo que se vai colhendo nos campos do hip hop. Sem restrições ao nível da estética, por aqui vão cruzar-se propostas que vão desde o mais clássico boom bap às cadências soulful que aproximam o género do R&B, não esquecendo nunca as reformulações mais modernas do som nascido em Nova Iorque, que hoje gera infindáveis ecos a partir de qualquer cidade à volta do globo através das visões gélidas do trap ou do drill.


[Open Mike Eagle] Neighbourhood Gods Unlimited

Entre outras questões irrespondíveis, Open Mike Eagle decide neste projeto discutir a luta constante por uma identidade própria num mundo cada vez mais homogéneo; a força necessária para nos desviarmos do fácil e óbvio e ir atrás de soluções para nós próprios; as tentativas e o sucesso em conseguir exprimir o caminho que se faz todos os dias para tentar localizar o nosso próprio normal; a importância que damos às coisas e a revolução pessoal necessária para alterar os nossos próprios conceitos de significância.

Como um certo rapaz disse nos comentários do YouTube há uns anos: “How strange it is to be anything at all.”

Numa voz a tender para derrotada, tingida sempre de uma força inescusável para continuar a remoer todas estas filosofias, o chicagoano Michael Eagle lançou o seu 9º disco, Neighborhood Gods Unlimited, e partilhou connosco o fardo de pensar em todas estas oposições montadas por cima de batidas de Child Actor, Kenny Segal, K-Nite 13, Playa Haze, Ialive, August Fanon e Nolan the Ninja. São peças instrumentais que nos remetem, de novo, para este estado centrifugado, depois do ataque aos sentidos diário que é o zeitgeist diário em que vivemos. Lentamente destapamos as camadas de sujidade, as dezenas de estratos dermais que compõem as perdas que sofremos, as mágoas que atravessamos, as travessias que caminhamos, e eventualmente, com algum tipo de sorte e de talento, encontramo-nos a nós mesmos. E talvez encontremos Deus, mesmo que seja o do nosso bairro. No final de contas, já há demasiados deuses a serem venerados. 


[Father] Patricide

Trip-hop no meu trap? É mais provável do que você pensa. Father, natural de Atlanta que talvez vos seja conhecido como o autor da eterna malha “Look at Wrist, que já conta com 11 aninhos, retorna aos lançamentos através da sua própria editora, Father’s Darlings, com um dos discos mais intrigantes dos últimos anos e que suspeitamos que terá presença contínua nas vossas playlists.

O timbre mantém-se contido, pouco exuberante, contrastando-se diametricamente às reivindicações engrandecedoras que são afirmadas. A diversidade de temas líricos é algo a notar, e reparamos especialmente numa crítica acídica ao complexo militar dos Estados Unidos da América em “Curiosity is the gateway to ruin”. A acompanhar a voz conspirativa de Centel Orlando Mangum, a produção é quase uma homenagem ao trip-hop dos anos 90 (Massive Attack, Portishead, Tricky, etc), adaptada para albergar os baixos ecoantes do trap e das flows contemporâneas. 

É uma intersecção extremamente interessante — enquanto as batidas tencionam uma subliminaridade pintada de tons austeros e sombrios, a lírica mais habitual de Father é dedicada ao braggadocious tradicional do género a que lhe é associado. Este é daqueles que só ouvindo se percebe o passo sónico gigante que talvez se tenha dado. 


[GDP & Fatboi Sharif] ENDOCRINE

O estado de Nova Jersey tem uma multiplicidade de representações em todos os tipos de arte — sejam eles visuais ou sonoros. É fácil associar o estado vizinho de Nova Iorque ao trabalho manual, operário, industrial, e igualmente fácil associá-lo a uma extensão suburbana da Big Apple, muito mais silenciosa e calma, com extensões de natureza pura e verde. Fatboi Sharif rima com GDP, que também produziu todas as faixas do disco, e juntos narram as suas histórias num cruzamento entre estas duas idealizações. 

ENDOCRINE é o resultado de uma amizade que brota de uma ou duas beats e resulta em sete faixas cujas ideias motrizes são industriais, mas pouco automatizadas. Um pouco mecânicas, mas com raízes artesanais, manufaturadas. As harmonias orgânicas que se vão ouvindo durante o disco contrastam com efeitos sonoros que relembram uma Ode Triunfal — “Default Mode Network” é o expoente disto, com versos quase em spoken word intercalados com martelos a baterem em paredes, um tambor agressivamente semelhante a um martelo pneumático, as vozes dos rappers divididas entre uma apatia indiferente e uma perplexidade em relação ao mundo em que vivem. Estas narrativas são críticas e pontiagudas, por vezes surrealistas e alegóricas, usando a linguagem não só como método de atravessar pontes, mas como uma arma para as quebrar. Não são só críticos, são crípticos; e a intenção do disco conclui-se no desafio de o entender. A ironia está no facto do sistema endócrino servir para manter o equilíbrio interno corporal, e esta dupla parecer querer interrompê-lo. Há que apreciar uma mudança de ritmo de vez em quando.

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