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Fotografia: Inês Mineiro Abreu
Publicado a: 13/09/2022

No rescaldo do concerto no B'Leza, temendo que os bolsonaristas não respeitem o resultado das eleições no Brasil.

Bia Ferreira: “Dói o que eu digo, mas acho que também transforma”

Fotografia: Inês Mineiro Abreu
Publicado a: 13/09/2022

Nestes últimos meses em que Bia Ferreira esteve em Portugal, para se apresentar nos concertos que realizou no FMM Sines, na Festa do Avante e no B’Leza, recebeu várias mensagens com ameaças. Esteve fechada no hotel com receio pela sua integridade física. É esta a vida de quem faz artivismo no Brasil e no mundo. Acha que vêm aí tempos difíceis e não tem dúvidas de que Bolsonaro vai sair. Mas também teme a violência que poderá resultar no seu país por isso mesmo. Sobre tudo isso, sobre a Igreja Lesbiteriana e mais falou ao Rimas e Batidas, com muita emoção. Porque, apesar de tudo, acredita no afecto, e este é político.

Natural de Minas Gerais, Bia Ferreira tem feito uma carreira fulgurante em que soul, blues, jazz, funk (o norte-americano) e hip hop enformam uma MPB engajada pelas causas anti-racista e LGBTQIA+. Considera-se uma artivista e isso para si foi – é, em cada dia que passa – aceitar um risco. O de não enriquecer e não ganhar fama e também o de atentarem contra a sua vida. Mas não se vai calar e vem aí álbum duplo em que a canção de amor também é de intervenção.



Este tem sido um ano de muitos concertos seus em Portugal, com os penúltimos a terem sido no FMM de Sines e no Avante. No domingo actuou ainda no B’Leza…

Sim, e toquei em Coimbra, Porto e em outros sítios. Foi a quinta vez que vim a Portugal. Fui também à Galiza e a Itália. Meu trabalho tem sido muito respeitado na Europa.

O que me suscita uma questão: que diferença haverá entre cantar para um público branco no Brasil e um público branco na Europa? A Bia fala muito em “reparação histórica”…

No Brasil falar com pessoas brancas é diferente, porque essas pessoas foram criadas numa lógica escravocrata e opressora e vivem o privilégio de terem a pele clara sem qualquer preocupação consciente de haver uma opressão de outras pessoas. Falar disso no Brasil é difícil porque vivemos numa sociedade muito polarizada. Qualquer luta por um direito, seja racial, de orientação sexual ou político suscita divisões e a tendência é para descredibilizar quem fala. Aqui eu consigo falar directamente com os descendentes dos escravocratas e ser ouvida. Lá as pessoas adoptam uma postura de superioridade, mesmo nos locais mais pequenos que suscitariam uma comunicação mais olhos nos olhos. Já aconteceu haver pessoas que se levantavam a saíam no meio do concerto. 

No início, aqui em Portugal, isso também acontecia. Havia pessoas que julgavam que eu vinha cantar um samba e não era isso que acontecia. Passou por haver pessoas que me diziam que a escravidão vinha dos aristocratas e que a gente pobre não tinha nada que ver com isso. Tinham a ideia de que éramos países-irmãos, quando não éramos de facto, só se estes irmãos fossem Caim e Abel, com o primeiro a matar o outro. Verificavam que a história que eu lhes contava não era a mesma que lhes ensinavam na escola. Que os colonos ruins mesmo eram os espanhóis. Assim, quando eu venho cá é para contar a minha história e não para repetir aquela a que os portugueses foram levados a acreditar. Venho explicando a realidade do Brasil, as razões que levam a que a cada 23 minutos um jovem preto seja morto no Brasil, e que a guerra da Ucrânia não devia ser a única coisa a preocupar as pessoas daqui.

As pessoas portuguesas de hoje não se sentem responsáveis ou culpadas por esse passado recente, e no entanto, há ouro por todas as paredes da Casa do Alentejo, e eu não acredito que esse ouro seja português. Não se sentem responsáveis à partida, porque isso aconteceu há 500 anos, mas estão dispostas a ouvir o que tenho para lhes cantar e dizer. E acabam por mudar de opinião, não só porque estiveram atentas ao concerto, ou porque vieram conversar comigo no fim, mas porque a questão lhes tocou. Perguntam-me o que podem fazer para corrigir as coisas, pedem desculpa e há muita gente que chora. É muito comum haver gente que chora no final dos meus shows. Dói o que eu digo, mas acho que também transforma. As pessoas entram na sala de uma forma e saem de outra. Já no Brasil encontro uma resistência muito grande.

