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Vítor Rua

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Um nome à parte.

Bernardo Devlin: um génio incompreendido

Na década de 80, Devlin surge com David Maranha numa banda que se viria a tornar um marco da música experimental em Portugal, os Osso Exótico. Após três discos — que rapidamente se tornaram obras de colecionador —, Bernardo Devlin inicia uma carreira a solo que conta já com seis discos: em 1994 sai o revolucionário World, Freehold, que nos mostrava uma nova via para o rock; em 1997 apresenta-nos Albedo, que viria reforçar a ideia de um compositor com uma linguagem muito própria e invulgar; seguem-se Circa 1999, em 2003, Ágio, em 2008, e Sic Transit, em 2012; oito anos depois, em 2020, é editada a obra-prima Proxima b.

Era de supor que um músico como este, co-fundador do grupo experimental de renome nacional e internacional Osso Exótico, com uma obra a solo tão vasta, de grande qualidade e originalidade, em quase já três décadas, fosse na actualidade um músico conhecido pelos seus colegas, pelos media e, finalmente, pelo público.

Mas tal não é o caso.

É certo que entre os músicos existe um grupo que sabe perfeitamente quem é Bernardo Devlin, e esses, os que o conhecem, apreciam e admiram o seu trabalho. 

Acabam agora de sair os dois mais recentes discos de Bernardo Devlin, esta terça-feira, dia 21 de Dezembro. Um tem por título Chroma, o outro KEY. São duas obras que formam (claramente) um díptico.

Instrumentalmente são trabalhos de música electrónica, o que é raro na obra de Devlin, que costuma incorporar intérpretes, violoncelistas, percussionistas, guitarristas, violinistas, oboé, cravo, etc., mas que, desta vez, surge num trabalho totalmente electrónico.

A nível vocal, Devlin usa esplendorosamente a técnica do spreschgesang — falar cantado. Num dos discos canta em inglês e no outro em português. A sua voz surge a maior parte das vezes sem aparente processamento, dando-nos uma crueza lírica vocal que prescinde quase totalmente de ornamentos ou vibrato.

Devlin já vinha a trabalhar nestes discos há mais de 10 anos, em temas que foi apurando ao vivo, quer em concertos como o que apresentou na Bienal Jorge Lima Barreto, em 2017, quer na sua tournée pelo Oriente e EUA em espaços icónicos de Macau e Califórnia, tendo contactado com compositores de diferentes estilos musicais que elogiaram o seu trabalho.



Após essas tournées, ficou horas, dias, meses, anos em trabalho minucioso de composição e produção — Bernardo Devlin é produtor dos seus discos. Um som para ele não é apenas mais um som! É algo que ele pode modular, trabalhar o sustain, o envelope ou o decay. A disposição desses sons no espaço estéreo é outra das suas preocupações, a espacialização. Tal empenho em pormenores, que quase só experts irão notar e apreciar, é uma das suas características composicionais.

No seu CD KEY, se quisermos encontrar influências subliminais para esta obra extraordinariamente bem realizada, temos de nos deslocar da pop e do rock e ir ao encontro de compositores como Rautavaara (em temas como “Angels Share”); ou Morton Subotnick (em “Black & White & Petrol Blue” ou “Zero”), ambos da chamada música “erudita”. 

Em Chroma, Devlin transporta-nos numa viagem pelas profundezas infinitas em “20:45”; num minimalismo instrumental com pulsações subliminares em “Paralento”; em “Era Vulgar” damos conta de um arranjo de cordas minimais que criam um exótico suspense; “Sorefame” surge-nos como uma espécie de fragrância sónica a la Pierre Schaeffer do século XXI, com técnicas de cut & paste; “Dupla Ganga” é música concreta/electrónica juntas (tal como Stockhausen tinha feito na sua obra Canto dos Adolescentes).

Estes dois discos são duas obra-primas do rock! 

E não me refiro apenas ao rock nacional!

São dois discos que são bons em qualquer lado do mundo e que merecem ser dados a conhecer a um público cada vez mais alargado.

Bernardo Devlin realiza um tipo de rock, que é verdadeiramente genuíno, criativo e original.


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