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Texto: Paulo Pena
Fotografia: Sara Alvarrão
Publicado a: 07/05/2020

Star Wars, SP Deville e metáforas.

Bob Da Rage Sense: “O mundo precisa de um ponto de equilíbrio”

Texto: Paulo Pena
Fotografia: Sara Alvarrão
Publicado a: 07/05/2020

Em fim de confinamento obrigatório, no “may the fourth”, Robbie Wan Kenobie, outrora (e ainda) conhecido por Bob da Rage Sense, saiu à rua para contar as suas aventuras, numa saga de nove capítulos totalmente produzida por SP Deville (que também empresta a sua voz em várias ocasiões) e com participação de Laton.

Inspirado no universo Star WarsAs Aventuras de Robbie Wan Kenobie marca o regresso de Bob aos discos, após a edição de Ordem Depois do Caos, em 2014. E “Por Trás de uma Parede Branca”, falámos com Robert Montargil acerca deste regresso do Jedi. Que a força esteja convosco!



Antes de mais, como tens vivido estes tempos? Ainda estás em Londres, certo?

Na verdade, neste momento estou em Portugal. Tive de sair de Londres antes da confusão começar, antes do caos todo. Estou em Portugal desde 21 de Março. Mas eu continuo a viver em Londres, só estou aqui até a pandemia passar.

Apesar desta situação afectar obviamente qualquer artista, como perspectivavas lançar e promover este novo álbum estando em Londres?

Para mim não é assim tão complicado o facto de estar a viver fora. A minha vida é bastante flexível. Aliás, eu venho a Portugal muitas vezes, e estou sempre em contacto com a minha manager, que trata da maior parte dos assuntos burocráticos, assim como a distribuidora. Neste momento não tenho uma label fixa. Estou numa pequena que a minha manager criou para poder fazer lançamentos de alguns artistas. Mas o que eu estava a perspectivar para este álbum era praticamente igual a como se estivesse cá. Fazia-se a distribuição digital e as edições físicas, seria basicamente isso.

E em termos de concertos?

Sim, claro. Em termos de concertos, todos os anos tenho sido convidado para fazer pelo menos uma coisa ou outra. Até porque também já não lançava um álbum há seis anos. Por isso, sempre que tenho de fazer um concerto ou participar num festival, ou algo parecido, venho cá. Como disse, tenho uma vida flexível, então é fácil. É só comprar o voo e venho. Estou a duas horas e meia de Portugal, não é como se estivesse no Brasil, em Angola ou Moçambique. É quase como se estivesse a viver no Porto, por exemplo. Se tiver de vir a Lisboa, venho. Nesse sentido, apesar de gostar muito de viver em Londres, e de não pensar voltar para cá, se tiver de vir e houver essa disponibilidade, venho com todo o gosto.

Em 2015, numa entrevista ao Curto Circuito, dizias em relação ao Ordem Depois do Caos que o teu próximo álbum talvez fosse o último. O surgimento do Robbie Wan Kenobie é o fechar desse capítulo ou o início de um novo ciclo?

Eu acho que é o início de um novo ciclo, porque, nessa altura, quando me referia a lançar um último álbum, sinceramente, estava numa fase (e acho que todos os artistas passam por esses momentos) em que não me sentia inspirado para produzir. Não queria voltar a fazer música tão cedo. Mas as coisas vão mudando com o tempo, e vamos ganhando novas perspectivas absorvendo outras coisas. E ter ido para Londres mudou-me imenso, porque deu-me a possibilidade de estar ligado a outras culturas que me inspiram. Eu adoro Portugal e sempre vivi em Lisboa, mas estava a tornar-se num espaço muito limitado para mim. Sentia necessidade de procurar mais, uma coisa mais ampla a nível cultural e social.

Nesse aspecto, Londres deu-me perspectivas completamente diferentes de coisas que eu podia fazer, e de certos patamares que podia atingir como artista e pessoa. Mas mesmo não tendo um projecto em vista, sempre tive muita coisa escrita. Tenho letras que davam para quatro ou cinco álbuns, sem exagero. E neste álbum tenho recebido feedback de algumas letras que têm mais de cinco anos, e que só estão a sair agora.

Por isso, sim, é o início de um novo capítulo. Queria dissociar-me um bocado do Bob Da Rage Sense, porque há certas nuances neste meu heterónimo que já não fazem muito sentido para mim, hoje em dia. Foi isso que me levou a criar a nova personagem, Robbie Wan Kenobie, que era algo que queria fazer há muito tempo. Sempre fui fã de Star Wars e quem me tem acompanhado nas redes sociais já sabe há anos deste nome. Nessa linha, é o início de um novo capítulo como Robbie Wan Kenobie,e não tanto como Bob Da Rage Sense.

Mais do que uma homenagem à saga Star Wars, quais foram as motivações por detrás deste disco?