O seu propósito é didáctico, educativo…

É. Como há essa polarização no Brasil, não há possibilidade de diálogo. Você fica com aquilo em que acredita, eu insisto naquilo em que acredito e não conseguimos chegar a nenhum ponto em comum, para que se possa construir algo de diferente. Se a minha atitude for didáctica, abre-se alguma possibilidade de conversa. Oiça, eu não estou tentando convencê-lo daquilo em que acredito, só a querer apresentar-lhe uma nova forma de entender este assunto e você mesmo tirar as suas conclusões. Acredita mesmo que a escravidão no Brasil não tem nada a ver com você? Mas então pense nisto: enquanto você tem duas horas de descanso no trabalho ao almoço, no Brasil ainda se cumprem horários de 14/15 horas seguidas. Isso só acontece porque houve países que foram colonizados e deles foram retiradas riquezas que lhe permitem fechar a sua loja e ir comer descansado. A partir do momento em que você tem esta informação, o seu modo de pensar as coisas é opção sua. Se achava que não tinha nada a ver com isso era porque não tinha informação. Agora tem. Pode continuar a pensar como antes, mas já não tem essa desculpa.

O B’Leza é um espaço de programação habitual de música africana, frequentado maioritariamente por afro-descendentes. Acha que a sua abordagem precisou de se adaptar a esse contexto?

Quando entro num hotel aqui em Portugal algumas camareiras olham para mim e choram. Elas sabem quem sou eu. As funcionárias africanas das limpezas sabem quem sou. Elas se identificam com o meu trabalho. Elas vêm aos meus concertos e dizem-me que eu falo aquilo que elas não têm coragem de dizer. Agradecem-me por falar. As únicas pessoas que se incomodam com os meus concertos são mesmo as brancas. As pessoas pretas sentem-se representadas. As pessoas africanas que saem dos meus concertos vão de sorriso alargado: você falou mesmo aquilo na cara deles! Não falo só por mim, falo por toda aquela gente migrante que foi silenciada pela sociedade ou que foi apagada. É como se se sentissem também no palco. Ganham protagonismo. E muitas pessoas brancas que me ouvem já têm consciência social e política. Outras vão ouvir-me desavisadas, só porque souberam que ia haver um show de música brasileira, e essas sim discordam de mim.

Que público brasileiro a viver em Portugal assiste aos seus concertos? Tem noção disso? Os imigrantes brasileiros em Portugal – país cada vez mais xenófobo — são à partida racializados, mesmo sendo alguns deles brancos…

No Brasil dizem que o que eu falo é mimimi. Que falo só por falar, que não é verdade, que exagero. Pois essas pessoas, quando voltam para o Brasil, já sabem o que é sentir na pele a discriminação. Ou pelo menos sentem um pouquinho do que é ser preto no Brasil. Nunca chega a ser a mesma coisa, claro. Porque essas pessoas voltam para casa cheias de euros e ainda reforçam mais a sua arrogância.

Repare: o Brasil é um país isolado na América Latina. Todos os outros, além de hispânicos, têm grandes populações indígenas. No Brasil não há população indígena. Foi dizimada. Só há 1% de população indígena. Há 56% de população negra com vidas muito difíceis, com 44% da população autodeclarada branca a ocupar lugares de poder. Quando estas chegam a Portugal podem até sentir-se sensibilizadas pelas lutas dos outros, mas essas lutas negavam-nas antes no Brasil. E por que é que se sentem sensibilizadas aqui, como se sentiriam aliás nos Estados Unidos, onde também seriam racializadas e tratadas genericamente como “latinas”? Porque ficam chocadas com o tratamento que recebem, mesmo que a sua pele clara lhes traga alguma vantagem social. 

Ficam surpreendidas por terem de arranjar outras formas de sobreviver, porque serem maltratadas no mercado de trabalho, por as impedirem de entrar num restaurante porque são brasileiras, e entram em depressão. Essa galera, aqui, já me vem ouvir. Assim como aqueles portugueses, nascidos cá, de pais angolanos, moçambicanos e cabo-verdianos que continuam a ser tratados como colonizados, “estrangeiros”. 

