pub

Fotografia: west_grown
Publicado a: 03/05/2023

Um reforço de Leonardo Pereira aos discos de hip hop que ficaram pelo caminho.

Burburinho: Abril 2023

Fotografia: west_grown
Publicado a: 03/05/2023

Em Burburinho, Leonardo Pereira olha pelo retrovisor e oferece destaque aos discos — muitas vezes não tão óbvios — que mais o marcaram ao longo do mês anterior, com especial enfoque para tudo aquilo que se vai colhendo nos campos do hip hop. Sem restrições ao nível da estética, por aqui vão cruzar-se propostas que vão desde o mais clássico boom bap às cadências soulful que aproximam o género do r&b, não esquecendo nunca as reformulações mais modernas do som nascido em Nova Iorque, que hoje gera infindáveis ecos a partir de qualquer cidade à volta do globo, através das visões gélidas do trap ou do drill.


[Madlib, Meyhem Lauren & DJ Muggs] Champagne for Breakfast

Eles são inevitáveis. Os nomes são conhecidos, mas não há maneira de deixar este disco para trás. Uma exposição inimitável de talento nas batidas saídas dos cérebros conjuntos de Madlib e DJ Muggs, portentos ubíquos do hip-hop, e um carregador cheio de rimas rijíssimas na voz de Meyhem Lauren.

Editado pela icónica Soul Assassins, quase todas as vertentes deste projeto são extremamente polidas e trabalhadas até ao último poro: os instrumentais carregam uma alma gigante e cada barra de Lauren acompanha-os com lírica cuspida do coração, com uma variedade de flows impressionante, completamente desenvergonhado no braggadocious, parecendo que esta voz raspy e grave nasceu no corpo do rapper nova-iorquino precisamente para esta vaidade, convencendo-nos facilmente da sua superioridade lírica e financeira ao mesmo tempo que nos conta a história de como chegou ao patamar onde está agora, escrita por uma mente profícua no vocabulário e no wordplay, cheia de talento para narrar e para matar beats. Action Bronson e Hologram são os dois únicos convidados para este projeto, com o primeiro a ficar-nos na memória pela maneira como se insere tão adequadamente no mundo de Madlib, Muggs e Lauren. Não vale a pena alargar mais esta descrição – este é um daqueles que se tem de ouvir para perceber a magnitude.


[Nym Lo & Statik Selektah] From The Horse’s Mouth

A prolificidade do hip-hop moderno já nos é natural: vários álbuns por ano, adicionados a videoclipes, EPs, projetos colaborativos, tours e concertos constantes. Por vezes perde-se um pouco de qualidade neste modelo, e a saturação chega mais cedo — o ciclo tornou-se mais rápido e o consumo de arte discutivelmente mais superficial. No entanto, há sempre excepções e mesmo aqueles que começaram a sua carreira numa indústria já habituada ou expectante deste ciclo persistente, como Nym Lo, conseguem fintar essa tendência. Nova Iorque continua a produzir poetas de qualidade indiscutível, com a inteligência para se juntarem a produtores como Statik Selektah, que já tem um currículo histórico, para criarem um belo, apesar de curto, conjunto de faixas.

Esticando-se nos tipos de beats, num jogo de ping-pong entre o melódico e harmonioso e o vigoroso e gritty, virando por faces da Big Apple como páginas de um livro, a recente introdução de Nym Lo ao game não passou despercebida (contando já com colaborações com Smoke DZA, Dave East, Curren$y, Bun B e Planet Asia, alguns destes presentes neste From The Horse’s Mouth), e parece-nos que o rapper de Harlem chegou para ficar. Este é apenas o seu sexto disco, mas já sentimos que há aqui um presente promissor, e um futuro ainda mais brilhante – diria para apanharem o comboio antes que ele parta, mas neste caso, talvez seja mais apropriado começarem a cavalgar e ouvirem o que o cavalo tem a dizer.


[Prof] Horse

Saímos de Nova Iorque para irmos a Minneapolis e trocar completamente de tom, para uma abordagem regional ao hip-hop historicamente mais eletrónica, com explorações sónicas nos instrumentais a chegarem a pedir inspiração ao EDM, variações para canções mais (perdoem o pleonasmo) cantadas — um convite para que refrões orelhudos e muito pop sobressaiam a tudo o resto — e um ambiente um pouco mais leve, soalheiro e veranil, mesmo que os temas que se encontrem em Horse, o oitavo longa duração de Prof, vão desde o habitual orgulho na superioridade lírica até à crítica social e à ascensão da extrema-direita.

