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Fotografia: I Want More Live
Publicado a: 16/10/2025

Quando o palco vira trincheira.

Bob Vylan no Lisboa ao Vivo: meditação punk

Fotografia: I Want More Live
Publicado a: 16/10/2025

Na passada quinta-feira, 8 de outubro, a Sala 2 do Lisboa ao Vivo (LAV) tornou-se o ponto de encontro entre o caos, a convicção e a catarse. Bob Vylan, a dupla britânica que tem desafiado fronteiras entre rap, punk, grime e eletrónica, fez a sua estreia em solo português — e ninguém saiu ileso.

Antes da tempestade, Scúru Fitchádu abriu a noite com a sua fusão disruptiva de funaná e punk. Gritos, ferro, groove e distorção — uma descarga que testou os limites do PA e preparou a sala para o que viria. Na plateia, caras conhecidas, keffiyehs e bandeiras da Palestina já antecipavam o tom político da noite.

Pouco depois, entra em palco um homem de cabelo grisalho e sorriso tranquilo, com um ar entre James Gunn e Pedro Tochas. Só a seguir é que ficou esclarecido que este homem era afinal Jorge Felizardo, ex-baterista dos Primitive Reason e agora tour manager da banda e promotor do evento através da sua I Want More Live. É ele quem anuncia a entrada do grupo — um gesto simbólico, vindo de alguém que sempre acreditou no poder alternativo da música.

As luzes descem. Entra Bobby Vylan, acompanhado por Bobbie Vylan, e o tom muda. “Como é hábito, começamos com uma pequena sessão de alongamentos e meditação guiada”, avisa o vocalista. Dito e feito: som ambiental, luz baixa, respiração guiada, alongamentos reais. O público observa, meio intrigado, meio rendido. E então — boom! — explode “Down”, o primeiro grito coletivo da noite.

Atrás deles, o ecrã projeta o icónico lema “Bob Vylan is Killing Punk Rock”, que vai mudando a cada tema, transformando-se em comentário social, provocação e punchline. Logo a seguir, Bobby apresenta a dupla: “We go by many names, including: The Most Important Band in Britain, Two Bobs in a Pod, The Cutest Band in Punk Rock, The Slam Dunk Mafia, The Metallica Murderers and the Fred Perry Mafia – respect the wreath!” Riso, energia e cumplicidade, mas o peso não demora a chegar.

Em “GYAG – Get Yourself a Gun”, dedicado a Chuck D dos Public Enemy, nasce o primeiro mosh. “Take That”, que sampla “Cubik” dos 808 State, mistura Manchester e Londres, techno e protesto. Em “Dream Big”, Bobby pára para discursar: “Somos donos dos nossos masters e do nosso publishing. Lançamos tudo na nossa label [a Ghost Theatre]. Nunca precisámos de uma major. Se nós conseguimos, vocês também!” O público vibra, pois sente a genuinidade da afirmação — é punk, e tem um propósito.

A meio, surge o tópico sobre o episódio de Glastonbury. “Não sei se há jornalistas aqui ou não, não pretendo me estender muito sobre este assunto, pois não quero dar-vos um soundbyte”, diz Bobby, com ironia. O público reage com vaias aos media e ele sorri. Há crítica, mas há também consciência: as câmaras estão sempre ligadas e os Bob Vylan sabem usá-las melhor do que ninguém, como foi o caso em Glastonbury, com a BBC e o Youtube.

A mensagem política é uma constante ao longo do concerto. Bandeiras palestinianas no ar, punhos erguidos, slogans diretos: “Free Palestine!”, “Death to the IDF!” A mensagem não é decorativa — é mesmo o coração do espetáculo. O público português, em sintonia, responde com intensidade. Entre caos e clareza, há espaço para revitalizar a alma. Um momento instrumental com Roy Ayers e o seu “Everybody Loves the Sunshine” em versão drum’n’bass, que leva um blend incrível com “Ring The Alarm”, cruzando a luz e o groove de uma com a carga política e a descarga energética da outra.

De “Northern Light” a “Wicked & Bad”, há humor e empatia, mas também muita vontade de descarregar aquela energia acumulada em mais um mosh. “I got my eyes on you”, avisa Bobby, de sorriso cúmplice, enquanto vigia o mosh pit. Pelo meio ainda surge um momento “inesperado”, onde Bobbie reflecte sobre a ascensão da extrema direita na política e refere que está a par de um partido em Portugal, o qual ele não se atreve a dizer pela questão da linguística, mas que sabe que se traduz literlamente para “enough” e que esses partidos/pessoas querem sempre algo mais — “it’s never enough” — até eventualmente culminar na extinção de alguns dos nossos direitos básicos. Refere também que o mesmo se passa no Reino Unido e que os Bob Vylan continuarão a utilizar a sua voz e plataforma para lutar e denunciar este tipo de extremismos.

Logo depois, uma pausa para troca de impressões entre Bobby e Bobbie, que anunciam que decidiram tocar um exclusivo, o novo single “Sick Sad World” — que chegou às plataformas na passada sexta-feira. A multidão grita, os Bobs sorriem. Antes do final, os dois cruzam olhares e voltam a dialogar em privado: “O Bobbie quer tocar algo novo, mas eu não queria muito, nem sei bem a letra! Que acham?”, pergunta ao público, que reage em êxtase com o facto de terem dois exclusivos na mesma noite. O som é brutal e deixa a certeza que este será o próximo grande êxito da dupla — pela letra ouvida, meto as nossas fichas em “Slam Dunk” ou “PTSD” como possível título. Para a reta final ficou “Hunger Games”, que fecha o concerto num tom catártico e pessoal — um soco emocional envolto em feedback.

Quando o silêncio regressa, há corpos suados, copos partidos e uma sensação coletiva de libertação. O que ficou em palco foi mais do que música; foi discurso, confronto e energia política destilada em decibéis. Bob Vylan não vieram agradar: vieram lembrar que o punk ainda tem propósito, tem mensagem e continua disruptivo; que a independência artística é resistência e que o palco ainda pode ser uma trincheira.

Saímos do LAV com os ouvidos a zumbir, o corpo dorido e a cabeça cheia. De toda esta barafunda fica uma certeza: o punk está vivo, fala inglês com sotaque britânico, tem um coração cheio de bondade e um microfone carregado de verdade.


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