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Publicado a: 25/10/2015

Beware Jack: “Não sou só papel, rima e flow – tenho mais música em mim”

Publicado a: 25/10/2015

[ENTREVISTA] Luís Afonso [FOTOS] Margarida Macedo

 

Vinha do emprego, que mantém oito horas por dia útil, e sobre o qual se refere como um “trabalho no espectro da rede”, quando nos encontramos numa mesa metálica de esplanada, no Miradouro de Santa Catarina, epicentro de Lisboa.

Considera-se um “campeão na gestão de tempo”, qualidade à qual replica o sucesso no trabalho, na música e na família. “Chego a casa do trabalho, não me fecho no meu home studio. Dou atenção à minha mulher, ao meu filho, fazemos o jantar, passeio os cães e depois ainda tenho toda a motivação ou mais para escrever.”

É Beware Jack desde que apareceu de Mustang encerado, em 2009, acompanhado por DJ Yoke, decidido a conquistar aldeias e vilas como o inesperado bom vilão de um velho western. Aliás, ele é o antagonista do seu próprio western. “Não a personagem principal, mas a que eu mais gosto”, diz acerca de Wrong Man aka Beware Jack, um dos vilões do livro que vem escrevendo há seis anos, que entra na trama ao quarto capítulo e agarra o primeiro plano, do qual extrai o nome da sua persona na música. Um “western clássico cheio de acção”, que tenciona publicar num futuro remoto, “possivelmente em conjunto com um álbum”.

Há mais de uma década respondia como MC Jordan, e representava a new school do rap de Odivelas; anos depois, com o nome Jack Da Ripper, aparece em diversas colaborações com Praso e Alcool Club. No presente, na ressaca do seu último trabalho, A Memória De Futuro, com DJ X-Acto, prepara-se para lançar o quarto disco a solo. Mas, em primeiro lugar, um disco colaborativo com Blasphemia produzido por Kilú, enquanto se regozija com uma infalível provocação sobre o programado álbum conjunto com Sam The Kid.

Analogamente ao rapper, que, antes de 2009, aparentemente despercebido, há muito estava activo nas rimas, Beware Jack é um personagem que “gosta de estar junto ao rio de No Land”, a cidade de ninguém perdida no deserto onde decorre a acção do livro. Demorando-se em pensamentos “debaixo de uma grande árvore, fugindo ao calor insuportável, enquanto confere uma temperatura agradável ao seu garrafão de vinho tinto através de um cordel preso a um ramo que não deixa a água levá-lo”. Indivíduo de poucas conversas, até chegar a sua vez de brilhar.”

 

*Acompanhem a entrevista ao som da playlist curada por Beware Jack para o Rimas e Batidas.

 


A expressão “mais que hip-hop” foi o slogan de A Memória de Futuro. Tendo em conta que passou um ano, e fazendo uma retrospectiva desse statement, qual é o feedback que reténs do projecto?

Não estamos aqui a inventar uma tecnologia nova. Digo isso pela fusão de artistas que conseguimos ir buscar, nomeadamente instrumentistas. O rap está lá todo. E o diggin’, sempre se tratou de ir buscar cenas ao blues, jazz, soul. Nós conseguimos casar isso com a sonoridade do rap nova-iorquino dos anos 90. Não podia ter melhor feedback. No bullshit. Não é um álbum para mil concertos, mas se os tivesse, dava-os. Mas não é um álbum para tocar um ano inteiro, é antológico. Eu não tenho CDs para mim, as pessoas estão sempre a pedir-me. Mas estão aí nas FNACs, a circular a nível digital…

Bling Projekt é composto por um instrumentista – Avishay Back – que antes trabalhara com outros MCs. O vosso casamento, firmado com o álbum, é para continuar ou é possível vermos a banda com outro frontman?

O casamento é para continuar. O fundador, Avishay Back, é israelita e está em Israel neste momento. Se eu iniciasse Bling, então iria fugir à sonoridade a que nos habituaram. Nessa perspectiva há um interregno. Porque não é fácil produzir um álbum deste género, não pela magnitude, mas pelo ambiente. Não esperem um álbum de Bling para o ano. Nem um álbum de Bling com outro rapper.

É possível que uma grande parte do teu público pense que fazes parte da new school por teres emergido mais visivelmente apenas com Mustang em 2009. Porém, já estás no movimento há muito mais tempo, mais de 10 anos, época em que iniciaste nas rimas com o grupo KJB de Odivelas, do qual és filiado desde a sua fundação.

KJB (risos). Pessoal da minha infância pura e dura. Era o Caligula, que depois foi para os Flow 212 e descolou que nem um foguetão, o Danone, o Fred… Na preparatória, começámos a andar juntos e a fazer umas cenas. Sempre a ouvir Fundação, Halloween, Youth Kriminal, que são os alicerces de Odivelas, no que ao rap diz respeito. Eu era o Jordan na altura. Depois, mais tarde, quando estive a trabalhar com o Praso e os Alcool Club, tinha rastas e era o Jack Da Ripper, mas achei que tinha muito a ver com talhos e tal (risos). Ficou Beware Jack, Cuidado Joaquim, se quiserem uma tradução literal (risos), que é o nome de uma das personagens do livro que estou a escrever, um western clássico.