Quando cheguei a Portugal o mês passado para fazer estes shows, recebi mensagens com ameaças. Diziam “volta para o teu país”, “volta para África” (eu que nunca estive em África, de onde o meu tetravô foi para o Brasil acorrentado num navio, não sabendo eu sequer de onde), “o governo português tem mão frouxa, porque se tivesse autoridade você não vinha cá”. Não dá para negar que existe racismo em Portugal, sim. No Porto, fiquei 40 minutos à espera de uma meia-de-leite numa cafetaria. Toda a gente à minha volta foi servida, menos eu. Este tipo de situações está aumentando e é claro que o meu público em Portugal aumenta também, pois as pessoas têm maior evidência individual, pelas suas experiências vivenciais, do que eu vou falando.



As últimas vagas de imigração brasileira em Portugal são de pessoas com mais posses económicas. 

Uma pessoa pobre não deixa o Brasil para morar em Portugal. As passagens são muito caras, viver em Portugal fica caro. São pessoas com muito dinheiro. São pessoas brancas que não convivem com pessoas pretas e que muitas vezes são conservadoras extremistas, que votaram em Bolsonaro, mas não conseguem viver no país de Bolsonaro. Aqui, descobrem que nem todo o dinheiro que têm no Brasil é suficiente para serem aceites como brancas. Nas últimas eleições brasileiras, a maioria dos eleitores imigrados em Portugal votou no Bolsonaro. Do motorista de Uber à faxineira de hotel. Entretanto, e felizmente, foram muitos os que lhe retiraram o apoio. 

A interseccionalidade queer, e a Bia é sem dúvida um ícone do movimento LGBTQ brasileiro, escolheu como uma das suas lutas precisamente a anti-racista. No seu caso, porém, não é apenas uma entre várias lutas, entre as quais as das sexualidades e identidades de género dissidentes. É a sua primeira causa, acima das da comunidade LGBTQ, certo?

A luta anti-racista e a luta LGBTQIA+ são extremamente importantes para o trabalho que eu desenvolvo. Mas o certo é que há CEOs empresariais brancos que são gays, há lésbicas que são executivas de empresas brancas e há pessoas não-binárias em altos cargos corporativos. Mas pessoas negras, indígenas, indianas, paquistanesas são habitualmente oprimidas. Em todas as interseccionalidades em que trabalhamos a raça vem inevitavelmente em primeiro lugar. A primeira coisa que alguém vê em você não é se é trans ou lésbica, mas se é preta ou castanha. Essa primeira imagem determina desde logo a forma como te vai tratar. A raça é o que primeiro traz visualmente o preconceito. Um rapaz gay com maneirismos efeminados vai, com certeza, ser vítima de preconceito, mas se para além disso for negro vai ser morto. Daí a necessidade de racializar as questões dentro do movimento queer.

O CEO gay tende a ser um integracionista, querendo participar no quadro patriarcal da sociedade, fazendo tudo para profissionalmente não se distinguir. Essa não é uma variável a considerar nesse quadro?

No Brasil as pessoas brancas são criadas para manter e reproduzir os privilégios brancos. Na favela, se eu, preta, e uma amiga branca tivermos a mesma escolaridade, o mesmo percurso e as mesmas oportunidades, quem é contratada é a amiga branca, não eu. As pessoas brancas brasileiras nascem sempre com uma vantagem social, independentemente da classe a que pertencem. Essas pessoas podem dizer que, sendo pobres, sendo LGBT & etc. até tiveram oportunidade de chegar a algum lugar, mas sem perceberem que tal se deve à pele que têm. Preferem acreditar no discurso meritocrático que é implantado na cabeça das pessoas desde que são crianças. Para acharem que o emprego é por merecimento, não porque existe racismo. Pautar a questão da raça no movimento é hoje importantíssimo. Há muitos homens brancos gay que ainda hoje confessam que nunca ficaram com um homem negro. Como é isso possível se a maioria dos brasileiros é negra? As pessoas brancas não olham para as negras com uma perspectiva de afecto. Podem até enaltecer os falos dos negros por serem grandes e afirmar que as negras são boas de cama, mas isso é uma forma de as desumanizar.

