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Fotografia: Direitos Reservados
Publicado a: 03/11/2025

Estatuto inabalável.

Bob James no Auditório de Espinho: a elegância intacta de uma lenda

Fotografia: Direitos Reservados
Publicado a: 03/11/2025

Na passada sexta-feira, 31 de Outubro, a Auditório de Espinho – Academia recebeu um nome lendário do jazz de mais amplo apelo público: Bob James. Aos 85 anos, o pianista, arranjador e compositor norte-americano apresentou-se com a serenidade e a mestria técnica que sempre o distinguiram, confirmando um estatuto de raros paralelos — o de quem atravessou seis décadas de estúdios e palcos, desde os tempos dourados da CTI Records até à consagração como um dos arquitetos do smooth jazz, epíteto a que ainda assim resiste.

Descoberto por Quincy Jones no início dos anos 60 e celebrado tanto como arranjador quanto como líder, Bob James sempre se moveu num território de equilíbrio entre a sofisticação harmónica e a acessibilidade melódica. A sua música — e em particular os primeiros álbuns One e Two — deixaram uma marca indelével no jazz de fusão e inspiraram de forma profunda o hip hop: samples retirados de clássicos como “Nautilus” ou “Take Me to The Mardi Gras” e outros momentos-chave da sua ampla discografia, adornaram discos de artistas tão diversos quanto Run-DMC ou Ghostface Killah e até Sam The Kid, que, por curiosa coincidência cósmica, se apresentou na mesma noite em Lisboa, interpretando com orquestra o seu álbum Beats Vol. 1: Amor, precisamente o registo em que a influência de Bob James bem se faz sentir.

Em Espinho, a actuação abriu com “Choose Me” e revelou desde logo o essencial: o toque cristalino, a fluidez do fraseado e um sentido de balanço que continua assombroso. Seguiram-se clássicos como “Feel Like Making Love” (de One), “Night Crawler”, “Moving Forward”, “So Much in Common” (tema que gravou com Earl Klugh), “Secret Drawer” e “The Alchemist” (ambos do recente Jazz Hands), “One Afternoon” e “Topside” (do álbum que editou com o seu trio em 2018), “Westchester Lady” (talvez a melhor peça do concerto, em toda a sua angular expressividade) e, inevitavelmente, “Angela”, o tema que o tornou conhecido junto do grande público por ter sido usado no filme Taxi.

A interação entre os músicos — Andrey Chmut no saxofone, Michel Palazzolo no contrabaixo e James Adkins na bateria — foi imaculada. O trio mostrou-se coeso, atento e comunicante, com o saxofonista a trocar ideias melódicas certeiras com o piano, e o baterista a destacar-se como o motor rítmico da noite — dono de um pulso firme, pleno de swing e capaz de grandes doses de funkyness. Cada músico teve o seu momento de brilho, mas sempre ao serviço da construção colectiva.

Se a opção de evitar o mais óbvio repertório dos dois primeiros álbuns — os mais celebrados pela comunidade hip hop — terá deixado alguns nostálgicos (o autor destas palavras incluído) à espera de “Nautilus” ou “Take Me to the Mardi Gras”, o alinhamento centrou-se um pouco mais na actualidade, projectando dessa forma a vitalidade de um artista que ainda cria, grava e surpreende. Houve, por momentos, uma deriva para o território “smooth”, mas nunca gratuita: antes um prolongamento natural de um som que James ajudou a definir e que, não sendo do agrado de todos os presentes, é certamente o feito por que o senhor James é mais aplaudido por todo o mundo, incluindo bares de hotel e resorts para gente a gozar as suas certamente merecidas reformas (lá chegaremos um dia… talvez).

Como se escreveu na revista DownBeat a propósito de Feel Like Making LIVE!, disco ao vivo com o seu trio, lançado em 2022, James “ainda possui a técnica e os impulsos necessários para dar novo brilho a alguns clássicos intemporais, alguns deles seus”. E em Espinho isso ficou patente em cada momento. O seu toque conserva aquele brilho aveludado e uma economia de gestos que revela não apenas virtuosismo, mas sobretudo sabedoria musical. O Financial Times observou que James oferece “grooves polidos — mas com mordida”; e foi precisamente essa combinação entre elegância e firmeza rítmica que o público de Espinho testemunhou.

Particularmente notável foi a destreza pianística de Bob James — uma proeza física e mental aos 85 anos. O piano é um instrumento exigente: pede força, resistência e precisão motora, virtudes que o tempo raramente preserva intactas. No entanto, James exibiu uma nitidez de ataque e uma leveza digital surpreendentes, mantendo o controlo total sobre dinâmicas, pedais e articulação. Cada frase soava ponderada e viva, sustentada por uma mão esquerda que continua a pulsar com uma segurança impressionante. A lucidez técnica e o domínio do tempo demonstraram que a idade, no seu caso, é apenas uma marca e não um obstáculo.

E por tudo isso, o público recompensou o espetáculo com uma generosa ronda de aplausos, prolongada e entusiástica. No final, Bob James retribuiu o carinho, recebendo os fãs no seu camarim para assinar discos e figurar numas quantas selfies — um gesto de generosidade e humildade que coroou uma noite de grande música e emoção.

Resumindo: Bob James provou que a lenda não dorme. O seu pianismo mantém-se de uma clareza luminosa, a sua arte continua a unir gerações e a sua presença em palco é, ainda hoje, uma lição de elegância — e de resistência.


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