[TEXTO] Moisés Regalado
Patrão que é patrão não descansa. Pelos vistos, o mais recente EP de Boss AC, à boa maneira old school, foi lançado como parte de algo maior. Curiosamente ou não, “Queque Foi” e “É Pa Ganhar”, temas que ditaram o tom de Patrão, não alinharam em A Vida Continua… — “As Coisas São Como São”, “O Verdadeiro” e “A Vida (Ela Continua)” voltam a fazer parte da tracklist.
Depois de se provar, uma vez mais, como o artista de relevo que sempre foi, o Mandachuva voltou para fazer um simples disco de rap. Até porque a vida continua, mote que começou como tributo póstumo a DJ Bernas e que rapidamente se assumiu como base deste novo trabalho, livre da pressão ou dos constrangimentos a que obrigaram os exercícios de ego do EP anterior.
A Vida Continua… é um disco de rap genérico, no sentido mais positivo do termo, sem nunca deixar de ser um disco de Boss AC. Há tempo e espaço para temáticas tipicamente rap — e que remetem para os primórdios do hip hop “tuga” –, como “Diabo Na Terra” ou “A Bala”. “O Mundo É Meu E Teu” afirma-se como o momento romântico da praxe, e “Dá-me Atenção”, com Ella Nor, recupera o típico ambiente do r&b português.
As aguardadas homenagens às ilhas de Cabo Verde chegam sob a forma de “Si Propi” e “Catchupa Sab”, com a participação de Zacky Man e Mr. Marley, familiares de AC, que juntos formam a dupla Supa Squad. Os músicos de dancehall, figuras emergentes mas cimeiras do movimento reggae nacional, voltam a marcar presença em “Portas E Janelas”, sem nunca recorrer ao idioma inglês que lhes tem caracterizado a carreira.
Os seus dotes de liricista ou produtor já não surpreendem, o que será praticamente irrelevante a partir do momento em que as suas palavras e sequências de samples aquecem tanto como em 1998, ano em que AC se estreou a solo. A manutenção da identidade é, mais do que nunca, um louvor superior a qualquer piscadela de olho às tendências, e homenagens como a de “Bernas” não estão, feliz mas infelizmente, ao alcance de qualquer um.
Boss AC já não é um dos melhores MCs portugueses, isto se a avaliação remeter apenas para aqueles dois ou três que conseguiriam competir com os mais afiados rappers internacionais. Mas sem nunca esquecer que Boss já foi, de longe e sem discussão, o melhor tecnicista lusitano, só pode ser bom que se mantenha igual a si mesmo.