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Texto: Paulo Pena
Fotografia: Rui Silva
Publicado a: 29/07/2023

O regresso de um festival reconfigurado e a novo ritmo.

Beat Fest’23 — Dia 1: devagar se pode ir longe

Texto: Paulo Pena
Fotografia: Rui Silva
Publicado a: 29/07/2023

O sistema de posicionamento global (vulgo Waze) trouxe-nos cá, mas a verdade é que viemos às cegas a Gavião, sem saber bem o que esperar da terceira edição do Beat Fest  — três anos após a segunda e depois das duas primeiras terem apresentado um novo festival exclusivamente circunscrito ao hip hop no Alto Alentejo. Com um interregno forçado pelas circunstâncias que todos nós ainda temos bem presentes na memória, a linha programática sofreu, por sua vez, um desvio à matriz inicial e abriu o espectro a artistas de outras paragens sonoras. O cartaz, ainda que reduzido, não é propriamente humilde, antes realista: dar passos maiores que a perna geralmente dá mau resultado, e essa parece ser a filosofia de quem volta a apostar na Praia Fluvial da Comenda para se fazer a festa. Nesse aspecto, aposta certeira: o recinto, apesar de pequeno para a ideia de “festival” — mas com espaço suficiente para uma considerável mancha de campistas —, surpreende por um encanto harmonioso de um vale onde correm derivações do nosso Tejo e em que se vive um ambiente de romaria popular estival.

A julgar pelo arranque deste festival reconfigurado, dificilmente se adivinham gentes vindas de fora do distrito de Portalegre, mas servir a comunidade local já vale muito por si só. Isso e um alinhamento que, no primeiro dia, nos reserva nomes como OGCADU, Domingues e Bárbara Tinoco justifica a expressão da plateia, maioritariamente composta por juventude em idade de afirmação e agregados do neto ao avô. Daí que nos soe um tanto ou quanto bizarro ouvir linhas como “Qualquer putinha gosta de paka, empacota a puta e manda p’a casa” ou “Não respeito nenhuma puta que me chupe e fala merda, mal eu tinha aberto a boca já ela tinha aberto as pernas” num ambiente tão familiar. Mas, novamente, do neto ao avô, a mensagem de OGCADU parece ser secundária no confronto com a batida que convence a generalidade dos ainda poucos espectadores nessa hora — e isso, sem paternalismos subentendidos, é o que realmente importa neste contexto.

Esse espírito, aligeirado pela predisposição festiva, perdoa a falta de experiência do jovem MC que terá por referências maiores rappers como Pop Smoke e Lil Uzi Vert: só se ganha estrada fazendo-a, por isso — e por muito que nos faça torcer o nariz quando os nossos parâmetros se moldam, inevitavelmente, a outros níveis de exigência — há que dar de barato o nervosismo evidente, a falta de sensibilidade no uso do microfone, o esforço desmedido em cativar uma parca plateia (ainda assim entusiasmada com o infante, há que ressalvar), ou a rigidez de movimentação em palco. Ao que parece, não faltam a OGCADU faixas capazes de somar milhares de ouvintes — passou em revista 14 delas, aliás —, mas transpô-las para um formato de viva voz é um desafio bem maior em comparação com a margem de erro que o estúdio permite — e corrige.



Caso bem diferente é o de Domingues, e isso é evidente, desde logo, nos moldes em que se apresenta em palco: enquanto o seu antecessor se fez valer de um DJ e um hypeman, o artista de Gaia traz à praça um formato banda tradicional — guitarrista, teclista, baterista e baixista (este último a fazer furor junto das espectadoras mais novas, com direito a leilão mediado pelo próprio Domingues para ver qual das raparigas levava o seu instrumentista mais novo, de seu nome Henrique Moutinho, adiante-se, para casa).

Diogo Domingues, por sua vez, tem estrada feita, garantidamente — e esse palpite não podia ser mais seguro, mesmo que avançado sem conhecimento de causa, uma vez que não é um artista com grande tempo de antena deste lado. Ainda assim, os milhões não enganam. E a sua segurança em palco também não. É que, como nos conta brevemente a páginas tantas, todo este sucesso tem-se desenvolvido a uma velocidade inesperada: ainda há dois anos estudava frustrado, conta-nos agora, e bastou-lhe um par de canções para chegar a milhares de pessoas — e um super-single como “Fica” para dar início a uma carreira promissora.

Surpreende-nos, por isso, que apenas com meia dúzia de temas oficialmente lançados tenha tanto andamento nestas andanças. Para lá do tom funky-soul-jazzístico-marina-de-Albufeira, Domingues sabe realmente dar show: confortavelmente entrosado com a banda que o acompanha, mostra-se abertamente comunicativo com uma plateia já mais composta, revela um sentido de humor carismático — aquela dose de frontalidade nortenha é-lhe uma mais-valia —, agradece sistematicamente à “família” que tem à sua frente a cantar as suas letras e, mais importante, canta, de facto. Desde “Deixa Arder” a “Pé Descalço”, passando por “Romance de Cinema” (introduzida com “Quem é que já foi ver a Barbie? — la está, prova desse à-vontade numa posição que ocupa não assim há tanto tempo), enche o palco de uma ponta a outra e faz render o tempo que lhe fora reservado do início ao fim. Tanto que, tal é a vontade de cantar mais, estica ao máximo a duração da sua actuação já com a produção a dar-lhe sinal de retirada. Afinal, um artista pode mesmo fazer-se a contratempo. 


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