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Breeze Brewin

Hindsight

Matic Records / 2021

Texto de Rui Miguel Abreu

Publicado a: 12/02/2021

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Os manos Juggaknots deixaram marca na mesma mítica Fondle ‘Em em que Bobbito esculpiu história ao dar espaço a MF DOOM para lançar a sua Operation: Doomsday. Já o supergrupo (em todos os sentidos…) The Weathermen (que contou nas suas fileiras com uns tais de Tame One, El-P, Cage, Camu Tao ou Copywrite, entre outros) espalhou murros de ferro e rajadas de laser nos catálogos da Definitive Jux ou Eastern Conference. Selos que ajudaram, todos eles, a definir a era subterrânea do hip hop, antes da Internet ter nivelado o jogo, quando valia a arte pela arte. Em comum, Juggaknots e The Weathermen tinham o MC/produtor Breeze Brewin, figura discreta, que vestiu também a pele de Tariq no clássico A Prince Among Thives de Prince Paul e que resolveu, em bora hora, ressalve-se, oferecer-nos este Hindsight.

A ideia de “retrospectiva”, a visão sobre o passado que beneficia da experiência acumulada com o passar do tempo, anima Hindsight, trabalho independente em que Breeze reclama um lugar no presente, sem abdicar do seu patenteado flow monocórdico e da sua apetência por beats de recorte clássico, ou seja, sem procurar em momento algum dizer que é “moderno” ou “actual”. O “agora” só interessa como ponto de observação de uma vida que já tem lastro. Mas a verdade é que o presente que se define entre a agitação das águas causada pela Griselda e a tensão liricista forçada por estetas como Freddie Gibbs, Roc Marciano ou Ka, faz deste também o tempo de Breeze Brewin. Ainda bem.

Com beats carimbados por Sebb Bash, Black Milk, DJ Spinna, Marco Polo ou Maseo, torna-se claro que Breeze é tipo que comanda respeito dos pares de uma certa era. Ele mesmo produz um terço do álbum, incluindo a poderosa “Bumpy Johnson”, peça em que o franco-atirador que há em Breeze Brewin o faz parecer um daqueles agentes de elite que no campo de treinos acerta com as rimas em cheio em todas as figuras-alvo que representam bandidos e terroristas, ameaças, poupando os inocentes que também cruzam as ruas.

Muitas das rimas são exercícios de estilo, resultado daquele flow de consciência destravado em que o deleite é obtido quando as sílabas, mais do que o sentido, encaixam como legos, criando formas ultra-coloridas, ainda que potencialmente abstractas, como em “King Oxymoron”. Mas há também recados concretos: uma assertiva desmontagem do discurso divisivo de Donald Trump em “Devil’s Advocate” ou para a “indústria” musical em “The Application”, sobre a responsabilidade de ser um pedagogo (fica explicado o que tem feito da vida quando o microfone não o puxa) em “Taking Notes” ou para as cabeças mais próximas, como acontece em “The Uninvited”.

Breeze é mesmo uma lufada de ar fresco neste arranque de 2021, um veterano com provas dadas, com identidade vincada, com skills afinados pela experiência e pela fidelidade a uma visão, com garra nos dentes e arte na garganta. Na verdade, não precisa mesmo de mais nada.


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