pub

Fotografia: Direitos Reservados
Publicado a: 10/03/2020

A artista irlandesa estreia-se em Portugal no ID_NOLIMITS.

Biig Piig: “Sempre gostei muito de fazer músicas que são fáceis de compreender”

Fotografia: Direitos Reservados
Publicado a: 10/03/2020
Cada vez mais à beira duma erupção de popularidade, quais serão os desejos de Biig Piig? Pouco mais que uma sesta, um cigarro e um copo de vinho. Sem esquecer a pizza grotesca que deu à irlandesa Jess Smyth o seu pseudónimo. Em “Perdida”, o seu maior êxito de streaming, a cantora e rapper que cresceu em Espanha celebra um coração partido como anti-melodrama: pedindo tempo para cicatrizar, soa desencantada, mas sobretudo pragmática e desligada de vinganças. Se a matiz neo-soul começa por soar fria, acaba por acompanhar a trajectória quente das letras: de EP em EP, Smyth torna o ouvinte voyeur duma expansão pessoal e artística, ao imputar-lhe a capacidade de afastar as balizas e barreiras emocionais na gravação. A eclosão que culmina no curta-duração No Place for Patience, Vol. 3 será replicada no ID_NOLIMITS. Em antecipação da sua passagem pelo festival português, o Rimas e Batidas telefonou a Biig Piig: do salto da festa em casa para o estúdio até à tentativa de gravação do álbum de estreia. Há tempo ainda para discutir o NiNE8 COLLECTIVE — e verificar em Smyth nervos e simpatia em igual dosagem.

Fiquei curioso por teres voltado ao estúdio. Estás a preparar um álbum? [Risos] Mais ou menos. Estou a fazer o máximo que posso, espero eu em direcção a um álbum, mas estou simplesmente a fazer malhas atrás de malhas. Se se consolidar até ao ponto em que tenho um álbum, isso será brutal. Mas estou a escrever, a trabalhar muito. Aproveitas as pausas da digressão para ganhar avanço? A 100%. Desde que a última tour acabou, tenho estado ininterruptamente no estúdio, onde estarei provavelmente até à próxima — o que é bom. Tenho uma mão-cheia de singles que sei definitivamente que irão ser lançados [brevemente]. De resto, há uma batelada de canções [risos]; já lhes perdi a conta, o que é bom, mas… nem sei por onde começar, a pensar em interlúdios e no álbum como uma grande preocupação. E sou tão minuciosa que revejo e repenso as coisas, então um álbum… “Oh, está quase lá, mas é a última faixa!” — e a última faixa vai demorar três anos a fazer. Vai correr tudo bem. Ui, desculpa! [Risos] Estás, portanto, num dilúvio criativo face a quando gravaste os EPs? Sim, não sei o que se passa. Recentemente tenho sentido mais stress, o que me tem ajudado a escrever, porque me deixa num alvoroço e não quero parar! Como há coisas com as quais não quero lidar fora do estúdio, é táctico: passo tanto tempo aqui dentro quanto posso. Antes, com os EPs, era um ritmo mais lento: eu podia vaguear dum lado para o outro, as pessoas com quem trabalhava eram bastante relaxadas e, tal como eu, não estavam muito ocupadas. Agora, tenho de agendar as sessões com dois meses de avanço. That’s goooooood. Quem são esses colaboradores? O Zach Nahome, colaborador em duas das faixas no último EP; ele é fantástico. O JD Reid, o Mac Wetha (claro, trabalho sempre com ele). Estou a arriscar algumas sessões com novo pessoal, para ver como corre: de momento, estou com o Luca Buccellati, que também é do caraças. A trabalhar no duro. A dinâmica da NiNE8 COLLECTIVE intrigou-me: sei que é um auxílio, mas queria perceber de que forma. Se é um ninho criativo… Completamente. Foi aí que tudo começou, percebes? Criámos um espaço em que não há pressão alguma, apenas estamos e fazemos música juntos. Acabámos há pouco tempo uma tape em conjunto: foram duas semanas sem parar no estúdio, a trabalhar em hip hop experimental. É reconfortante saber que tens alguém do teu lado. Às vezes, sentes-te um pouco sozinha, a trabalhar com um rol de músicos, enquanto aqui conheço-os há anos, adoro o que fazem, todos comungam de sabedoria musical… Tenho muita sorte. E é um bom sistema de apoio, considerando que entras agora numa fase talvez mais assustadora da tua carreira, com mais expectativas… [Voz sofrida; risos] É tão assustador! Mas está tudo bem. Eu sei que eles serão sempre honestos comigo em todas as situações. Quando se instala a pressa, a tua comitiva liga o modo “faz isto, lança isto”, mas eu não quero lançar nada de que não me sinta orgulhosa. Posso sempre perguntar à NiNE8 o que acham honestamente; se for o caso, dir-me-ão: “Jess, isso não és tu”. A Neneh Cherry fazia parte do “esquadrão” Buffalo. A NiNE8 também vai ter o seu próprio hino tipo “Buffalo Stance? [Risos] Sim! Na próxima tape, certificamo-nos de que estamos todos juntos numa canção; é uma espécie de statement. Nos tempos que correm, está tudo lixado, e é agradável ter uma conversa aberta sobre certas coisas e como o mundo desenrola. That’s goooooood. Desculpa, eu estou sempre a dizer “that’s goooooood” [risos]. Sou péssima em entrevistas, engasgo-me toda. Não te preocupes, eu também fico um pouco nervoso. A sério? Porra. Claro, são dois egos numa interacção forçada, mas costuma correr bem. Estou a gostar. [Risos] Também estou a gostar, mas sinto que não sou nada competente a explicar-me. À medida que imerges completamente no mundo da música profissional, quanto tempo te sobra para seshes [sessões de bebida]? De vez em quando, sou muito fã de ir beber uma imperial depois duma sessão, no fim de um dia de trabalho! Às vezes, descontrolo-me, como aconteceu ontem à noite. [Risos] Mas está tudo bem! Dependendo com quem trabalhas, pode resultar nisso. [Risos] Descobriste a tua vocação a fazer freestyle numa festa em casa. É assim, de forma espontânea, que continuas a encarar o estúdio? De todo. Estava a falar disto com um amigo, que me dizia que escreve coisas em casa e só no estúdio é que as compila. Eu não consigo fazê-lo. Fico confusa quando algo que já tinha escrito não funciona com a batida. Costuma funcionar da seguinte forma: mostram-me um beat e eu vejo o que sai no momento; se conseguirmos fazer uma música, óptimo, senão, prosseguimos. Acaba por ser a mesma coisa: é uma abordagem à cypher, suponho. Eu e a malta da NiNE8 fazemos sempre cyphers só pelo divertimento. Alguma vez foste a uma cypher? O que queres dizer com cypher? Quando entras [numa sessão] e fazes freestyle por cima de batidas.

