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RuiMiguelAbreu

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Batida e as políticas da dança: quando o ritmo não ofusca as ideias e propulsiona a revolução

[FOTO] CM-Loulé

 

Pedro Coquenão é como o Homem Aranha e entende que grande poder implica grande responsabilidade. O poder que Pedro convoca com Batida é o que lhe é oferecido sempre que conquista espaço num palco – e têm sido muitos e muito internacionais e cada vez maiores. A responsabilidade é a que decorre do facto de se recusar a olhar para o lado quando na Angola que o inspira e lhe serve de berço acontecem injustificadas detenções de activistas que apenas pretendem sonhar com um futuro melhor para o seu país.

O concerto que Pedro Coquenão assinou como Batida no palco Castelo da edição 2015 do festival MED, em Loulé, foi, a todos os títulos, extraordinário e absolutamente incrível: a música pela música, claro, mas a música também pelas pessoas, pelas ideias, pelos ideais, pela liberdade, pela mudança. Batida tem um poder enorme, mas tem igualmente consciência plena da sua responsabilidade. A arte é, afinal de contas, um motor para mudar o mundo.

E Pedro leva muita arte para o palco: leva música, claro, que bebe do passado – tocou, logo no arranque, velhos discos de Duo Ouro Negro diggados ali mesmo ao lado, na banca do senhor Jorge Arnedo (que, devo dizer, tanta África tem exportado para as prateleiras cá de casa) – mas que impacta o presente e ousa o futuro – há ali semba e kuduro, afrobeat e cultura bass global, dub e hip hop e tanto mais, passado pelo filtro de quem está sempre a olhar para a frente sem nunca esquecer o que veio de trás; há dança, não acessória, não decorativa, mas dança como arte, com dimensão dramática, dança que conta histórias e passa mensagens, como se percebe em “Cuka” ou “Bazuka”, por exemplo; há cinema e documentário, válidos olhares de um passado que constituem memória válida para a construção do presente; há grafismo da era internet que fez de todos nós criadores e que em Batida é sempre uma forma de comentário democrático: é possível transformar a memória, parecem dizer.


Quando Batida distribui apitos pelo público, o gesto conceptual é fundo: não é uma mera distracção festivaleira, é um convite a que todos se juntem ao ruído colectivo da mudança.


E depois há a arte do discurso, que Pedro Coquenão domina como poucos… Nenhuma palavra que lhe sai da boca é gratuita ou escusada. Profundamente irónico e igualmente cáustico, Pedro parece preocupado em informar – mostra imagens do telejornal da SIC, da peça que reporta a detenção de activistas em Angola -, conta histórias, explica marcas culturais – “em Angola”, revela, “não há duas palavras para música e dança, são uma e a mesma coisa” ou quando nos explica de onde vem o Carnaval e qual a relação entre semba e samba – e atira farpas em todas as direcções, sobretudo na do público a quem exige atenção e respeito e a quem pede que abra os olhos e os ouvidos – “sem se manifestarem nada acontece” e “façam barulho, pelas vossas vidas”. Quando Batida distribui apitos pelo público, o gesto conceptual é fundo: não é uma mera distracção festivaleira, é um convite a que todos se juntem ao ruído colectivo da mudança.

E essa é a mais importante marca da ideia Batida: há aqui um subtexto conceptual muito sério, a noção de que a música não faz sentido se despida de um propósito maior, mais nobre do que o simples abandono durante uma hora ao poder do ritmo. Esse abandono é importante, mas só, como dizia o Tio Clinton – o funky, não o saxofonista favorito de Monica Lewinsky – se a cabeça for adiante: “free your mind, and your ass will follow“. Batida até pode seguir o caminho contrário e libertar rabos da inércia europeia com o objectivo de que a cabeça se lhe siga. Mas, ao fim do dia, é a liberdade que importa: na Detroit funk, psicadélica e eléctrica dos anos 1970 ou no Portugal e na Angola kizombados, reais e electrónicos do século XXI.

 

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