Em Agosto soube-se que a bienal nómada europeia Manifesta irá realizar-se em Coimbra em 2028. Agora foi a vez da apresentação formal da grande iniciativa de arte que vai marcar culturalmente a cidade e a região, deixando a enorme expectativa que seja de forma irreversível. A sessão teve lugar há dois dias (17 de Setembro) nos claustros do Colégio da Graça, com um forte simbolismo, apontando-se para a transformação a esperar na cidade e arredores, do eixo local — com a Rua da Sofia como “epicentro” — ao regional.
A Manifesta traz uma requalificação urbana às cidades onde vai acontecendo, no confronto da arte contemporânea e património. Coimbra é paradigmática nesta circunstância, pela existência da bienal da cidade — Anozero. Há um assumido motivo da escolha da Manifesta: “Pela bienal de arte instalada e as práticas colaborativas como mecanismos de urbanismo cultural regenerativo — é por isso que aqui estamos na Rua da Sofia com significado histórico e social”, como enfatizou Hedwig Fijen, co-fundadora e diretora da Manifesta.
Ilações podem ser retiradas da bem recente Manifesta 15, na área metropolitana de Barcelona, em 2024. Com o problema da massificação turística e da gentrificação na agenda da acção da iniciativa, que procurou descentralizar o foco da cidade, levando à ligação entre cidades satélites, dormitórios e espaços industrializados. Filipa Oliveira, como co-curadora, então reflectia que: “Nós não queremos trazer uma audiência de milhares a Barcelona mas antes estimular as comunidades locais.” A exemplo, muitos catalães visitaram e confrontaram-se com as propostas artísticas em espaços que desconheciam por completo. Há desígnios a que se propõem curadores e directores de cada Manifesta, tentando responder aos desafios que os territórios colocam. O que resultou, e como recordou Fijen a propósito, num “impacto em infra-estruturas culturais, como foi realçado no último ano pela administração pública catalã”.
A edição 16 apronta-se para começar no próximo ano em Rhur, na Alemanha, na cidade com um legado arquitectónico não utilizado, particularmente do pós-guerra, que se “espera que seja repensado em novos espaços culturais que permitam o diálogo entre a comunidade e os artistas intervenientes”, reforça Fijen. Retoma ainda a co-fundadora da iniciativa que é expectável que Coimbra também faça “a análise de como espaços abandonados, como este [claustro], possam ser reconectados e revitalizados para um uso colectivo — é a nossa missão”.
Para Carlos Antunes, director do Circulo de Artes Plásticas de Coimbra e da Bienal Anozero, será “um dos acontecimentos mais importantes e ambiciosos nas artes plásticas e da programação urbana da história de Coimbra e com efeito transformador”. De lembrar que a Anozero tem feito essa reactivação e devolução ao usufruto público de espaços da cidade que há muito se encontravam esquecidos. Como relembrou o director sobre a reabertura passados mais de 15 anos da Sala da Cidade, o que se complementa com algo de maior relevância como o retomar do Mosteiro de Santa Clara-a-Nova.
Porque a escolha recaiu sobre a candidatura de Coimbra? Como apontado pelo painel de avaliador e relembrado pela directora da iniciativa: “O impacto social pode ser grande, bem como o impacto cultural pode ser enorme. (…) Mas o elemento mais transgressivo de trabalho entre a Manifesta e a Bienal Anozero é a combinação, pioneira no mundo das artes, de duas bienais numa mesma iniciativa com vista à amplificação do impacto na cidade e nos seus cidadãos”.
Em traços amplos, as grandes linhas de acção foram conhecidas, apontando-se ideias esperançosas como “resgatar ecossitemas e parques encerrados, zonas verdes, criando condições de atractividade para novos moradores e criando condições de habitabilidade para os moradores actuais”, conforme mencionado pelo director da Anozero. “A See of Trees” foi o nome-desígnio apresentado na proposta de candidatura à Manifesta e colheu um forte entusiasmo de aprovação. Um nome auspicioso que na prática passa por “um projecto integrado de reconversão florestas de 100 hectares por município; recuperando a flora autóctone e que seja palco de programa artística, relembrando ‘Os Caminhos da Floresta’ de Alberto Carneiro.” Aliás, da apresentação da iniciativa transparece o legado de Carneiro, quando em 1973 deu a conhecer “Notas para um Manifesto de uma Arte Ecológica”. Na Manifesta 17, assumiu Carlos Antunes, 90% dos colaboradores serão portugueses, ressaltando a dimensão de envolvimento da comunidade de artística mais próxima. “A Manifesta é o oposto de qualquer ideia colonial”, como uma das frases capitais que norteará o programa.
Mas o que se espera desta iniciativa? Para o presidente do município, José Manuel Silva: “Tratou-se de avançar em conjunto, e agora sim responder às questões que vão ser colocadas pela Manifesta 17 em 2028.” Culminando por antever a iniciativa como “algo de absolutamente estratosférico na cultura da cidade e o corolário dos sonhos de muitas pessoas”. Para a Universidade, nas palavras do vice-reitor para a Cultura, Delfim Leão, é uma oportunidade de “devolver à Rua da Sofia o destaque que merece”, ligando a importância desta iniciativa à classificação como património universal da Universidade de Coimbra – Alta e Sofia. A Ministra da Cultura, Juventude e Desporto, Margarida Balseiro Lopes, referiu que “a verdadeira medida do sucesso da Manifesta não residirá apenas no brilhantismo do momento, mas na força do legado que formos capazes de construir coletivamente”.
Que depois de 2028, num pós-Manifesta, fique um resultado transformador. Que seja um momento de viragem, em que, como sublinhando o director da Bienal em desejo, “os agentes culturais possam tornar-se mais sólidos e vejam reforçadas as suas condições de produção” na cidade.