Nunca fiz. Mas parece óptimo; acontece regularmente em Lisboa. Se calhar devia ir. Se acontecer por volta do festival ID e se eu ficar por mais que um dia, adorava ir. E poderias vir! Íamos à tua primeira cypher! Vamos! [Risos] Estou pronto. Vai ser a tua primeira vez em Portugal? Sim, de sempre. Estou entusiasmada. Tu és irlandesa, mas cresceste em Espanha, antes de ires para Londres. Tendo isso em conta, esperava que me dissesses que já tinhas ido ao Algarve, pelo menos… Quem me dera! Ficámos em Espanha o tempo todo, o que foi bom, mas devíamos ter-nos aventurado a algum ponto. Vai ser mais divertido com esta idade; posso ir e descobrir coisas sozinha. Considerando esse tríptico de culturas, o que é que aprendeste com cada experiência? Depende de como olhas para a questão. Sempre gostei muito de fazer músicas que não são assim tão difíceis de entender — não são letras simples, mas [são] fáceis de compreender. Não o fiz de propósito, contudo sempre quis contar histórias sem ter de [obrigar as pessoas a] pesquisar por significados alternativos. Quando eu voltei à Irlanda, não conseguia escrever em inglês, e perguntava-me por que porra [era tudo tão complicado]. Quanto mais fácil seja de entender, mais eu aprecio uma música. Se consegues descrever um sentimento de forma simples mas que te atinja, isso é muito fixe. As minhas viagens provavelmente influenciaram isso. Afirmaste que as palavras te ocorrem tão naturalmente em inglês como em espanhol. Embora o teu nome seja “Biig Piig”, poderia ter sido muito facilmente “Gran Cerdo” [grande porco], não? [Risos] Devia mudá-lo? O nome da pizza era Biig Piig… Talvez devesse ser o título do álbum! Só não mudes para o equivalente português. Qual é? É melhor não dizer. [Risos] Mas qual é? “Porco” em espanhol tem o mesmo sentido pejorativo que em português? Se disseres no feminino, ganha toda uma dimensão machista. Que se lixe, carregamos com isso. Podes reclamar o termo de volta. Quando me apresentarem no palco, vão gritar [“Grande”]… [Risos] Vai-se tudo embora. A tua música desenvolve uma atmosfera bastante intimista; como traduzes isso ao vivo? Quão confortável estás com isso agora? Acho que as canções nunca vão ter uma tradução total, o que até é fixe, cria uma versão diferente. Mas não sinto que tenha mudado ao ponto de que as pessoas comecem a reclamar. “Agora uma versão disco!”Remix!” [Risos] Não mudo assim tanto o som, eu só o veiculo ao vivo por instrumentos. É só uma questão de ver quem está dentro da sala, se estão a vibrar ou não… Venham ver e avaliem. [Risos] Nestes começos profissionais, como tem sido andar em digressão? Já imaginaste a vida de estrada como algo solitário. Ainda só fiz uma tour e diverti-me imenso, o que provavelmente deve-se às pessoas que tenho em palco comigo, gente que conheço há anos. O meu tour manager é hilariante. Quando falei dessa vida como algo difícil, imagino o que é sair do palco quando fizeste um concerto com músicos contratados que não conheces — e com quem não podes celebrar. Acho que descarrilaria e começaria a beber [risos], o que acontece agora, mas de forma feliz. Para ser honesta, não acho que conseguiria lidar com o assunto. Já me sinto sozinha vezes suficientes sem ter de olhar para um mar de pessoas e depois ir para casa sem ter ninguém com quem falar sobre o assunto.