É engraçado. Este álbum tem muitas referências ao Star Wars, mas é de salientar e ter em conta que tudo o que abordo sobre esse universo são metáforas. Eu tenho absorvido muita coisa, e tenho estado, como sempre, atento ao que se tem passado. E este álbum reflecte um sentimento que tenho tido nos últimos anos. O facto de a indústria musical estar a sofrer mutações fortes e graves. Descrevo isso na faixa com o Laton, “O Equilíbrio da Força”, e também na música “Dark Side” com o SP, nas quais abordamos esses temas. É toda uma insatisfação, uma guerra, que tenho tido nos últimos anos, e decidi não bater de frente, não ser tão directo. Apesar de ter uma escrita bastante cuidada – sempre tive cuidado com a minha escrita, com as minhas letras – decidi encriptar tudo em metáforas para não chocar frontalmente com certas entidades ou pessoas.

Além disso, Londres tem-me inspirado imenso. Há cultura em cada esquina, e eu podia escrever sobre essas coisas que me inspiram todos os dias. Mas essas pequenas coisas inspiraram-me a criar esta analogia e a dar mais ênfase ao meu lado criativo. É tão natural que nem sei traduzir bem isso por palavras.

A tua discografia, entre vários assuntos, sempre abordou o estado do hip hop português. Partindo da faixa “À Moda Antiga (Uma Nova Esperança)”, qual é a tua opinião sobre o rap nacional actual?

Eu tenho um sentimento ambíguo em relação ao estado do hip hop em Portugal. Para mim, é uma dualidade. Há grupos novos que eu admiro e respeito, mas o que sinto é que ainda há muita gente com coisas boas para dar, inclusivamente MCs da minha geração. O problema é que as pessoas responsáveis pela divulgação do hip hop em Portugal, no geral, têm sido bastante selectivas na divulgação dessas informações. Posso dar o meu exemplo específico. Ao longo dos anos fui fazendo álbuns com o cuidado de os tornar intemporais, e é esse o feedback que tenho sentido das pessoas que ouvem as minhas músicas. E apesar de eu não ter (nem pronunciar) essa opinião sobre mim, as pessoas, os fãs, por vezes, referem-se a mim como uma das maiores referências a nível lusófono, desde o Brasil a Moçambique. Mas depois o que sinto é que não há uma abertura nos meios que divulgam o hip hop actualmente, da mesma forma como fazem a alguns artistas da minha geração que aparecem constantemente nos media, e não há esse reconhecimento para outros. Mesmo quando um artista não lança álbuns, não deixa de ser relevante para o hip hop nacional.

No meu caso, a minha música sempre transcendeu Portugal. Vendi muito fora do país, nomeadamente em Angola, Brasil, Moçambique. Ainda assim, sinto-me, de certa forma, excluído pelos media actuais. Isto porque fruto deste boom das redes sociais, dos “likes”, das visualizações, a arte passou para segundo plano. O single “À Moda Antiga” veio explicar um pouco isso, o sacrifício que andei a fazer estes anos todos para tornar a minha música intemporal, e para inspirar pessoal da nova geração. Por exemplo, o caso dos GROGNation: fui o primeiro contacto deles no hip hop. Apresentei-os ao Sam The Kid, ao Sir Scratch. Levei-os a estúdio. E tenho muito orgulho no sucesso deles. No caso da AMAURA, igual. Sempre tive esse interesse por cenas novas, e por divulgar artistas novos. É isso tudo que eu refiro no “À Moda Antiga”.

É a questão do negócio da música por oposição à música propriamente dita…

Claro. Por exemplo, nos EUA tens nomes como os Migos e outros na onda do trap. Mas o Nas continua a ser o Nas, continua a ser referenciado por toda a gente. O Jay-Z não é um rapper fácil, como talvez o Drake (não que seja mau) que tem aquelas melodias mais “fáceis”, mas continua a ser referenciado. Desde os A Tribe Called Quest ao Common, continuam a ser referências. E na altura, antes das redes sociais, em que todos lançávamos os nossos álbuns ao mesmo tempo, fosse o Sir Scratch, o Sam ou o Valete, havia espaço para todos. Saíam os nossos álbuns todos de seguida e não havia exclusão de partes. E sinto alguma exclusão, hoje em dia, principalmente devido a esta sonoridade trap mais consumida. É como se o rap na sua verdadeira essência deixasse de ser válido.

Mas são ciclos, e a história ensina-nos isso. As skinny jeans e os ténis coloridos já se usavam nos anos 80, e agora voltaram. É tudo cíclico. Agora, o que me deixa apreensivo em relação a esses meios de comunicação social actuais é que há certas pessoas que continuam a fazer cenas, a trabalhar. Não pararam. E por uma questão de justiça cultural, as coisas podiam ser diferentes em termos de divulgação. Temos os Wet Bed Gang, mas também temos o SP. Continuamos a fazer coisas relevantes, e ninguém parou de trabalhar.