Há hoje um debate aceso em Portugal sobre distintos graus de discriminação entre pessoas queer, e designadamente entre pessoas brancas e negras, com o movimento a tomar uma nova consciência sobre o questão…

Se uma mulher lésbica branca se dispuser a lutar comigo, a se posicionar quando ouve uma piada racista, a pegar na minha mão, ela é minha mana. O Brasil é a nação em que mais se assassina a população LGBTQIA+, mais do que na Rússia ou em certos países de África, e talvez por isso, se uma mulher branca segurar a mão de uma preta, isso é um acto revolucionário. O meu trabalho com a música destina-se, precisamente, a que cada vez mais pessoas queiram lutar comigo.

E como é que no Brasil se vão encarando no movimento queer as distinções entre uma mulher cis negra e uma mulher trans negra?

A violência contra as mulheres no Brasil é muito grande, mas para as mulheres trans ainda é maior. Uma é assassinada em cada 24 horas. E no entanto é o país que mais consome pornografia trans do mundo. No movimento feminista há quem considere que as mulheres trans não são mulheres, e essas pessoas eu não posso considerar feministas. Feminismo é lutar pela vida das mulheres, mas se se excluem pessoas à partida isso é só lutar pelas pessoas que se parecem com você. As feministas pretas priorizam as mulheres trans. Isso é importante para nós. Não podemos relativizar a morte destas mulheres pretas. A Dandara, uma menina trans, foi morta em plena rua e arrancaram-lhe o coração. As pessoas filmaram, mas não socorreram aquela mulher. A naturalização da morte dos nossos corpos queer é tal que, se eu não falar sobre isso, estou a ser conivente. Eu, mulher cis, preciso de lutar para que as mulheres trans tenham dignidade de vida. Todas nós devemos batalhar para a emancipação destas pessoas, em termos de acesso aos direitos e de acesso aos afectos.



É essa a causa, julgo saber, da Igreja Lesbiteriana, o culto que fundou e também o título do seu disco de estreia…

A Igreja Lisbeteriana não é religiosa, é política. É um espaço de afecto e informação enquanto tecnologia de sobrevivência para pessoas les, bis e tês…

O G de gay está fora?

Não está fora, mas vivemos numa sociedade patriarcal e machista onde os homens gay também são machistas, também reproduzem a misoginia e, mais do que isso, onde os homens gay são priorizados por serem homens. No movimento LGBTQIA+ os homens gay brancos continuam a ter maior protagonismo e a ter maior lugar de fala, sendo preciso dar lugar a quem não fala, a quem não aparece, a quem não tem voz. Não estão excluídos os homens gays, fazem parte desta história, mas perdem esse protagonismo. Estão é incluídas outras pessoas que estavam marginalizadas ou excluídas, as pessoas lesbiterianas. Pretendemos contribuir para um avanço social, uma sociedade diferente e melhor. Todas as pessoas que se reúnem à volta de uma mesma fé formam uma igreja. A nossa fé é pela emancipação afectiva, social, cultural e política. Quem acredita nisto faz parte desta igreja, seja muçulmano, católico, budista, candomblecista. Não importa se se é heterossexual, bissexual, gay, lésbica, cis, trans. Acredita na emancipação LGBTQIA+ como um avanço social? Sim? Então faz parte da Igreja Lesbiteriana. É sobre isto que eu crio arte.

A Bia é uma artivista, uma activista da música. Até que ponto acha que o seu activismo define as características intrínsecas da sua música?

Quando a gente escolhe fazer activismo com a arte escolhe um lugar de escanteio. Você é colocado à margem. Os grandes empresários não querem pagar a arte que diz que eles são racistas. Eu corro o risco de não ganhar dinheiro com a minha arte. De não ficar famosa. As pessoas acham que uma arte activista é de graça. Qualquer coisa serve para pagar a artivista, porque ela faz isto só pela causa. Como se eu não tivesse contas a pagar, como se eu não tivesse a minha família para sustentar, e a verdade é que eu sustento os meus pais e os meus irmãos, porque calhou ser a mais bem sucedida da família, a primeira da família que pôde sair do país, que pôde viajar. Quando eu falo que sou artivista não querem pagar pela minha arte e eu prefiro correr esse risco. Prefiro falar sobre o que hoje se passa e não ter sucesso do que me calar e ser famosa. Prefiro ser lembrada como aquela mulher que se posicionou. Prefiro ser apontada como aquela menina que não se calou por ser lésbica, que não cresceu mais porque denunciava as situações de racismo a que assistia sem se preocupar com perder contratos.

