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Fotografia: Tomás Oliveira
Publicado a: 05/10/2022

Spooky season.

BbyMutha: “A nível de ideias, pensamentos e objectivos, eu sou maior do que o sítio de onde venho”

Fotografia: Tomás Oliveira
Publicado a: 05/10/2022

Desde sempre com fortes ambições, lembrando Fernando Pessoa e o seu heterónimo Alberto Caeiro com “porque eu sou do tamanho do que vejo/E não do tamanho da minha altura”, directamente do Tennessee para os palcos portugueses, BbyMutha veio abençoar o público do Iminente com o seu rap destemido e forte amor pela interacção com o público, mostrando que uma flor destas floresce em qualquer lado, seja no solo que for.

Embora tenha deixado claro no início da conversa que não gosta de entrevistas — especialmente por nunca haver muito tempo para se dizer o que realmente se pensa –, quisemos fazer desta uma exceção e, já no backstage e ainda em clima de festa, a rapper americana cedeu-nos alguns minutos para uma conversa livre e informal que passou a correr pela simpatia e disponibilidade da mesma.

Pronta a dizer o que pensa, sem papas na língua, a artista falou com o Rimas e Batidas sobre futuros projectos, ser-se quem se é, sem filtros, e a importância de te representares a ti própria, sem esperares que o façam por ti. 



Como te sentes em actuar neste festival?

Sabes, sinto-me honrada. Eu sinto-me honrada por actuar em qualquer festival, porque de onde eu venho ninguém actua em festival nenhum; estão só sentados nas suas casas a fazer músicas no Fruity Loops [risos], depois põem no Facebook e o pessoal que vive na vizinhança ouve, mas não vencem ou expandem para fora dali, é algo muito local. De onde eu venho é assim.

E de onde vens?

Eu venho de Chattanooga, Tennessee. A maioria das pessoas lá está demasiado confortável, há lá pessoal muito talentoso, mas sentem-se demasiado confortáveis em serem aplaudidos apenas pelos colegas que lá moram também.

E tu conseguiste sair desse ambiente e crescer tanto. É de estares orgulhosa. 

Consegui e eu de qualquer maneira sempre fui a rapariga “estranha”, portanto nunca vou divulgar a minha música ou tentar fazer música que apele às pessoas de onde eu venho. Eu odeio dizê-lo, mas o sítio de onde eu venho “fez-me” quem eu sou, sabes? Mas a nível de ideias, pensamentos e objectivos, eu sou maior do que o sítio de onde venho.

Tens alguma música preferida de apresentar ao vivo?

A minha música preferida de cantar é uma que nós fizemos e que ainda nem saiu.

E, para quem estiver a ler isto, quem é o “nós”?

Este é o meu irmão, o meu puto, o meu GOAT, o nome dele é Jordan, mas conhecem-no melhor pelo nome J Rick The Pickle, Pickle Rick!

Tipo o Rick and Morty [risos].

É como se fosse meu irmão. Nunca fiquei tão próxima de alguém tão rápido, especialmente de um homem, mas comecei a juntar-me com ele há uns meses porque queria uma sonoridade diferente para a minha música. Juntámo-nos antes de vir para aqui e a música que tocámos chama-se “Gun Control” e ainda não saiu, mas vai sair em breve. Estou a trabalhar no meu álbum, chama-se Sleep Paralysis e ainda não sei quando vai sair, mas queria mesmo lançar um álbum completamente flashed out. Nunca fiz isso! Nunca tive a oportunidade de [divulgar] a minha presença inteiramente porque eu sou mãe, é a vida real, a vida acontece, sabes? E especialmente porque — eu não sei pelo que é que vocês passam aqui –, mas a América está fodida. E eu sempre quis fazer algo completamente idealizado e com conceito, porque cresci a ver toda a gente fazer estes rollouts que são algo que são uma coisa séria na música americana: lanças um single, depois lanças um vídeo para esse single, depois lanças outro vídeo, e depois o single desse vídeo; deixas as pessoas entusiasmadas para o álbum e depois lanças o álbum e teve toda a divulgação possível e dás-lhe os visuais que ele precisa para que as pessoas percebam exactamente o que estás a tentar transmitir com aquele álbum; nunca consegui fazer isso também porque é caro.

