LP / CD / Cassete / Digital

Black Country, New Road

For the first time

Ninja Tune / 2021

Texto de Luís Carvalho

Publicado a: 11/03/2021

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“O rock morreu!”

Quantas vezes já ouvimos esta afirmação proferida pelos mais diversos “reis” do passado do rock ‘n’ roll, quais mensageiros da negação, para quem o “seu” território sonoro se transformou num decadente império de memórias e nostalgia sem qualquer pulsação, moribundo, um corpo morto que sobrevive à base dos DVDs revivalistas dos seus “períodos dourados”. Sentados num banco do Restelo, olham para um horizonte de passado, profetizando o nada, sem perceber que, mesmo à sua frente, a mudança aconteceu e que hoje é tão importante o banho de ruído que os Sonic Youth deram no CBGB, como a epopeia dos Pink Floyd em Pompeia.  Da mesma maneira que não compreendem a influência dos The Fall e do seu uso da palavra na actualidade, do peso dos ritmos germânicos dos Can e do quão essencial se tornaram bandas como os Slint e os Neutral Milk Hotel para um jovem músico que pensa em música com guitarras. Esqueceram-se da presença do selvagem exotismo sonoro dos Pere Ubu, da teatralidade dos Talking Heads ou até do culto à volta do pós-rock — de quem se dizia ser um género abandonado, mas que marca agora regresso aos tops das tabelas mundiais. O hip hop deixou de ser um inimigo, a soul virou uma possibilidade e o jazz é um aliado precioso, tão fundamental ritmicamente como na filosofia e nos fundamentos. Nenhum desses “reis” percebeu isso, mas também, provavelmente, não leu as páginas virtuais do The Quietus, espaço que se tornou leitura tão obrigatória para perceber a actualidade como o papel impresso da Rolling Stone e da Mojo. No fundo, o rock mudou e sente-se feliz com isso, mesmo que eles não se tenham apercebido dessa transformação.

Um exemplo perfeito dessa mudança e da incompreensão do momento encontra-se em Terras de Sua Majestade, onde, ano após ano, nesta última década, se levantaram debates sobre a perda de identidade e de posicionamento do género. Identificava-se o quão perigoso era permitir que os sintetizadores se transformassem no instrumento primordial, assim como se tentava adivinhar quem era o próximo nome com guitarras a ser capaz de encher Wembley. O que não se discutia era o que acontecia em pequenos espaços como o Moth, o Café Oto, o Shacklewell Arms e, em especial neste caso, o Windmill, salas em que fervilhavam novas ideias, formações e identidades, sem qualquer tipo de medo, receio ou vergonha. Fazia-se música pela música, pelo prazer. Abordava-se o risco, aplicava-se a partilha, a amizade, deixava-se o rock viver livre dos seus complexos, explorando e misturando outras linguagens. Desta reconstrução de atitude musical, em que se aceitava qualquer tipo de música ou de som como um igual, nasceu aquilo que agora ganhou o nome de “New Weird Britain”, algo que não é um género novo nem um movimento, mas sim uma identidade, uma forma de fazer música muito mais jovem, fresca e despreocupada. Estes espaços e linhas de pensamento foram fundamentais para a criação deste “novo rock” do qual fazem parte os Black Country, New Road, septeto que consegue praticamente unir todos os nomes, géneros e contextos referidos neste texto. Aliás, esse é o principal motivo para esta longa introdução: perceber o que os rodeia — as suas diferentes inspirações e até a forma distinta como aprenderam os seus instrumentos — é essencial para explicar tudo o que se ouve e sente em For the first time, o magnífico álbum de estreia destes jovens britânicos.



Filhos de toda a filosofia de partilha e de união que se instalaram no Windmill e na editora Speedy Wunderground, os BC,NW acabaram por se tornar um epicentro sonoro deste período artístico, um exemplo perfeito de tudo o que foi dito até aqui. Em For the first time, encontramos a mesma vivacidade, o jazz “noisificado” dos Black Midi, os crescendos do pós-rock e a falsa apatia sónica dos Slint. A proximidade com estes últimos é de tal forma flagrante, que até brincam com isso nas letras altamente pessoais, claustrofóbicas e delirantes de Isaac Woods. Nas suas palavras encontramos histórias carregadas de elementos fora do comum, uma mão-cheia de observações e pensamentos sobre o mundo, múltiplas personagens que procuram descobrir as suas origens ou a tentar descobrir o que o mundo pode-lhes oferecer. São múltiplas divagações poéticas, extremamente densas e cadenciadas, cantadas em trejeitos que vão de David Byrne a Scott Walker, que se vão saturando lentamente e acompanhando a catarse sonora que eles projetam nestes intensos 40 minutos que compõem os seus seis temas.

São surpresas atrás de surpresas, novidades constantes, novos ritmos, novas intensidades, novas intenções, com os temas em constante crescimento, por vezes pedindo o movimento, por vezes pedindo a inquietação. A emocional “Athens, France” procura a reflexão, “Track X” promove a empatia e o relaxamento dos nossos sentidos, “Science Fair” e “Sunglasses” a revolta e depois há “Instrumental”, que nos pede para soltar o corpo e dançar furiosamente o empolgante klezmer — ritmo tradicional judaico–, e que volta a ser escutado no fim, em “Opus”, um triunfo musical que sintetiza, na perfeição, toda a obra. Este é um trabalho terrivelmente honesto, feito para eles mesmos, carregado de partilha, amizade e isso sente-se em cada segundo desta muito recomendada estreia.

Com álbuns assim, o rock não pode estar morto.


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