O rapper, que já conta com mais de 15 anos de carreira desde o seu primeiro álbum (Absolutely, de 2006, com Rahzwell), compôs 14 faixas viciantes e divertidas, com instrumentais originais e criativos, numa mistura equilibrada de sons orgânicos e digitais onde se vão construindo bangers com múltiplos níveis de texturas e que obrigam a que mexamos o corpo. Convidando absolutos pesos pesados do hip hop como Redman, Kevin Gates e Method Man, ou um novo talento de Minneapolis, Mac Irv — a comunidade estatal do hip hop de Minnesota é muito unida e costumam criar-se equipas inteiras de rappers talentosos —, Prof deixa aqui uma bela demonstração de um estado que talvez não seja conhecido pelo seu hip hop, mas que já faz por merecer o seu devido reconhecimento.


[Zombie Juice] Love Without Conditions

Love Without Conditions é o primeiro disco de Zombie Juice, um terço dos Flatbush Zombies e o único que ainda não se tinha estreado a solo. O membro mais ternurento do grupo de nova-iorque lança-se em nome próprio na sua própria editora, Terp World, e continua a ser um belo contador de histórias, possuidor de uma voz meiga e quente, expondo as suas vulnerabilidades, sabendo que o amor é uma força motriz imparável, mas sabendo também que pode ser igualmente destruidora. Fazendo deste pilar da emoção humana tema central, com a cannabis sativa e a celebração habitual da vida a serem partes importantes desta construção — tal como o afeto pela família e um incentivo a que vivamos sem medo, inseguranças e com orgulho —, este mergulho numa edição a solo é uma bela entrada na discografia de Zombie Juice, submergindo-nos num ambiente amoroso, envolvente e esperançoso.

A sequência de faixas está bem organizada e coerente, mas talvez se pudesse pedir mais uma ou duas para aumentar a variedade temática e musical do projeto. De qualquer maneira, é uma meia hora de música claramente feita com amor e brio, em que os colaboradores invitados fazem uma diferença maravilhosa: Curren$y traz o seu flow arrastado para a glorificação da marijuana em “Terpalation”; Col3trane assume um refrão meloso em “Hootz”, produzida por Powers Pleasant; os The Underachievers destacam-se pelo tom de superioridade em “Dizzy”; JGrrey aumenta os níveis de calor e canta carinho puro em “Fly”. Um cartaz hollywoodesco, praticamente.


[BackwoodzStudioz] High Bias

Não foi propositada a quantidade maioritária de hip hop nova-iorquino na rubrica deste mês, mas parece inescapável pelo número e pela qualidade de música que vem sido produzida na cidade mais populosa dos Estados Unidos da América. Entre um label sampler e uma mixtape com a curadoria de billy woods (descrição dada pela própria BackwoodzStudioz, que o próprio billy preside), High Bias é uma sinopse da elevada qualidade de produção que por lá tem nascido, uma compilação com faixas da autoria de Armand Hammer, Fatboi Sharif, E L U C I D, Cavalier, ShrapKnel, Breezly Brewin e do próprio presidente em batidas dos seus colegas de editora e habituais colaboradores externos: DJ Haram, Kenny Segal — que em maio se volta a juntar a woods em Maps; depois de Hiding Places, esperamos ansiosamente mais um peso-pesado —, Steel Tipped Dove, Sebb Bash, P.U.D.G.E, August Fanon e Messiah Musik. Se a dica que procuram é hip hop underground, alternativo e cerebral, de lírica complexa e críptica, com flows bizarros e trabalho de chop imaculado, é aqui que o vão encontrar, com 10 faixas que vão ser ímpares tanto dentro como fora do género, tal é a identidade única e particular que billy woods quer representar. As 500 K7’s de edição limitada esgotaram em menos de 20 dias, mas este é um daqueles que dá orgulho ter na coleção do Bandcamp.


[Swizz Beats] Hip Hop 50: Vol. 2

O segundo volume da série de EPs Hip Hop 50 (que vai ter 10(!) lançamentos), lançada como uma iniciativa da Mass Appeal para celebrar o 50º aniversário do hip hop — nascido a 11 de agosto de 2023 e que também está a ter direito a celebrações deste lado do Atlântico —, já rola sobre carris depois de Premier ter organizado a sua trupe no verão do ano passado. E deixa-nos mais uma vez com água na boca só a olhar para o elenco à mercê das suas seis faixas: Nas acende a primeira; Lil Wayne arma a confusão em “That Sh*t Right Here”; Benny The Butcher, Jadakiss e Scar Lip formam um contraste de gerações à terceira; Fivio Foreign e Bandmanrill brilham à boleia dos 808’s na quarta;  Lil Durk e A Boogie Wit da Hoodie representam a escola do trap em “Say Less”; e com Jay Electrónica a tocar-nos na alma numa despedida merecedora de continência. Batidas? Todas de Swizz Beatz. É preciso dizer mais?

pub

Últimos da categoria: Burburinho

RBTV

Últimos artigos