Talvez esta seja a tua altura! Com o Sleep Paralysis. Mostras-te muito à vontade para falar de sexo e de outras experiências enquanto mulher nas tuas músicas. Sempre te sentiste confortável com expressar-te relativamente a estes assuntos ou foi algo que demorou algum tempo a construir?

Eu acho que sempre me senti assim confortável em relação a isso porque eu sou neurodivergente e tenho ADHD. Às vezes não é que eu não me importe com o que as pessoas pensam, mas é só uma maneira de me expressar. É a minha maneira própria de me expressar, porque quando eu era mais nova havia alturas em que eu percebia que algumas coisas eram erradas, mas não me importava porque queria validação, entendes? Então sempre fui uma pessoa muito sexual, mas como fui criada metade cristã/ metade muçulmana sempre tive de ser um bocado reservada sobre isso.

Deve ser algo empoderador agora, entendo.

Sim! As coisas que eu faço agora são empoderadoras, mas também vêm com o custo de perderes os teus pais. Tens de fazer essa decisão; eu fiz a minha e vou ser quem eu sou e já estou a sê-lo e sinto-me muito empoderada.



Há alguma mensagem que queiras passar com a tua música?

Não. Não tenho mensagem nenhuma. Eu quero mesmo que nós consigamos fugir disso, especialmente enquanto mulheres negras – e não só, também todas as mulheres de cor –, fugir dessa ideia de que temos de representar todas. Não dá para representares uma comunidade inteira. Muitas de nós passamos por situações similares, mas isso não significa que tudo pelo que passamos seja similar. E por alguma razão, por causa das redes sociais, que te fecham no teu mundo, as pessoas online seguem outras pessoas que encontram com os gostos parecidos a elas, com todos os interesses em comum, e a partir do segundo em que dizes algo com o qual elas não concordam, não importa o quanto tiverem em comum, vai tudo borda fora; porque toda a gente acha que se não pensas exactamente como eles, então és logo má pessoa. Eu não tenho de representar ninguém; primeiramente, eu não pedi para estar aqui e, quando eu aqui cheguei, ninguém me disse que eu ia ser quem sou. E quando eu me tornei em quem sou hoje, eu não me tinha apercebido que era assim que eu ia ser e até hoje estou a descobrir e a aperceber-me de quem sou; então, não acho que seja justo porem essa pressão em mim, porque eu continuo a ser uma pessoa. Não tenho mensagens para ninguém. Eu represento-me a mim própria, e se eu tiver alguma mensagem a passar? Representa-te a ti própria. Pára de procurar validação noutros lugares, pára de pedir representatividade na televisão; nós não precisamos de mais representatividade, exposição, porque tudo isso nos expõe a ódio e assédio. Eu costumava pensar que queria ter essa exposição, à força toda, e fazia cenas para me expor dessa maneira e era muito honesta; no princípio, eu até tinha mesmo uma mensagem, a minha mensagem era: lá por seres mãe não significa que não és um ser humano. Tu és um ser humano para além de teres crianças, mas ninguém quer saber dessa mensagem, excepto as pessoas que realmente se revêem nela. Essencialmente, tu não sabes quem te está a ver neste mundo ignorante e infelizmente é nele mesmo que eu tenho de me promover. Há que ter cuidado, porque nunca sabes quem está a ver as tuas coisas e a ver-te a ser um ser humano normal, mas só por seres também mãe e teres crianças podem julgar-te de imediato. E estamos todos só a viver a vida, ainda estou a crescer.

