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Publicado a: 20/11/2015

Bob Moses: “Conversar pode ser bom quando nos sentimos perdidos, mas um bom disco também pode ajudar”

Publicado a: 20/11/2015

[TEXTO] Bruno Martins [FOTO] Direitos Reservados

 

Tom Howie e Jimmy Vallance são dois amigos unidos na música pelo destino. Podia perfeitamente não ter acontecido: sabem aqueles amigos que conhecem de vista do liceu, mas que em Julho, quando saem as últimas notas nas pautas, nunca mais lhes põem a vista em cima? Era suposto ter sido assim com estes dois músicos de Vancouver, Canadá. Quis o fadário que, passado uns anos, se cruzassem num parque de estacionamento na imensa Nova Iorque com a tremenda vontade de fazer música.

Nasceram assim os Bob Moses – nome de um icónico baterista de jazz, mas que, neste contexto, é uma espécie de figura mítica criada pelos dois, “um super-herói que não usa capa”. Um projecto que serve para unir duas almas de interesses diferentes, mas com a habilidade de unir as influências de escrita de canções da maneira pop mais orgânica – Tom confessa as influências de Beatles, “que além de escreverem canções adoravam trabalhar em estúdio” – com a electrónica experimental downtempo que se estende até ocasionais referências deep house. Foi há meia década que se re-cruzaram num parque de estacionamento da “Big Apple” e, depois de alguns EP e mixtapes, estreiam-se em disco com Days Gone By, com o selo da Domino Records.

Esta conversa com Tom e Jimmy acontece por ocasião da vinda a Portugal de Bob Moses, A dupla actua esta hoje na discoteca Lux, em Lisboa.


Conheceram-se em Vancouver, a vossa cidade Natal. Mas isto de fazer canções só começou a acontecer uns anos mais tarde, quando se cruzam em Nova Iorque.

[JIMMY] Sim. Nós estudámos no mesmo liceu, mas nem éramos grandes amigos nem fazíamos parte dos mesmos grupos. Basicamente tínhamos aulas juntos. Passados uns anos mudámo-nos então para Nova Iorque e, por acaso, encontrámo-nos no parque de estacionamento numa loja de ferragens e restabelecemos contacto. A verdade é que começámos a trabalhar e a fazer música em conjunto, mesmo tendo gostos diferentes: eu vinha de um universo mais próximo da electrónica e DJing, enquanto o Tom tinha uma ligação maior ao estilo de cantores e compositores, numa banda e a tocar guitarras.

E mesmo assim já sentiam que dava para trabalhar em conjunto?

[JIMMY] Sim. Essa era música que fazíamos em separados, mas a música que ouvíamos era a mesma. Gostávamos das mesmas canções, das mesmas bandas e dos mesmos discos. Por isso não foi difícil chegar a uma ligação musical.

Quais foram as ideias quando começaram a compor juntos em Nova Iorque? Unir os dois universos?

[TOM] Sim, eu estava farto de estar preso à fórmula das bandas, de escrever canções só para aqueles formatos. E o Jimmy também: ele era DJ, fazia algumas colaborações, mas estava entediado a faixas de dance sem grande substância. São como aqueles sabores especiais do mês que podemos escolher nas lojas de gelados: têm pouca longevidade e por isso tem de aparecer um novo sabor por mês. Estávamos ambos frustrados com o que fazíamos. Tocar por conta própria é fixe, mas queríamos alguém para nos ajudar. Quando nos encontrámos em Nova Iorque foi muito bom, com uma dose de serendipismo. Queríamos ambos fazer algo que tivesse uma boa componente de escrita de canções, mas que também fosse divertido de tocar e trabalhar em estúdio.



Como é que funciona o processo de composição? Separam as águas? O Tom com a escrita de canções e o Jimmy fica com os beats?

[JIMMY] Se fosse assim, creio que não soava tão coeso como soa. Fazemos ambos tudo. Eu não consigo cantar, mas sei fazer melodias. E o Tom também consegue sacar melodias. É uma espécie de trabalho de 50-50.

[TOM] Partilhamos o trabalho. Às vezes começo eu a fazer um beat e o Jimmy torna-o melhor. Mas estamos ambos envolvidos no processo a 100 por cento. Eu não vou para longe escrever canções e depois mando ao Jimmy para compor a melodia. Há guitarras tocadas por mim, outras pelo Jimmy, ou pianos tocados por um e depois pelo outro. E no fim sentamo-nos os dois em frente ao computador a escolher baterias e a editar tudo.

