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Texto: Vítor Rua
Fotografia: Direitos Reservados
Publicado a: 28/04/2025

A originalidade em aceleração no cosmos do rock português.

Bernardo Devlin: A Dança das Estrelas Sonoras

Texto: Vítor Rua
Fotografia: Direitos Reservados
Publicado a: 28/04/2025

[Encontros com a Arte]

Bernardo Devlin nasceu sob a influência de um ambiente artístico, onde a estética visual se fundiu com a sonoridade, moldando a sua forma de pensar a música de maneira inovadora. Essa simbiose primordial com as artes visuais distingue-o de abordagens musicais mais convencionais, conferindo-lhe um olhar único sobre o universo sonoro. Através de uma escuta profunda e uma observação atenta do mundo ao seu redor, Devlin deu vida a um som que ecoa como uma supernova, desafiando as fronteiras do que é considerado rock.

[A Génese de um Som Singular]

Em 1985, Devlin formou a sua primeira banda, Electrodomésticos, seguida pelo projecto Jardim Orgânico dois anos depois. Essas experiências iniciais foram apenas o prenúncio de uma trajectória rica em experimentação. Em 1989, fundou Osso Exótico, uma plataforma de exploração musical onde se destacou por suas composições que, embora não sigam a notação convencional, são meticulosamente elaboradas.

[Explorando o Cosmos Sonoro]

O impacto de Devlin no panorama musical português é inegável. Seu álbum de estreia a solo, World, Freehold (1994), lançado após uma estadia de três anos em Berlim, marcou um novo capítulo em sua carreira. As suas composições reflectem um rigor intransigente e uma criatividade que desafiam as normas estabelecidas, posicionando-o como um dos expoentes máximos do rock em Portugal. Os seus concertos, como aquele realizado na Sala do Risco, são testemunhos da sua singularidade, onde a sala pequena se torna um universo em expansão, repleto de sonoridades inovadoras.

[A Alquimia Musical]

Bernardo não se limita a compor; ele cria mundos sonoros. A sua abordagem não convencional às letras e à estrutura das canções resulta em composições que vão além do habitual, inserindo-se numa dimensão em que a música se torna um espaço de reflexão sobre a natureza, a linguagem e o tempo. Este carácter solipsista é intensificado pela sua voz, que navega entre camadas de sons, uma orquestra que evoca ecos de uma realidade que se desdobra em múltiplas dimensões.

[O Ciclo da Criação]

Devlin é também um compositor prolífico para cinema, tendo escrito a música para o aclamado filme de animação A Suspeita (2000) e vencido prémios internacionais, incluindo o de melhor música original no Festival de Cinema da Bahia. As suas criações para televisão, como as vinte e seis canções da série As Coisas Lá de Casa, são reflexos da sua versatilidade e do seu compromisso em levar a música a novos patamares.

[Ecos e Refrações]

Os álbuns que se seguiram, como Circa 1999 (9 Implosões), são descritos como uma experiência quase mística, repleta de sonoridades que desafiam a lógica. Com uma estética sonora que evoca o gelo das constelações e a profundidade do espaço, Devlin explora o que significa ser um músico numa época em que a identidade se fragmenta. A sua música, como descrito por críticos, é um testemunho de uma realidade que se contorce entre a melancolia e a beleza, evocando uma ressonância que fica na memória como um eco distante.

[Uma Constelação em Movimento]

A jornada musical de Bernardo Devlin é uma prova de que a arte não conhece limites. A sua capacidade de transformar cada composição numa exploração do cosmos sonoro o distingue como uma figura singular no panorama do rock português. Com uma originalidade e rigor inigualáveis, ele não apenas compõe; ele convida o ouvinte a embarcar numa viagem através das estrelas, onde cada nota ressoa como um lembrete da beleza e da complexidade da vida. Devlin é, sem dúvida, um dos grandes arquitectos do som que continua a expandir as fronteiras do que a música pode ser, desafiando-nos a olhar para além do convencional e a mergulhar nas profundezas do desconhecido.



[The Night Before The Space Age: Uma Sinfonia de Paradoxos]
A Acessibilidade na Complexidade do Rock Português

[Visões do Cosmos Sonoro]

The Night Before The Space Age emerge como uma obra monumental na discografia de Bernardo Devlin, desafiando as convenções do rock português com uma profundidade e beleza raras. Com dez faixas que fluem como constelações num céu nocturno, o álbum combina um rigor composicional com uma acessibilidade que cativa tanto os ouvidos mais exigentes quanto os ouvintes casuais. A instrumentação cuidadosamente escolhida e a colaboração com músicos talentosos como Helena Espvall, Luísa Gonçalves, Rui Dâmaso e André Abreu trazem uma riqueza sonora que transcende o habitual.

