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Fotografia: Alexia Webster
Publicado a: 01/03/2023

Um reforço de Leonardo Pereira aos discos de hip hop que ficaram pelo caminho.

Burburinho: Fevereiro 2023

Fotografia: Alexia Webster
Publicado a: 01/03/2023

Em Burburinho, Leonardo Pereira olha pelo retrovisor e oferece destaque aos discos — muitas vezes não tão óbvios — que mais o marcaram ao longo do mês anterior, com especial enfoque para tudo aquilo que se vai colhendo nos campos do hip hop. Sem restrições ao nível da estética, por aqui vão cruzar-se propostas que vão desde o mais clássico boom bap às cadências soulful que aproximam o género do r&b, não esquecendo nunca as reformulações mais modernas do som nascido em Nova Iorque, que hoje gera infindáveis ecos a partir de qualquer cidade à volta do globo, através das visões gélidas do trap ou do drill.


[Hus Kingpin] A Poem in Ten Books

A Poem in Ten Books é o 14º longa duração da carreira de Hus Kingpin, poeta cirurgião da inimitável Los Angeles que já tem um histórico na sala de operações líricas extensíssimo: ao lado de 14 álbuns, já editou também 17 mixtapes e 19 EPs desde 2010. Nesta edição, recebemos rimas cortantes em que são discorridas histórias que conjuram uma imagem de estarem a ser contadas no breu da noite, à volta de uma fogueira, com uma lanterna apontada unicamente à cara, acompanhadas por beats esculpidos com um bisturi de supervilão, onde excertos do poema épico-religioso do século XVII de John Milton que dá o título ao disco são recitados, acrescentando uma camada de esoterismo católico a um trabalho que não tem vergonha de se alongar no concetual.


[Substance810 & D-Styles] He Who Laughs Last

A capa mostra um homem com metade do seu corpo fora de uma janela de um carro, na sua mão uma arma que disparou uma bandeirinha vermelha com “BANG!” escrito nela. He Who Laughs Last projeta-se horizontalmente na imagem, numa tipografia que nos relembra banda desenhada, criando aqui uma aura de caos e de pandemónio diretamente referenciando Joker, vilão da DC Comics. Se esta descrição vos soa a meme, desenganem-se. Permeado de uma aridez rude e de uma aspereza quase assustadora, esta adição à discografia de Substance810, mais uma vez acompanhado de um produtor executivo, D-Styles, que se dedicou a todas as vertentes do beat para criar um pano de fundo que não nos deixa respirar com suspense e que pode muito bem ser um marco para o boom bap deste ano: os scratches, a percussão rouca, os samples de discurso policial e criminal, os flows assassinos e até a qualidade dos versos de rappers convidados pregam-nos às colunas à espera da próxima faixa.


[ALLBLACK] Born to Score

D’Andre Sams não tem medo de vociferar tudo o que acha, nem sobre ele próprio nem sobre outros. Born To Score é composto por 11 faixas rimadas na cara do ouvinte sobre graves ribombantes, com uma quantidade ridícula de punchlines, todas merecedoras de serem uma descrição no Instagram, e uma insistência num flow rápido e incansável. Se precisarem de um curso rápido sobre as super-estrelas da NBA ou da NFL, também o podem obter aqui, com estes dois desportos a servirem de base para incontáveis metáforas e duplos sentidos nos versos de ALLBLACK. Uma nota final para os featurings: Cash Kidd, Bfb da Packman, BabyTron, Jay Worthy e Dusty Locane não falharam e acrescentam todos algo valioso aqui – talvez tenham todos nascido para marcar.


[Cool Calm Pete] LOST (Director’s Cut)

Este é um pouco diferente. LOST foi o primeiro álbum a solo de Cool Calm Pete, rapper sul-coreano-americano membro fundador dos Babbletron, trio nova-iorquino do início do milénio. Recebido com elogios na crítica, carrega uma inconfundível aura dos anos 2000, sentida nas batidas relaxadas com muita instrumentação orgânica, no uso de samples de diálogos para criar um ambiente concetual de narrativa (de Atmosphere a Madvillain num instante). O rapper praticamente desapareceu do olhar público após o lançamento original em 2005, lançando apenas três mixtapes e uma mão cheia de singles. Em fevereiro, aparece-nos este Director’s Cut, com 5 faixas novas, agora presente nos serviços de streaming, servindo como uma bela viagem à era em que o rap se estava a estender à abstração sónica e a um experimentalismo narrativo.


[Nappy Nina] Mourning Due

Subtil mas assertiva, convincente e com razão, decidida e extremamente inteligente, Nappy Nina adiciona mais um projeto completo, coeso e consistente de uma ponta à outra à sua fortíssima discografia. Relatando uma existência perseguida pelo luto e pela luta a que sobrevive todos os dias como pessoa queer, à frente de batidas compostas por sonoridades electrónicas que vão construindo um ambiente quase desconcertante, acompanhando os temas descritos com destreza lírica na sua melancolia, Mourning Due é também uma bela exposição de um conjunto de rappers underground: os convidados incluem lojii, maassai, MAVI e Stas THEE Boss, entre outros, com especial destaque nesta rubrica para um dos melhores versos do ano até agora – o de Moor Mother em “Stone Soup”.

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