As pessoas poderão pedir-te que venhas a sítio x ou y, mas é uma situação delicada. É preciso estar preparado para enfrentar multidões pelo mundo fora. Inteiramente. É uma benção poder viajar para tanto sítio, mas pensando apenas sobre os concertos, há certas canções que sentes muito intensamente — nomeadamente se estiveres em baixo, ou se algo estiver a acontecer em casa. Cantá-las provoca desgaste e faz-te reviver essas situações, o que fica na tua cabeça. Cantas primariamente sobre relações, todavia, uma das tuas maiores influências é a tua amiga Lava La Rue. Visionas a tua música a expandir-se para temas e lutas diferentes? A 100%. Até agora, tenho tocado em coisas que acho importante falar; nunca quis forçar palavras. O próximo lançamento tem uma verve política. Se esses temas chegarem naturalmente, falarei… Não vejo como é que me vou compelir a escrever uma canção particular. Há muito mais que se pode fazer isso através de plataformas. Sobre o que é que será esse novo single? Basicamente sobre os tempos que vivemos: pós-Brexit, pós-Trump. São super insanos, voláteis, trémulos e incertos. É um “que se lixe tudo”, em tempos de ansiedade generalizada. Em “Perdida”, o verso “I just wanna lay here/ Smoke my cig/ And drink my wine/ Until my hurting is done” é praticamente um axioma. Um artista parece ter mais liberdade para esse processo; foste tu que criaste esse tempo para ti? Sempre reservei tempo para mim, apenas para me isolar um pouco. Antes da música me ocupar, tive alguns trabalhos e muitas actividades que não deveria estar a fazer; era caótico. Depois de eu rebentar, houve um período de tempo em que me fechei e prometi que não iria fazer mais nada. Cingi-me a escrever por algum tempo e a “Perdida” nasceu disso. Por sorte, pude voltar e gravar isso. Já não deixo que interfira muito com o processo, com a excepção desse período mais longo, mas acho que não voltamos lá tão cedo. Vou apostar contra a subtileza aqui: a “Vice City” — “I put my bets on you” — parte do teu antigo trabalho como dealer de poker? Escrevi-a por volta dessa altura, sem ter a completa noção desse jogo de palavras com o poker. Só mais tarde percebi. Após teres filmado um curtíssimo filme e alguns videoclipes, continuas interessada na exploração visual da tua música? Totalmente, sempre tive ideias visuais, e executá-las é muito mais difícil. Não sou a melhor pessoa para me explicar a mim mesma, pelo que tenho de desenvolver aquilo que quero plasmar no ecrã. Trabalhar com realizadores fixes, como no vídeo da “Roses & Gold”, com a Alice Bloomfield. Quanto mais tempo passa, mais tempo tenho para garantir que consigo retratar as coisas do jeito mais fidedigno possível. Demora um minuto ou dois. Vou só colocar-te um desafio final. Quando uma destas opções ocorrer, saberás que te tornaste um fenómeno tangível — tens de escolher uma. Ok! Opção A: quando um dos teus CD for oferecido por um velhinho numa caixa com álbuns de Westlife pelo meio. Opção B: quando a tua música entrar em alta rotação no pub dos teus pais. Oh, merda. Não sei se alguma dessas opções é válida. [Risos] Leste o artigo sobre esse senhor e os CD?  Claro! Se ele gostar das minhas canções, ficarei feliz. Isso seria brutal. E a aprovação dos teus pais? Provavelmente gostam, provavelmente não iam entender assim tanto. It’s all good. It’s all Gucci.

pub

Últimos da categoria: Entrevistas

RBTV

Últimos artigos