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brakence

hypochondriac

Columbia /

Texto de Leonardo Pereira

Publicado a: 31/12/2022

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Dos álbuns que apontam em simultâneo para extremos opostos da vida, há poucos que o façam com precisão detalhada o suficiente para os fazerem parecer belos. É uma experiência que se reflecte muito em cada um de nós – quando a agonia, a tristeza do fundo do poço e a solidão isoladora são relatadas lado-a-lado com a euforia, a vaidade e a vontade por uma redenção. No final de contas, as partes mais memoráveis da vida, tanto para o bem como para o mal, são as que contém os extremos que são experienciados na primeira pessoa.

Em hypochondriac, o novo projecto de brakence, artista de Ohio que faz parte dos quadros da Columbia Records, a polaridade humana é explorada introspectivamente, contrastando com os potentes graves das batidas que o acompanham, recheados de glitches sónicos desformados, uma tendência para as guitarras que pertenceriam perfeitamente num disco de midwest emo, percussão orgânica insistente em avançar as narrativas e a seguinte exploração sónica. Há, também, uma abordagem à conceptualidade com uma voz feminina a titular as faixas e a contar pequenos pedaços de uma história com um tom que nos convence que, naquele momento, estamos a ouvir a sua parte mais íntima.

Vocais tanto rappados como cantados que tanto suam vulnerabilidade como bradam confiança e um alcance vocal maravilhoso, chegando a um tremer angustiante em “argyle” e engrandecendo-se corajosamente em “caffeine”, contando-se episódios românticos, artísticos, sobre doenças mentais e vícios mais comuns da sociedade contemporânea, a influência pesada das redes sociais e da Internet na saúde ou os períodos mais sombrios da vida em que a incerteza e a insegurança reinam sobre todos os minutos. Numa particularidade do disco, a bissexualidade do artista é exprimida inteligentemente numa troca irregular nos pronomes dos seus interesses amorosos, em que tanto está de coração partido por um homem como está completamente louco de amor por uma mulher.

Uma colecção de faixas com abordagens experimentais que vão a muitos lugares interessantes: brakence é um auto-proclamado “glitch pop perfectionist” e isso transparece claramente – as harmonias e a percussão leve soam a um disco de indie; os sintetizadores borbulhantes, os glitches e a modelação vocal lembram-nos PC Music; os 808s e as rimas podiam ter sido retirados de um disco de Future; o brio nos refrões e os momentos mais enérgicos do álbum levam-nos para um panorama de pop punk desenvergonhado. Muitas vezes, estas misturas são feitas numa só faixa, que estão magistralmente estruturadas e fogem à sequência natural de intro–verso–refrão–verso– bridge–refrão a que estamos habituados na fórmula, oferecendo-nos beat switches e transições dentro de faixas com samples vocais acompanhados de sintetizadores etéreos ao longo do projecto. Uma variedade de pratos para todos os gostos, e para quem aprecia muitos sabores é uma refeição completa.

Levantam-se questões sobre o melodramatismo nas letras do disco – o catatrofismo às vezes parece exagerado e há uma edginess que não será para todos os ouvintes, mas entende-se a intenção – mais uma vez, os extremos a serem representados.  Num disco que é, claramente, filho da Internet e das misturas cada vez menos óbvias, brakence encontra sucesso a exprimir sem receio os seus pontos mais baixos e com uma arrogância convincente os seus pontos mais altos. Um artista a acompanhar pela proficiência na produção, pelo mundo que criou através da sua música e pela honestidade brutal a mandar cá para fora os seus sentimentos.


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