Voltando ao teu álbum, a faixa “Por Trás de uma Parede Branca (Reflexões Durante o Isolamento em Tatooine)” estabelece um paralelo com o confinamento que temos vivido, ou refere-se a uma outra situação da tua vida?

Sim, essa letra é recente, e é sobre esta situação em específico. Há muitas coisas que têm vindo a acontecer desde o ano passado e do início deste ano sobre as quais tenho estado super atento.

A metáfora de “reflexões durante o isolamento em Tatooine” refere-se ao planeta onde o Obi-Wan Kenobi esteve exilado para estar mais perto do Luke Skywalker, na altura em que estava a ser educado pelos pais adoptivos, e traduz as reflexões que tenho tido neste isolamento e não só. Sou uma pessoa naturalmente solitária, introspectiva. Não saio muito, passo a maior parte do tempo em casa a ler, ver filmes, ouvir música, escrever. Fora deste isolamento social que estamos a viver, isto é a minha rotina normal. Quando não estou a viajar, ou em Londres a visitar museus e exposições de arte, que é um dos meus grandes interesses também, estou em casa.

A “Dark Side” é a minha favorita. Este projecto é mais um marco na tua luta contra o lado negro da força, ou é um desabafo fruto do teu afastamento propositado?

A minha perspectiva é a da luta, sempre. Sempre fui uma pessoa assumidamente contestatária, desde o meu primeiro trabalho. E sempre fiz questão que esse fosse o ponto mais relevante dos meus álbuns, como referiste nas perguntas anteriores. Esta é mais uma luta, mas também uma forma de desabafo, obviamente. A título de exemplo, na faixa com o Laton, “O Equilíbrio da Força”, o que transmiti foi o desabafo mais honesto e sincero possível. Hoje, o mundo não precisa de conceitos, de manifestos, para justificar a falta disto ou daquilo. O mundo precisa é de um ponto de equilíbrio. É essa a minha visão enquanto pessoa. E, principalmente, as pessoas vivem na ilusão da evolução. Só que a evolução é uma faca de dois gumes – também pode ser negativa. E o que nós estamos a viver, de um modo geral, não é positivo. Há mais preguiça intelectual agora. Antes de toda esta tecnologia, havia uma preocupação em criar meios para haver cultura, arte. Havia essa criatividade naturalmente. O álbum, no geral, veio lutar contra esse tipo de mentalidade e, ao mesmo tempo, desabafar pequenas frustrações pessoais que tenho tido durante estes últimos anos.

Qual é a faixa que te diz mais deste disco?

“O Equilíbrio da Força”, sem dúvida alguma. À parte das restantes faixas, que são mais genéricas e viradas para a sociedade, essa é a mais pessoal. As minhas músicas favoritas feitas por mim são as mais pessoais, e esta mostra o que eu tenho estado a sentir e a viver. Há muita gente que não tem noção disso, mas tem sido um jogo de cintura manter esse equilíbrio. Além disso, não trabalhava com o Laton há mais de 10 anos. A última vez que trabalhámos juntos foi no Diários de Marcos Robert, em 2009, em que ele produziu. Entretanto ele enveredou por outro estilo, até porque sempre foi ecléctico. E quis voltar a trabalhar com ele de há uns anos para cá, só faltava encontrar a faixa certa. Nós temos uma cumplicidade enorme, e quando lhe mandei a demo desta, ele gravou o refrão instantaneamente e mandou-me logo na mesma hora. Também gosto muito da “Dark Side”, o verso do SP está incrível, fora os outros refrões e a produção no álbum, mas a que eu mais me identifico é “O Equilíbrio da Força”.

Para terminar, o que reserva o futuro para este “novo” Robbie Wan Kenobie?

Vou ser sincero, já pensei em começar a fazer músicas novas desde segunda-feira, quando o álbum saiu. Posso dizer que fui apanhado de surpresa, porque nunca faço expectativas de nada. Aquilo que vier, para mim, vem de bom grado. E a verdade é que tenho recebido feedback de pessoal, por exemplo, do Brasil a agradecer o álbum, e a dizer que precisavam destas letras. Isso faz-me acreditar que tenho de voltar a fazer mais música. Tenho vindo a ter novas ideias de forma espontânea, e tenho inspirado simultaneamente outros artistas a criarem também. Isso é incrível. E este novo ciclo abre-se dessa forma: inspirar-me a mim para trabalhar mais, e de certeza que vou fazer mais coisas quando isto tudo acalmar, além de colaborar com outros artistas. Vou fazer cenas novas, e se calhar tirar mais tempo daquele que tenho para criar e fazer música.


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