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Beyoncé: A revolução identitária de uma diva pop

 

Depois de Kanye West ter mudado a forma como o álbum é lançado para a esfera pública – a ideia de update está muito ligada à tecnologia e The Life of Pablo teve várias vidas -, Beyoncé não se reinventa em termos de marketing mas antes em termos conceptuais. A artista lançou Lemonade e podemos desse facto retirar uma série de ideias-chave: um chorrilho  de ataques – encenados ou não – a Jay-Z, dissertações sobre o que é ser uma mulher negra na América e a sua sensibilidade enquanto diva pop. Apesar de todo o aparato, é possível que tudo isto seja uma maneira de vender um produto: a máquina pop a exponenciar ao máximo a sua forma de criar momentos, de  fazer correr tinta na imprensa.

Olhando de forma inocente, as músicas são um consultório que está de porta aberta para o mundo e Lemonade é terapia de casal com visão privilegiada sobre os pensamentos de Beyoncé. “Who the fuck do you think I is? /You ain’t married to no average bitch boy / You can watch my fat ass twist boy /As I bounce to the next dick boy”, canta Beyoncé em “Don’t Hurt Yourself”. Intensidade na voz e o sentimento de que as coisas não vão bem lá em casa. “Uh, this is your final warning /You know I give you life/ If you try this shit again/ You gon lose your wife”.  O tom mantém-se autoritário até ao fim numa faixa onde Miss Knowles convida Jack White para “rasgar” o instrumental com sample de “When the Levee Breaks”, dos Led Zeppelin. Rock puro e duro para marcar uma mensagem de poder. Jay-Z estará neste momento com saudades das diss tracks de Nas, certamente.

Uma emancipação total ou jogada de marketing? Artisticamente, Beyoncé junta aqui o melhor da produção pop – “Sorry” tem umas variações dentro da canção que soam a FKA twigs menos experimental – e adiciona convidados como James Blake ou The Weekend, baladeiros contemporâneos que cantam sobre desamores, e não só, de formas díspares. Apesar de termos as temáticas mais relacionadas com corações partidos, é inegável a forte componente social de músicas como “Formation” e “Freedom”. Nunca ouvimos Beyoncé tão assertiva e tão confiante. “Formation” foi mesmo o primeiro passo para uma cantora com outros recursos e este álbum acaba por ser o desaguar numa nova identidade mais engajada.“Freedom” é a conclusão perfeita para a revolução identitária de Beyoncé e só Kendrick Lamar – com o dedo de Just Blaze num instrumental extraordinário que sampla a banda porto-riquenha de rock psicadélico Kaleidoscope – faria sentido no (possível) sucessor de “Alright” enquanto hino do movimento #BlackLivesMatter.

A cantora sempre se afastou da ideia do rótulo de “artista negra”  – ouça-se por exempla a entrevista com Piers Morgan em 2011 – e chamava a si uma identidade artística sem cor, tentando puxar a questão para o lado do talento. Mas o intervalo do Super Bowl foi o statement definitivo que alterou essa postura – veja-se o hilariante sketch do Saturday Night Live – e Beyoncé, a artista negra, é hoje um símbolo de poder inigualável numa luta que não parece ter fim. No meio deste corrupio de ideias, o mais importante é esquecer o ângulo da relação atormentada e olhar para as figuras que aparecem ao longo do filme, numa tentativa de demonstrar outro tipo de força: as Ibeyi – duo das talentosas irmãs franco-cubanas -, as mães de Trayvon Martin, Eric Garner e Michael Brown – vítimas mortais da violência policial -, Serena Williams, Quvenzahné Wallis – a actriz mais nova de sempre a ser nomeada para um Óscar – ou Leah Chase, a rainha da cozinha crioula. Estes nomes têm em comum a cor e as suas conquistas e demonstram uma realidade diferente daquela que surge pela voz de Malcolm X durante o acompanhamento visual de Lemonade: “A pessoa mais desrespeitada na América é a mulher negra. A pessoa mais desprotegida na América é a mulher negra.”

A evolução pop que a americana tem sofrido desde que saiu das Destiny’s Child tem o seu ponto alto em Lemonade com uma diversidade musical tão grande que impressiona a forma como conseguiu tornar a obra tão coesa. Concluindo, Jay-Z acaba o registo visual autobiográfico que acompanha o novo álbum ao lado da mulher e da sua filha, demonstrando que as tormentas exorcizadas terão acontecido num passado recente, mas que estarão resolvidas (para já). Passemos assim aos títulos alternativos para este texto: “Os 99 problemas de Jay-Z e a Beyoncé é o principal deles” ou “Como fazer marketing para uma super-estrela pop”.

 

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