[J Rick acrescentou: “cada pessoa é uma pessoa individual”]

Cada pessoa é individual e, se eu tiver de passar uma mensagem, a mensagem é esta: tu és uma pessoa individual, não esperes que as pessoas falem por ti, não procures ninguém para te representar. Tu representas-te a ti próprio. Não importa se és ouvido ou não. As pessoas estão tão obcecadas com clout, querem tanto ser ouvidas; tu não tens de ser ouvida obrigatoriamente, lembra-te também que quanto mais ouvida, mais tens de lidar com abuso, assédio, ódio e essencialmente eu quero que quem ouve a minha música esteja seguro. Quando as pessoas veem aos meus concertos, especialmente quando veem por mim, eu enfio-me na plateia, eu falo com os meus fãs, nós estamos ali a curtir e a trocar ideias e se sentes que precisas de ser ouvido podes falar comigo, eu ouço-te, mas não andes a espalhar isso num site qualquer, porque as pessoas lá fora não querem mesmo saber. E se realmente se importam, só se importam para poderem capitalizar às tuas custas: é isso que está a acontecer com a comunidade gay, com a comunidade trans, está tudo a ser capitalizado, [andam] a vender a tua identidade. E eu entendo, às vezes é preciso engolir uns quantos sapos para se chegar ao dinheiro, mas o meu desejo era que as pessoas se focassem nas nossas comunidades no geral em vez de tentarem equiparar-se… toda a gente, admitam ou não, quer ser aceite como as pessoas brancas são aceites, querem ser iguais. Eu não quero mesmo saber se pessoas brancas gostam de mim ou não. Não é para elas perceberem, não têm de o viver. E para as pessoas brancas que realmente o fazem — porque há pessoas brancas que passam pelas mesmas coisas que eu –, toda a gente devia representar-se a si próprio. A mensagem é essa. Não procures validação nos media, não te vão validar, vão-te usar, não deixes ninguém usar-te, não deixes homens usarem-te. Todos estes homens com conversas de: “Eu sou feminista, vou falar pelas mulheres negras!” mas depois são lowkey abusivos, batem nas suas mulheres, não tomam conta dos seus filhos. Usa a tua própria voz, sê tu própria, usa o teu próprio cérebro, pensa por ti. Já me enganaram, já fui usada e posta em situações de loucos só por tentar assegurar-me de que estavam todos ok.

Está na altura de seres egoísta.

Devias ser egoísta. As pessoas às vezes têm de ser egoístas.

Colaboraste com Lion Babe na sua música “Yaya”, uma artista com uma sonoridade algo diferente, com vibes mais de club. Gostavas de experimentar com outros géneros para além de hip hop?

Sim, é por isso mesmo que ando a trabalhar com ele [J Rick]. Temos muita cena de drum’n’bass, fizemos uk house, uk drill, mas vim mesmo para aqui, fora de onde sou, para experimentar com outras sonoridades, com pessoas diferentes, perspectivas diferentes, música diferente. Então, ya, Sleep Paralysis vai ser diferente, tenho lá uma música metal chamada “Lies On a Dresser” e amo a cena de drum’n’bass, vivo mesmo para isso… faz-me querer andar de skate.

Tens alguma colaboração de sonho?

Future. Esse é o meu objectivo, o Future é uma lenda.

O que podemos esperar de ti num futuro próximo?

Eu comecei uma marca de skincare espiritual no início de 2020 e depois o mundo colapsou e meti-me num monte de situações de doidos, então devo muitas encomendas a muita gente, mas estou finalmente a enviá-las. Acabei de entrar numa situação de vida mais estável depois do COVID e essas encomendas estão a ir. Estou também a fazer um rebrand, então no futuro esperem um rebrand do meu apotecário.

O que é isso?

Eu estudo ervas, sou bruxa, faço óleos essenciais; e não esquecer também que tenho o meu novo álbum Sleep Paralysis para sair, mas ainda antes disso tenho um álbum para lançar com uma outra artista. Conheces aquela colecção de livros Goosebumps? Escolhemos certos títulos dessa colecção e fizemos músicas inspiradas neles para sair agora na spooky season.

Agora em Outubro?

Sim. Estou sempre a trabalhar na minha música e sempre a escrever, então vão ter sempre alguma coisa para ficarem entusiasmados.


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