Em 2019, no Natal do Marginal, enquanto assistia ao concerto de Deau, reparo que ao meu lado estava um rapaz franzino de manga caveada a disparar desenfreadamente todos os versos que saíam de cima do palco. Era difícil ficar indiferente a este segundo “espectáculo”, o que me levou a crer que estas músicas seriam a banda sonora de um fã que foi crescendo com as palavras de Daniel Ferreira.
Dois anos passaram e dou por mim, no Hard Club, na seguinte edição desse mesmo festival, a testemunhar a passagem desse mesmo rapaz, de seu nome Big Jony, pelo palco; neste fim-de-semana, o rapper do Grande Porto apresentou o seu primeiro EP nos Maus Hábitos. Chamem-lhe poético ou lamechas — a decisão fica do vosso lado –, mas dá gosto seguir esta jornada.
Depois de três anos a sublinhar o seu nome com temas como “Distinto” ou “Rusga”, foi na Screwed (eventos com a curadoria de SlimCutz), e após o DJ set de Limapump, que o rapper de 23 anos pegou no microfone com a postura daqueles que rimam desde as mixtapes do Barrako 27.
Com uma sala muito bem composta, a celebração começou com “Rusga” e o nervosismo levou a três rewinds no instrumental mas entre as palavras de apoio do seu (semi-)mentor Beiro, encarregado de lançar os beats, o carisma de Xeby, um daqueles hype man capazes de meter o público em modo hooligan, Jony garantiu: “A falha não volta a acontecer. Um gajo veio para rebentar com isto tudo”. E assim foi, como peixe na água, não voltou a vacilar e, depois de uma “Rusga” finalmente bem-sucedida, o seu comparsa UEST. entrou em cena com “Top Boy” e “Marionetas”, uma prova de que o rap destes dois é um casamento infalível.
Em todas as faixas de Ascensão, Big Jony fez questão de chamar os respectivos convidados e surpresas não faltaram. Fosse, por exemplo, com um acapella (que deixou a sala em tumulto) ou um unreleased, “Horas Extra”, em que UEST. e Rilha trouxeram as forças do colectivo Caixa Cartão, entendemos rapidamente que este espetáculo servia também para honrar todos aqueles que ajudam “o menino de ouro” a almejar ser “o homem de platina” — e o exemplo óbvio deu-se em “Atividade”, em que Cuzzo, produtor da faixa e amigo de longa data, voou da Bélgica até aos Maus Hábitos para se agarrar ao MC enquanto se ouviam versos onde as lágrimas estiveram sempre contidas.
Quase no final do concerto, Qvxno juntou-se à festa e com o tema “Na Mira” vemos dois rappers a exibir punchlines à moda do Porto embrulhadas num refrão melancólico-gangster digno de dizer: “Silêncio, que se está a cantar o fado”.
Assim que acabou o “tiroteio” seguiu-se um dos momentos altos e os culpados foram Qvxno, Big Jony, Ruger e Each1 juntos numa cypher tão acesa que era impossível não deitar as mãos à cabeça — estávamos a presenciar quatro rappers famintos a dilacerar o instrumental de Dextah da cypher “PELO SUL #2“.
Uma noite de vitórias (que ainda contou com as presenças de Mary Jane e Sien Flamuri) com ecos da comemoração do Futebol Clube do Porto nos Aliados e um Big Jony pronto para o que esta Ascensão poderá trazer.