[O Ciclo de Composição]

As faixas, que vão de “The Observation Car” a “It’s Closing Time”, são testemunhos de uma escrita meticulosa e de um processo criativo que reflecte um vasto conhecimento musical. Bernardo Devlin não apenas compõe; ele constrói paisagens sonoras que desafiam o ouvinte a mergulhar em uma experiência que mistura o banal com o cósmico. As suas composições, embora aparentem uma simplicidade encantadora, revelam camadas de complexidade que demandam atenção e reflexão.

[Rítmica Estelar]

Um dos aspectos mais fascinantes do álbum é a precisão rítmica, onde a bateria, quase como um computador de ritmos, pulsa com a precisão de um mecanismo celestial. Este é um disco em que cada batida e cada nota são orquestradas com tal clareza que a improvisação, normalmente central em muitas obras de rock, dá lugar a uma execução rigorosa e delineada. O baixo, pulsando ao ritmo do universo, cria uma fluidez que se assemelha a uma dança cósmica, enquanto as guitarras, por vezes “frippianas”, evocam uma dimensão de complexidade harmonicamente rica.

[Coros Cósmicos e Harmonias Celestiais]

A inclusão de coros femininos, que ecoam as sonoridades “cohenianas”, adiciona uma profundidade emocional que ressoa com os temas de amor e solidão que permeiam a obra. A harmonia vocal e a instrumentação meticulosa tornam cada faixa uma experiência única, onde a familiaridade se entrelaça com a novidade. Devlin conjuga influências que vão desde a música espectral à minimal, do jazz à música electrónica avançada, reflectindo uma educação musical eclética e cultivada.

[A Alquimia da Produção]

A produção do disco, com gravações parciais no estúdio Namouche e misturas cuidadosas, resulta em um som que é ao mesmo tempo etéreo e robusto. Joaquim Monte e Bernardo Devlin trabalharam juntos para criar um espaço sonoro que captura a essência do que Devlin imaginou, masterizado por Tó Pinheiro da Silva, cujo toque final garante que cada elemento sonoro ressoe de maneira harmoniosa.

[A Importância Global]

The Night Before The Space Age não é apenas um disco importante no contexto da música portuguesa; é uma obra que tem potencial para alcançar o reconhecimento mundial. As suas composições têm uma qualidade que transcende fronteiras, oferecendo uma experiência auditiva que é rica e variada, adequada para qualquer audiência ao redor do mundo. Devlin prova, mais uma vez, que a música pode ser um veículo poderoso de comunicação, capaz de unir ouvintes em diferentes partes do planeta.

[Uma Odisseia Musical]

Bernardo Devlin, com The Night Before The Space Age, convida-nos a uma viagem através das estrelas, onde cada nota é uma estrela brilhando no vasto cosmos musical. Este disco é um testemunho do seu talento excepcional e da sua capacidade de criar obras que, embora profundamente pessoais, encontram uma ressonância universal. Ao explorar a complexidade da experiência humana através da música, Devlin solidifica seu lugar como uma das vozes mais inovadoras e relevantes do rock contemporâneo.

[A Noite Antes da Era Espacial: Reflexões em Tempo de Transição]

[Entre o Futuro e o Presente: A Poética de Bernardo Devlin]

A letra de “The Night Before The Space Age” de Bernardo Devlin surge como um sussurro nas intersecções entre o passado e o futuro, um convite à reflexão sobre a condição humana à beira de uma nova era. O título, ao evocar a véspera de um acontecimento grandioso, estabelece uma atmosfera de expectativa e incerteza, capturando a essência de um tempo em que as promessas da modernidade parecem pender entre a utopia e a distopia.

Na abertura, Devlin apresenta um cenário de desilusão: “Down in the pool / this early millennium / is not looking good.” A referência a uma “pool” pode ser vista como uma metáfora para um estado de inércia, uma imersão em águas turvas que reflectem o desencanto de um século que, apesar de seu potencial, não parece cumprir as promessas de transformação. A expressão “we are coping” ressoa como um eco das vidas contemporâneas, onde a luta pela sobrevivência se torna o lema da existência, enquanto a superficialidade do consumo é representada pelo “vinyl reissue of 180g.” Esta imagem, que evoca uma nostalgia por tempos passados, contrasta com a realidade do presente, revelando uma cultura que se agarra a fragmentos de um passado glorioso enquanto navega em direcção a um futuro incerto.