O resultado acaba por ser uma mistura orgânica da voz e letras do Tom com uma sonoridade meio deep house, eloquente, poética e introspectiva. Tem sido assim desde que começaram a editar EPs?

[TOM] Acho que sim. Somos dois gajos muito pensadores (risos). Estamos sempre a olhar para o mundo, a tentar perceber porque é que as coisas são como são, ou acontecem dessa forma. Acho que usamos a nossa música e as nossas canções para perceber o nosso mundo e exprimir-nos. Conversar pode ser fixe quando nos sentimos perdidos, mas pôr um bom disco também pode ajudar. Podemos até nem saber quem é o artista, mas com o som certo, dito da forma correcta, ajuda a deixar tudo fica mais claro. A música tem sido uma grande ajuda para os dois. Se conseguirmos prestar essa ajuda a outras pessoas com a nossa música é um objectivo cumprido. Por isso é que tentamos escrever algo que faça sentido para nós. É um bocado inútil estar a escrever uma música sobre a vontade de comer doritos e ir à loja comprar um maço de cigarros. Ninguém quer saber dessas merdas.

As pessoas que ouvem a vossa música têm-vos dito isso?

[JIMMY] Completamente! Ao vivo vemos as pessoas a dançar e também a cantar. Queremos que se divirtam, mas também queremos que sintam alguma coisa e que consigam tirar uma mensagem positiva.

[TOM] Essa parte do cantar connosco é muito importante. Uma sensação muito boa que existe nesta cultura da música de dança é sentir que és parte de alguma coisa. Sobretudo quando surge aquele beat especial e tu partilhas esse momento com um conjunto de pessoas. Poder ter letras, palavras, no meio desses beats, no meio dessas energias é incrível.


 


Days Gone By, o vosso disco de estreia, é editado pela Domino Records. É bom ter o vosso primeiro trabalho a ser editado pelo selo de nomes como Hot Chip, Jon Hopkins ou Caribou?

[JIMMY] É muito bom. O Jon Hopkins fez há uns meses uma residência na BBC Radio 1 e a segunda faixa que tocou foi nossa! [“Interloper”] Uma das razões para termos assinar com a Domino foi mesmo ver que trabalhavam com o Four Tet, Caribou… Mas também têm lá os Arctic Monkeys ou Franz Ferdinand. Não são uma editora que só sabe fazer uma coisa: vão da electrónica, ao rock, ao indie… têm artistas incríveis. Não é tanto poder andar a tocar com essa malta, mas é mais poder trabalhar com alguém que percebe o que estamos a fazer e que sabe levar a música a quem a quer ouvir.

Os Bob Moses tanto trabalham com guitarras como com sintetizadores. Querem-nos contar como está apetrechado o vosso estúdio?

[JIMMY] Adoramos guitarras, sim. Estão em quase todas as faixas, porque é um instrumento que tem algo de muito orgânico. E quer queiram quer não, não se pode fazer um MIDI de uma guitarra. É quase como cantar: tem um som único que varia de pessoa para pessoa.

[TOM] Sim, concordo. É um instrumento muito versátil. Também há muitos pianos porque são ambos instrumentos que fazem muito parte do nosso processo de composição, mesmo que se pareçam faixas próximas do universo do clubbing. Depois, nas baterias, temos pequenas drum machines que temos e que usamos. Neste disco usámos muito a Machine [Native Instruments].

[JIMMY] Temos um piano electrónico, um MK II da Rhodes, que tem um som incrível! Já usavam isto nos tempos da Motown. Tem um som quente.

[TOM] Há uma história que nos marcou muito. Há uns dois anos fomos convidados para ir tocar a um festival de música electrónica em Amesterdão. Chegámos ao aeroporto e meteram-nos no mesmo carro com o Mr. G, o produtor. Começámos a falar, a fazer-lhe muitas perguntas, por ele ser muito experiente, e porque estávamos a começar a gravar o disco. Ele deu-nos esta dica: “Não se ponham a comprar carradas de material. Comprem umas cenas de que gostem, uma ou duas máquinas, aprendam a trabalhar bem com elas. Se comprarem muita coisa, perdem-se num mundo de sintetizadores e perdem a coesão do som.” Foi o que fizemos. Usamos o mesmo equipamento em quase todas as mesmas canções. Felizmente também já conseguimos perceber qual é o som que queremos e não vamos para muito longe disso, pelo menos neste disco.

 

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