 


 


Parece que andaste “à deriva” alguns anos, à procura do teu estilo e da tua fórmula na música.

Sempre tive o meu estilo. Não digo “maneira de estar na música” porque isso ganhas com as sovas que levas e com os presentes que ela também te vai dando. Mas eu sempre fui muito próprio em termos de sonoridade. Não tinha é condições para fazer as coisas num bloco sólido. As cenas saiam de forma faseada, estava sempre dependente de outrém, não tinha estúdio em casa. Nesse sentido, concordo. E, também, claro, é verdade que um artista vai evoluindo, e não é do nada que tens uma cena completamente fresh para entregar às pessoas e elas passarem-se.

Quando consideras que chegaste mesmo a esse ponto?

Varrer aquela merda toda? Coisas De 1 Porco, meu. Estava a trabalhar já em background no Memória de Futuro, que é uma cena com banda, mais orgânica. Mas eu gosto de uma sujidade mais suja. Finalizei-o mais ou menos quando estávamos a meio da Memória de Futuro. E consegui ter o meu rácio dividido em dois: queria um ambiente mais sujo no Coisas De 1 Porco, que também é uma personagem que eu criei; e a cena orgânica, que tem que ver com o nascimento do meu filho. Mudas. A sonoridade reflete essa minha mudança enquanto gajo que vê as mesmas merdas todos os dias mas que, agora, as vê ligeiramente diferentes, ou muito diferentes mesmo. Gostei muito do Mustang. Gostei muito de fazer e trabalhar o Mundo é Meu com o Yoke, mas está mal trabalhado a nível de som, eu tenciono regravá-lo um dia. Eu gravei-o num estúdio megalómano, o Coisas De 1 Porco gravei no meu homestudio. Tem a ver com a experiência, não devia ter gravado as minha músicas num super estúdio, devia tê-las gravado no meu ambiente. Trabalhá-las como eu quero, com quem eu quero.

As temáticas dos teus álbuns refletem bastante o movimento. Sítios, deslocações, deambulação. Dirias que existe na génese da tua música um sítio particular associado à tua pessoa – Odivelas, Lisboa, Portugal, ou mais além?

Não sou aquele gajo que representa Odivelas, não minto. Mas quando estou em cima do palco gosto que o meu pessoal de Odivelas lá esteja. Isto para dizer que sou um rapper de viagem. Sou um gajo visual, gosto de cheiro, textura, histórias. E que feches os olhos durante quatro minutos e entres no filme que estou a apresentar naquele momento. Não sou um rapper local. A minha base de inspiração é Lisboa, gosto que este sol me alimente. Sou um gajo de movimento, em grande parte porque conheço muitos lugares. Vou muito ao encontro dos rappers estrangeiros de que gosto, que são demasiado específicos para virem cá. Sempre que posso, é para lá que vou, são rappers com os quais me identifico, pensam como eu penso, acabo por tirar experiências desses encontros, ou mesmo só das viagens e dos lugares onde nos encontramos.

 


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“Sou um artista de investigação. Investiguei para me criar. O meu trabalho é a minha estaca e eu saio de lá com toda a energia para criar.”
– Beware Jack


Poderias enumerar alguns exemplos desses encontros e em que medida aconteciam?

Lord Finesse, em Nova Iorque. Elzhi. Slug dos Atmosphere, em Amesterdão. Evidence, antes de vir a Portugal com Dilated People. Jurassic 5, Method Man, Redman. E vou estar aqui a esquecer-me de muitos. Não fui ao estúdio deles, não estive a beber da inspiração deles, não sei como são no dia-a-dia. Tive a oportunidade de trocar uma ideia com eles. Pessoal bacano.

Consideras-te mais do que um MC?

Considero. Por acaso não gosto da palavra MC, eu sou um rapper. Sou intérprete. Na medida em que interpreto e gosto de criar personagens. Muito do meu rap vem de cenários desse livro que estou a escrever há bué anos, No Land with No Law, gosto muito desse imaginário do Velho Oeste. Não quero levantar vôo, não quero ter uma estátua. Gosto de histórias, sou um contador de histórias.

Estás mais biográfico.

Sempre fui, não de forma tão clara como hoje em dia. Odeio ser óbvio. Estou cada vez mais velho. Um gajo vai assentando as ideias e as coisas, surpreendentemente, começam a fazer-te mais confusão. E até ficas mais casmurro (risos). Sou um gajo verdadeiro, meu. O meu contacto com as cenas perigosas, as coisas ternurentas; se as pessoas gostam de ouvir, vão lá buscar.

Estas satisfeito com o teu estilo enquanto rapper?

Não, man. Sou muito musical. Não é só papel, rima e flow. Tenho mais música em mim. Com quantos mais músicos trabalhar, mais enriquecedor será para mim. Mais eu vou poder explorar a minha voz, que é uma coisa que faço cada vez mais. A rouquidão. Então quando a minha voz estiver quente, garanto-te um espetáculo do caralho. Não parei por aqui.


