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Fotografia: Raúl Cruz
Publicado a: 21/01/2021

Música sem cronologia.

Bernardo Devlin: “Nunca me vi como um cronista do presente”

Fotografia: Raúl Cruz
Publicado a: 21/01/2021

Bernardo Devlin tende a lançar novos resgistos muito espaçadamente, sem compromissos com qualquer tipo de agenda que não seja a sua. Os tempos pedem que se cante mais alto e, “nas actuais circunstâncias, isso torna-se inevitável”. Assim, o final de 2020, mais precisamente o dia 18 de Dezembro, viu nascer o seu primeiro projecto a solo em oito anos.

Fundador dos Osso Exótico, rapidamente deixou o grupo para se dedicar a lançamentos em nome próprio. Desde a década de 1990 lançou seis trabalhos de longa-duração, e colaborou com artistas como Sei Miguel, DWART, Vítor Rua, Rita Braga ou Andrew Poppy. Próxima b é uma continuação numa busca musical que surpreende a cada lançamento discográfico, que não se esforça para ser único, mas que é incapaz de não o ser.

Crendo-se mais próximo de uma corrente surrealista, o cantautor avisa: “interessa-me mais estabelecer contextos que partem de um cenário possivelmente familiar e que a partir do qual podem surgir contornos inesperados”. “Quando a luz chegar amanhã”, como canta repetidamente, quem sabe o que o artista tem para nos mostrar. Em vista está um novo projecto intitulado Chroma Key, mas a surpresa está sempre ao virar da esquina quando Bernardo Devlin é o tema de conversa.



Fala-nos um pouco sobre o que é Proxima b. Segundo nos contas no comunicado, tem uma atenção sociopolítica como ponto-chave, não é?

Sim. Não do ponto de vista analítico, claro. É mais uma perspectiva emocional, sobretudo no que se refere às extremas desigualdades suportadas e alimentadas pela legalidade do regime vigente. Nunca me vi como um cronista do tempo presente, e muito menos como artista politizado, mas, nas actuais circunstâncias, isso torna-se inevitável.

Quanto tempo demorou o processo criativo do disco? Foi produzido em período de pandemia?

A escrita das canções começou em 2014 e como sempre o processo avança em fases. A adição de certos elementos finais e a pós-produção foi o que avançou durante a pandemia.

Esta última década vê-te mais voltado para uma produção menos electrónica e particularmente menos experimental? Concordas? É intencional essa direcção?

Acho que o que comumente é entendido como experimentalismo passa pela aplicação de técnicas que originalmente foram de facto experimentais, da mesma forma que o conceptualismo tão dominante no mundo artístico dos últimos anos assenta em princípios desenvolvidos na primeira metade do Séc. XX. Posto isto, interessa-me mais estabelecer contextos que partem de um cenário possivelmente familiar e que a partir do qual podem surgir contornos inesperados. A esse nível sinto-me mais próximo dos surrealistas.

Para além disso, até à data só um álbum meu foi mais marcadamente electrónico (o Ágio, de 2008) e mesmo assim nunca numa direção exclusivamente electrónica. Simplesmente recorri aos sintetizadores e a alguma programação. 

Esta é uma escolha curiosa de instrumentos, e o uso dos mesmos salta à vista do princípio ao fim do álbum. Conta-nos um pouco sobre estas escolhas de arranjos e de músicos.

Da minha parte, tal como nos álbuns anteriores, escolho os músicos de acordo com a sua personalidade e não somente a partir duma vertente mais tecnicista. Cada canção age como uma dramaturgia específica.

Como te é costume, tens muitos instrumentistas envolvidos na produção do disco. Quão difícil se torna manter uma mesma ideia com exactidão quando há tantas perspectivas e ideias em jogo? Por outras palavras: como é ser o maestro de um disco de Bernardo Devlin?

Maestro nunca me considerei. Mas, como disse, tenho conhecimento das personalidades envolvidas e sei o que posso extrair delas. Quanto muito interessa-me pôr os músicos em contextos em que não os vi antes. De resto, as músicas partem duma ideia mais ou menos pré-definida, consoante o caso, e o mais interessante é seguir o processo sem recorrer a métodos ou fórmulas que possam deturpar a ordem natural das coisas. 

Nota-se algumas influências do teu interesse em cantautores como Nick Cave, Jacques Brel ou Leonard Cohen, embora disponhas de arranjos que apontam em várias outras direcções diferentes, e até mais experimentais. Como te posicionas entre outros cantautores a nível nacional, depois de uma carreira tão prolongada e por tantos meios diferentes.

Esses autores mencionados, eles próprios têm períodos diversos e que, por vezes, entram quase em conflito uns com os outros. Do meu ponto de vista é exactamente isso que os torna interessantes. Para responder à pergunta em si, sigo o meu instinto artístico sem me preocupar em particular com o que se passa à minha volta, sobretudo agora em que está tanta gente ativa e em que os hypes só cobrem uma fatia muito específica e genérica do que se está a passar. Honestamente, nem tenho uma noção exacta do que se passa neste momento.

A tua lista de colaborações é extensa. Tens algumas participações em vista para os próximos tempos?

Nada em vista para já.

Lançar isto nesta altura, em período de pandemia, tem os seus desafios. Tens uma actuação ao vivo preparada para o Proxima b?

Sei bem do que gostaria mas, e isto não tem a ver com o período pandémico per se, também sei que as circunstâncias não estão do meu lado para que isso possa acontecer.

Além disso, o que nos podes contar sobre o teu 2021?

Para além da incerteza comum a todos e a tudo, também ainda não estou certo em relação ao próximo passo. Tenho um projeto que se chama Chroma Key que poderia entrar diretamente em fase de (quase) finalização mas, por variadas razões, não sei se é o momento correcto para isso.


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