Tem sido muito prejudicada por isso?

Tenho sido prejudicada, sim, em todos os lugares. Mas insisto. Em Outubro vou lançar um álbum duplo com 21 canções de afecto e informação como tecnologia de sobrevivência. São canções sobre amor. Canções políticas sobre amor, porque o amor é revolucionário. Pessoas que dão e recebem afecto são revolucionárias. O mundo é pensado para que a gente não receba afecto e morra. O meu corpo vivo falando sobre o amor é revolucionário. As pessoas vão ouvir-me a cantar sobre afecto e a sentir-se tocadas politicamente da mesma forma. Apenas mudo a maneira de falar. É esse o poder da arte e o poder do artivismo. As pessoas sentem-se mais sensibilizadas quando se fala sobre afecto? Então é isso que vou fazer. Há coisas em que tenho de ser mais dura para ser compreendida? Então também faço.

Eu sou uma menina com medo, com muita insegurança. Fiquei presa no hotel quando comecei a receber ameaças. Pedi que me levassem comida para o hotel porque tinha medo de ir a um restaurante, de andar na rua e ser agredida. É no palco que estou à vontade, que me transformo num instrumento da arte, porque a arte é bem poderosa e nela encontro um lugar para comunicar. A arte tem esse poder de atravessar as pessoas, de lhes causar arrepios, mesmo que não entendam plenamente o que está a acontecer. Na arte, mesmo eu sendo boicotada, consigo continuar a manter-me de pé.

Em Outubro vai haver eleições no Brasil. Que expectativas tem, boas ou más?

Se eu continuar viva, fazendo arte, no que resta da ditadura de Bolsonaro, depois dessas eleições eu acho que ainda não vamos conseguir… respirar. Estou convencida que o Lula vai ser eleito, logo no primeiro turno das eleições, e acho que vai ser aí que começará a maior guerra desde que Bolsonaro ganhou a Presidência. Existe um movimento extremista que está posicionado para não aceitar o resultado das eleições e que partirá para um embate físico e bélico. O Bolsonaro tem facilitado o acesso a armas no Brasil. Há cidadãos comuns, brancos (negros não, esses a polícia mata imediatamente) com fuzis dentro de casa. Cada cidadão tem o direito de ter quatro a seis armas registadas em casa. Essas pessoas brancas poderão sair à rua disparando a torto e a direito. 

Ainda a semana passada, um pastor evangélico estava exortando os fiéis, na missa, a votarem Bolsonaro e a ter um discurso de ódio contra os lulistas. Houve um acólito que se levantou e disse que achava isso errado. Que Jesus pregava o amor ao próximo. Pois um policial que estava no culto levantou-se e deu um tiro no irmão que dizia isso. Retiraram esse homem baleado da igreja, colocaram-no, morto, na calçada e continuaram o culto como se nada tivesse acontecido. É este o país que Lula vai encontrar quando ganhar a presidência. Vai ser necessário proceder a uma reassocialização da população brasileira. E vai ser necessário enfrentar quem não aceitar, de forma violenta, a mudança. Consegue imaginar Bolsonaro passando, em Janeiro, a faixa presidencial a Lula? Eu não consigo. Como vão ser as coisas até Janeiro? É isso que me preocupa. Será que Lula vai tomar posse trancado numa sala? Conseguirá fazê-lo em público? Tomará mesmo posse? Vão atentar contra a sua vida? Há helicópteros a sobrevoar as favelas, atirando em civis, crianças, seja quem for.

Tudo isto me assusta muito. Há 12 anos que eu me posiciono contra este Brasil fascista. O Lula era presidente quando eu comecei a tratar de política na minha arte. E naquela época os pretos já estavam morrendo. Já havia chacinas nas aldeias indígenas. Eu corro riscos. Toda a gente sabe qual é o meu posicionamento. Até Janeiro pelo menos eu corro riscos. O Bolsonaro vai sair, mas o bolsonarismo não acaba. Temo por mim e pelas pessoas que fazem arte como eu faço. Não estou sozinha, há muito outros artistas que me inspiram. Mas estamos dispostos a lutar, não seremos lembrados como pessoas que desistiram. É deste lado da história que eu estou. Espero que consigamos fazer uma transição segura e saudável. Mas o certo é que vamos ter de encarar muitas dificuldades.


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