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Black Alien

Abaixo de Zero: Hello Hell

Extrapunk Extrafunk / 2019

Texto de Núria R. Pinto

Publicado a: 08/05/2019

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Lembram-se de quando Black Alien nos pediu para lhe chamarmos “mister superhero”? Faz agora 15 anos que o ouvimos no desfile de groove que foi “Mister Niterói” e, bem, se há faixas que são perfeitas, essa canção é, sem dúvida, uma delas. Graves poderosos num ambiente dub altamente viciante e refinado, reservado apenas para as melhores plantas. “Call me mister Niterói/ Call me mister rude boy/ Call me mister superhero/ Em inglês, super-herói!” Em “mil novecentos e dois mil e quatro” corria o Ano do Macaco no Rio de Janeiro e era assim que o rapper se apresentava a solo, como um dos indiscutíveis imediatos ao Olimpo do rap brasileiro, na ressaca dos Planet Hemp ou de Black Alien & Speed.

Black Alien era já o super-herói da “Lírica Bereta“, um extraterrestre futurista guiado por Jah que nos observava e protegia a todos da torre mais alta da sua selva babilónica. 15 anos depois, os lugares têm novos rostos e o nosso super-herói regressa à Babilónia mais alienígena que nunca. De (Mr.) Niterói para a “Área 51”, a faixa que escolheu para abrir o novo Abaixo de Zero: Hello Hell muda apenas o lugar e até esse talvez seja mais metafórico que físico. Black Alien é exímio nas referências, tanto líricas quanto sonoras, e se é logo à primeira música deste seu terceiro trabalho que elas começam a surgir, será também acertado dizer que não é aqui que se esgotam. Ora ouçam as duas e vejam se o sentimento não é o mesmo.

Parece exagerado ou descabido dizer que Abaixo de Zero: Hello Hell traz um Black Alien renovado quando, na verdade, todas as características que fazem dele um dos melhores MCs a rimar em português permanecem intactas: o speed flow está lá. As aliterações também. Rimas internas aos montes. Assonâncias? Mais que muitas.



A produção, desta vez a cargo de Papatinho dos ConeCrewDiretoria, ajuda a explicar esta renovação sonora, mais polida e brilhante – em momentos muito ao estilo Cone Crew, é um facto — mas sem nunca obrigar o MC a sair do seu género ou a reinventar-se numa qualquer incursão no trap, por exemplo, ao jeito de quem se encaixa em “mil novecentos e dois mil e dezanove”. Black Alien não o fez e ainda bem: o veterano sabe mais do que isso e talvez seja essa capacidade de se manter fiel a si mesmo, rodeado pelo jazz, o funk e a soul, que faz com que este novo trabalho nos pareça um verdadeiro balão de soro auditivo.

26 minutos em nove faixas que abordam com generosa autocrítica e sobriedade a luta de décadas do rapper contra a dependência química, em “Carta Pra Amy” (Winehouse, e onde no refrão é curioso perceber as mesmas repetições que em “Rehab”, por exemplo) ou em “Aniversário de Sobriedade”, de forma mais explícita, com espaço também para o amor e a sedução em “Vai Baby” e “Au Revoir” e para a crítica política ou o braggadocio em “Take Ten” e “Jamais Serão”.

Abaixo de Zero: Hello Hell rompe com a trilogia Babylon by Gus e marca um recomeço para o homem e para o artista, num momento em que a velha escola do rap brasileiro parece precipitar-se para uma segunda época de ouro ao virar da esquina, e que tanta falta nos faz do lado de cá do Atlântico.


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