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Fotografia: Ellington Hammond
Publicado a: 06/03/2024

Um reforço de Leonardo Pereira aos discos de hip hop que ficaram pelo caminho.

Burburinho: Fevereiro 2024

Fotografia: Ellington Hammond
Publicado a: 06/03/2024

Em Burburinho, Leonardo Pereira olha pelo retrovisor e oferece destaque aos discos — muitas vezes não tão óbvios — que mais o marcaram ao longo do mês anterior, com especial enfoque para tudo aquilo que se vai colhendo nos campos do hip hop. Sem restrições ao nível da estética, por aqui vão cruzar-se propostas que vão desde o mais clássico boom bap às cadências soulful que aproximam o género do r&b, não esquecendo nunca as reformulações mais modernas do som nascido em Nova Iorque, que hoje gera infindáveis ecos a partir de qualquer cidade à volta do globo, através das visões gélidas do trap ou do drill.


[Erick the Architect] I’ve Never Been Here Before

I’ve Never Been Here Before é o primeiro álbum a solo de Erick the Architect, conhecido maioritariamente por ser MC/produtor e membro dos Flatbush Zombies, o trio nova-iorquino que tem tido reconhecimento pela exímia execução de um hip hop etéreo e trippy

Quando se abre a porta ao hip hop, abre-se a porta a muitas experiências, tanto sónicas como emocionais. Erick consegue receber todas estas sensações num espetro larguíssimo, e o álbum acaba por representar esta vontade de apreciar todos estes sentimentos na sua totalidade. Desta abertura brota uma sequência de 16 faixas inegavelmente viciantes, dedicadas a prender o ouvinte a todas as histórias, a todos os temas, a todas as rimas e punchlines, e a todas as batidas que vão decorrendo. São 51 minutos de oferta musical variada que nunca deixam de ser coesos, não se perdem em tangentes nem chegam perto de aborrecer. O homem até se junta a Boy Boy, músico caribenho para um banger de dancehall absurdo em “Beef Patty”.

Indo faixa por faixa, é obrigatório mencionar “Breaking Point”, uma colaboração com Baby Rose, Pale Jay e RÜDE CÅT, com uma primeira metade de soul que é impossível de não ouvir repetidamente, e uma segunda parte rimada que rivalizará com “Ultralight Beam” (de Kanye West) como uma das canções mais motivadoras dos últimos tempos. “Ezekiel’s Wheel”, com George Clinton (sim, o próprio), soa a retrospetiva, àquele flash da vida toda que se tem antes de perecer, por cima de um beat inesquecível com uns sopros igualmente memoráveis. Finalmente, como último destaque, Channel Tres elabora um househop que obriga a mexer o corpo pelo menos um bocadinho. Ele diz que nunca esteve aqui antes, mas não parece.


[ICYTWAT] Magic as Usual

O prolífico produtor e rapper de Richmond volta à ação menos de seis meses depois do seu último projeto, continuando a ser alguém a quem é preciso prestar atenção no seu segmento de hip hop. Quase ilusório nas suas batidas, faz o seu caminho por uma sonoridade psicadélica, carregadíssima de reverb, com poucas intenções de descer dos 140bpm. Seja pelos hi-hats metralhados, pelo eco vocal no final de cada barra, ou pela pesada repetição de versos, o resultado é um disco hipnótico que, mesmo tendo apenas quinze minutos, deixa o ouvinte com a sensação que se perdeu durante muito mais tempo numa espécie de trip sonora. 

Não há muito a dizer em termos líricos ou poéticos — chega-se muito ao mumble, mas este uso da voz como instrumento para aumentar as sensações sónicas que as batidas providenciam é sempre de notar. É nesse sentido que se deve engrandecer este tipo de projeto — e o próprio ICYTWAT —, pelo uso de todas as ferramentas possíveis para chegar ao pináculo de um certo tipo de estética musical, tornando este quarto de hora num labirinto em que se podem passar horas e horas. A ausência de convidados e a lista de créditos de produção que apontam só para o titular do álbum acabam por acrescer à magia habitual de que quando ouvimos um projeto de Brandon Banner estamos muito perto de entrar na sua mente.


[Dizzee Rascal] Don’t Take It Personal

Boy In Da Corner fez 20 anos em agosto do ano passado. “Bonkers” chegou há 15. “Bassline Junkie” há 11. Já lá vão mais de duas décadas desde que o rapazinho que ajudou o grime a explodir pelo mundo inteiro começou a sua jornada e parece que não está nos seus planos parar assim tão cedo. Afinal, quando se gosta do que se faz, não se trabalha um dia na vida inteira, não é? 

A voz de Dizzee Rascal transparece um gosto incomparável por fazer música, por escrever rimas e por querer que as pessoas se movam ao seu ritmo. Don’t Take It Personal é o expoente deste amor, uma expressão irrecusável da alegria que a música pode trazer à vida de alguém. Tanto faz que seja com um pano de fundo de jungle, ou de garage, de trap, de drill, ou dos clássicos four on the floor. E com tanto tempo no game, a dominância sobre qualquer tipo de batida seria expectável — os flows adequam-se a todos os ritmos. Os timbres viajam entre relaxados e bélicos, e quando é preciso um pouco de amor ou de gabarolice, nunca destoa nem soa esforçado. 

Como com qualquer álbum do panorama moderno de grime, somos também presenteados com uma mão cheia de convidados que causariam uma qualquer rua de metrópole a ser fechada — entre outros, Frisco, JME, D Double E e P Money ajudam aqui a definir uma fasquia para a frente. Mesmo 20 anos depois, ela continua a subir de nível.


[Medhane & Kahlil Blu] Double or Nothing

A nova onda de poetas do hip hop underground já tem alguns aninhos, mas o produto final artístico de cada interveniente é tão significante agora como foi no ano em que brotou. Medhane é um destes recentes bardos que se solidificou nesse estabelecimento com sucessivos projetos sólidos, que vão sobrevivendo ao teste do tempo ano após ano. E o MC só parece estar a envelhecer positivamente ao longo das mudanças, das novas tendências e das modas que se vão abatendo ciclicamente. As rimas cheiram sempre a fresco, a maneira como as narrativas são erguidas e exploradas, mesmo quando os conceitos que aborda são intemporais, acrescenta sempre algo de novo. E o manuseamento dos beats que Kahlil Blu providencia para o álbum é de mestre. 

Aproximando-nos agora a esses mesmos instrumentais, estão aqui 21 minutos de boom bap puro e duro, chegando-se a graves mais pesados para tons líricos mais agressivos tão facilmente como se constroem loops de jazz macios e introspetivos. Sem qualquer convidado para o disco, estamos perante um grupo de temas em que tanto o rapper como o beatmaker só se têm de se adaptar um ao outro, e é algo de especial quando uma colaboração leva dois artistas a um pináculo individual. Em Double or Nothing, a maior parte das faixas não passa dos 2 minutos e pouco, e mesmo assim contém inúmeras camadas de expressão pessoal artística, reforçando a vontade de reouvir e decifrá-las todas.

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