A estrutura lírica flui como um sonho fragmentado, capturando a essência de uma sociedade à beira da transformação. Devlin habilmente manipula o tempo verbal, misturando presente e futuro, criando uma sensação de que a “noite” se prolonga, que a aurora da nova era ainda está por vir. “Way up above / there in those towers” sugere uma desconexão entre as esferas superiores do poder e as experiências dos indivíduos. As “towers” podem simbolizar as instituições que prometem estabilidade, mas cuja presença é marcada pela frieza e pela falta de empatia. As linhas que se seguem descrevem uma realidade controlada: “The a/c is humming to the outside world / the LEDs on the ceiling calling strict control.” Aqui, a tecnologia emerge como um personagem quase opressivo, um símbolo de um sistema que prioriza o controle em detrimento da humanidade.

No entanto, Devlin não se entrega ao desespero. Na linha “The lifespan is longer and you’ve got the net / you may as well believe there’s something to it out there,” Devlin traça um delicado equilíbrio entre a fragilidade da segurança que buscamos e a incerteza que o futuro nos reserva. Esta afirmação evoca a relação entre a esperança de longevidade e a rede de conexões que nos amparam, enquanto nos lembra de que essa segurança é, muitas vezes, uma ilusão. As forças que nos cercam — meteoritos, asteróides, buracos negros — simbolizam as realidades cósmicas que desafiam a nossa compreensão, enquanto a possibilidade de inteligência extraterrestre e as teorias que a rodeiam revelam a vastidão do desconhecido. Aqui, a incerteza é palpável, e o que consideramos seguro e familiar é constantemente questionado por um universo que se estende muito além das fronteiras deste planeta. A linha “you may as well believe / there’s something to it out there” evoca uma esperança ténue, um vislumbre de que, apesar das dificuldades, há algo além do horizonte que vale a pena perseguir.

A repetição da frase “it’s the night before the space age” ao longo da letra serve como um mantra, um lembrete de que, mesmo em meio à incerteza, a mudança é inevitável. Esta “noite” é simultaneamente um espaço de preparação e um momento de reflexão, onde se questiona o que está por vir e o que foi deixado para trás. A escolha de Devlin em encerrar com a mesma frase ressoa com a ideia de que a transição entre eras não é uma linha recta, mas uma espiral de experiências que se entrelaçam.

Em última análise, “The Night Before The Space Age” é mais do que uma simples canção; é uma meditação poética sobre o estado do ser humano em tempos de transição. Bernardo Devlin, com sua habilidade única de capturar a complexidade da experiência humana, convida-nos a ponderar sobre o que significa viver à beira de uma nova era, onde a esperança e o desespero coexistem, e onde a nossa resposta à incerteza moldará o que está por vir. Esta letra, rica em imagens e significados, ressoa não apenas como um reflexo do nosso tempo, mas como um chamado à acção, uma súplica para que olhemos além da superfície e descubramos o que realmente importa na jornada do ser.

[O Arquétipo Sonoro: A Viagem de Bernardo Devlin]

No entrelaçar da arte e da sonoridade, Bernardo Devlin caminha sob o olhar atento das musas. Nascido em um ambiente onde a estética visual se funde com a música, ele tece melodias que são como teias de estrelas num universo que clama por ecos. Desde os seus primeiros passos, em grupos como Electrodomésticos e Jardim Orgânico, Devlin semeia ideias que germinam, fundindo tradição e inovação.

Com a formação de Osso Exótico, uma ode à experimentação, cada nota se transforma em um grito da alma, cada silêncio é um convite ao infinito. Ele se torna o mestre do tempo e do espaço, criando obras que desvelam mistérios e transportam o ouvinte para paisagens sonoras enigmáticas, onde a precisão se entrelaça com a emoção.

Em álbuns como The Night Before The Space Age, Devlin abre portais para dimensões paralelas, revelando a fusão entre complexidade e acessibilidade. Suas canções dançam nas esferas, ecoando como coros celestiais, enquanto as guitarras vibram com corações pulsantes. Este é um universo onde a beleza resplandece em cada compasso, e a sua obra transcende as fronteiras, cantando para além da terra, voando em direção ao desconhecido.

Bernardo Devlin, o arquétipo do compositor, esculpe sons como esculturas, e em cada linha e compasso a essência da música se funde à poesia. No sussurrar de suas criações, cada estrela brilha no vasto céu da música, iluminando os que têm a sorte de escutar. Em sua arte, a simplicidade das notas abriga a complexidade do ser, e nos convida a explorar o infinito que reside em cada acorde.


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