 

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Trabalhaste com várias pessoas. Nota-se que é algo a que dás importância.

Muita, mesmo. Aprendi muito, com muita gente. O projecto que mais me ensinou foi Bling Projekt. Enquanto músico, artista e inclusive como pessoa. Porque podemos ter um objectivo mas vários caminhos para lá chegar. Tivemos de contornar algumas discussões internas para levar o projecto a bom porto. Aprendi muito com eles a nível musical. Aprendi a ouvir, mais do que falar. Estou num trabalho em que as coisas são rígidas. Se há formação educativa que foge desse parâmetro, então vais para a rua, basicamente. Quando estás num ambiente mais aberto, criativo, é mais complicado gerir isso. Porque não há limites. Foi uma grande experiencia essa relação. São todos grandes amigos, sem excepção.

Referiste agora o teu trabalho. Não vives exclusivamente da música, julgas isso ser possível num futuro mais ou menos próximo?

Não. Embora muita gente diga que eu tenho a mania que sou artista, porque tenho as minhas condições – a música sai-me do corpo. A música dá-me o seu dinheiro mas eu tenho os pés na terra, eu sei que o meu rap não é para 60 mil no Sudoeste – até pode resultar, mas não estou a pensar nisso. Sou equilibrado nesse sentido. Não que um gajo que vive da música seja desequilibrado. Mas ao menos não me desiludo. E com 30 anos continuo a ter fome de rimas.

Com que olhos vês o rap por cá enquanto produto em vias de tornar-se viável financeiramente?

Aqui vivemos num separatismo constante. Toda a gente fala de união, mas todos puxam a brasa à sua sardinha. Mas que há um boom neste país relativamente ao hip hop, tanto no bom como no mau (o muito mau não falo porque não tenho tempo), há. E há um aproveitamento desse boom por parte dos media, dos festivais, tudo aquilo que se envolve no meio cultural. Já não é aquela música discriminada. Hoje em dia acordas e ouves rap na Cidade FM. Há uns anos, quando acordava, não ouvia rap nas rádios. Sou um artista de investigação. Investiguei para me criar. O meu trabalho é a minha estaca e eu saio de lá com toda a energia para criar. É difícil gerir. Familía, trabalho, ensaios até às tantas da madrugada, viagens de não-sei-quantos-quilómetros ao fim-de-semana e, na segunda-feira, it’s a brand new day, it’s a brand new reality (risos) – bulir. Mas sempre com energia e vontade de fazer mais e melhor. Sabes, uma cena que eu sou muita bom, meu? Vou dizer-te: sou um grande gestor de tempo. Se eu não trabalhasse, ia ter tanto tempo que não ia conseguir geri-lo. Mas se conseguir fazer só rap, agradeço aos céus, sou honesto.

 


 


Pelas minhas contas, além d’O PROCESSO em parceria com Blasph e produção de Kilú, deves estar a terminar um álbum a solo.

Pelas tuas contas estou a lançar mesmo um ábum a solo. Mas, antes do álbum a solo vem o álbum com o Blasph. Vais sair pela Mano A Mano, uma label que está a apostar bastante em nós. Temos o lançamento previsto para Fevereiro de 2016. Duvido que haja espaço para lançar o meu disco a solo também em 2016, não vou lançar dois no mesmo ano. Vai sair em 2017, não vou revelar nada já porque não tenho interesse em fazer isso.

E o álbum com Sam The Kid?

Vai ser sujo. Como os álbuns de Madlib com MF Doom. Para mim é um orgulho trabalhar com o maior símbolo do rap nacional. Uma grande influência minha, um gajo que eu respeito muito. Temos tido uma relação cada vez mais estreita, que é uma coisa que acompanha naturalmente uma parceira musical. É uma pessoa cinco estrelas. O convite de fazermos um álbum em conjunto partiu dele, sem pressas, sem timings. E sabemos que cena queremos construir.

 


 


Tens realizado sonhos ao longo da tua carreira como músico?

Trabalhar com o Sam, sem dúvida. Conhecemo-nos na apresentação do Mundo é Meu. Ele veio falar comigo, disse que gostou da minha actuação, eu dei-lhe o CD e trocámos contactos. E eu estive três anos e tal sem lhe dizer nada. Não tinha um projecto em que acreditasse o suficiente para propor bulirmos juntos. Quando o tive o projecto certo, que foi A Memória de Futuro, fui buscá-lo a Chelas e ele veio de MPC na mão. Portanto, estamos a falar de um sonho realizado. Duplamente. Primeiro, entrou no meu álbum e agora vou fazer um álbum com ele. Fui convidado pela Sara Tavares para escrever uma letra para ela cantar, o que foi um grande orgulho, porque ela não me pediu para cantar, pediu-me para escrever. Distinguiu-me como artista, enquanto rapper, intérprete e letrista. Que é outro dos objectivos que tenho, mas não num futuro imediato. E, hoje em dia, tenho muito orgulho em ter facilidade em trabalhar com as pessoas que eu quero e gosto, porque reconhecem a minha qualidade.

 

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