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João Branco Kyron

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O adeus a um incansável explorador sónico.

Bruno “Ardo” de Sousa (1973-2023)

O Bruno “Ardo” de Sousa partiu para outras aventuras no final da semana passada, 31 de Março, ditou assim a roleta cósmica que paira sobre a nossa existência, mas deixa uma obra musical assinalável e que importa enaltecer e divulgar.

A minha relação com o Bruno iniciou-se em 2019, a propósito do interesse dele nos Beautify Junkyards, e a partir daí tornamo-nos pen pals (de uma forma ajustada às novas tecnologias), com frequente partilha de música e ideias. O Bruno era gentil, inteligente e afável, e com o tempo fui percebendo que havia uma grande afinidade estética entre nós — éramos, como ele uma vez referiu, “almas coincidentes”. Uns meses depois, quando me enviou as primeiras gravações do seu principal projecto, Stellarays, fiquei agradavelmente surpreendido pela qualidade e maturidade que apresentava — a banda era formada pelo Bruno, a sua mulher Corinna, o seu filho Carlos e o seu amigo Alexandre Centeio.

A qualidade dos Stellarays cedo atraiu a atenção de editoras estrangeiras, que actuam no campo da electrónica mais experimental de cariz hauntológico e a banda viu o seu álbum de estreia, Cosmopollinators, ser editado em Agosto de 2021 pela conceituada editora britânica Castles in Space. Logo de seguida, em Outubro do mesmo ano, um 2º álbum, L’Orchestra Pop Le Stelle é editado em formato cassete pela Modern Avation.

Mas a história que o Bruno talhou vai muito além dos Stellarays. Começou a sua viagem enquanto multi-instrumentalista e musicólogo, integrando os Fé de Sábio, e de seguida criou a editora Forgotten Blood (1993), inspirada e focada no folclore, nas tradições pagãs, na música experimental, industrial e ritual. Os projetos e heterónimos são imensuráveis, contando sempre com a sua companheira Corinna e o seu círculo de amigos mais próximos — desde Zwickau (1994), Sangre Cavallum (1998), Bigorna (2004), à criação da editora Folcastro (2007), até Bailenda (2009), Stringähr (2013), Spy On Mars (2014), The Japanese Girl (2015) e La Vitorina (2018). Mais recentemente, o Bruno estava igualmente envolvido em projectos mais exploratórios, no cruzamento entre a electrónica, field recordings e spoken words, com destaque para o Atelier Radiofónico e Gravataria.

Como se toda a dinâmica criativa não fosse suficiente, Bruno e o seu companheiro Centeio, fundaram em 2021 a editora discográfica Prisma Sonora, com edições cuidadas em formato cassete e que somou uma dezena de discos no seu catálogo. Tenho a sorte de possuir a maioria das edições na minha colecção e recomendo vivamente que visitem a página da editora para ouvirem/conhecerem bandas e músicos muito interessantes (nacionais e estrangeiros).

Estavam lançadas as sementes para um futuro brilhante, que acabou por ser duramente interrompido, mas quero crer que o seu legado musical será assegurado pelos músicos que o acompanhavam de perto. Conversei com o Centeio no próprio dia e, no meio da tristeza da situação, parece claro que a energia irradiada pelo Bruno permanece entre nós e será impulsionadora de novas explorações sonoras, músicas e edições. Salve Bruno!


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