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Fotografia: Pedro Mkk
Publicado a: 23/08/2023

Porque dançar não é trair.

Bar Dançante: uma festa para derrubar barreiras entre o alternativo e o popular

Fotografia: Pedro Mkk
Publicado a: 23/08/2023

É uma das festas que têm vindo a marcar o panorama nacional este ano. Foi em Fevereiro que o Bar Dançante se estreou no Maus Hábitos, no Porto, como residência de Miguel (mais conhecido enquanto Mike El Nite) e João Não. Na pista, a música popular portuguesa cruza-se com kizomba, remisturas surpreendentes e hits nostálgicos.

Além dos DJ sets, levam artistas emblemáticos da música nacional a actuar, como é o caso de Marante, Nel Monteiro ou dos Broa de Mel. Esta sexta-feira, 25 de Agosto, a festa acontece com Fernando Correia Marques e um DJ set de Paulo Cunha Martins, coleccionador e um dos principais responsáveis pelo fenómeno que se criou em torno de José Pinhal.


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Miguel e João Não fizeram ainda uma residência especial para o querido mês de Agosto, intitulada Verão Dançante, na Associação de Moradores da Bouça, levando o seu conceito junto da comunidade local, transitando do circuito alternativo para o popular, continuando a esbater fronteiras.

“Cria um contraste entre o público que está associado a nós que é mais alternativo, no Maus Hábitos e as pessoas dos meios mais associados a este estilo de dança, as pessoas da comunidade e do bairro, os locais. Fica um ambiente engraçado, a mistura entre esses dois universos”, explica Miguel ao Rimas e Batidas. O mesmo acontece em palco, quando ele e João Não se cruzam com estes veteranos da música popular portuguesa. “Acho que é o apagar dessas pequenas linhas que separam aquilo que é escrever música em português. Aquilo que é fazer música pop ou música de dança ou romântica.” 

João Não acrescenta: “É uma satisfação grande e um privilégio podermos receber estes artistas que admiramos e que têm uma carreira tão grande, podermos dar parte da nossa experiência e dar-lhes a conhecer outro público.”

Para estes artistas mais habituados ao circuito da música popular, dos eventos nas terras ou das festas académicas, depararem-se com um público jovem distinto e ainda assim ao rubro tem sido também uma das grandes marcas do Bar Dançante. 

“Há, sem dúvida, esse momento de partilha. É o pico de me sentir bem neste tipo de eventos: ver que uma pessoa com mais 50 anos do que eu está a desfrutar tanto daquilo e as pessoas com menos 10 anos do que eu também estão a desfrutar da música daquela pessoa. Também acaba por ser o apagar dessa linha geracional e percebermos que o Marante, com 25 anos, poderia ser o João Não. E vice-versa”, diz Miguel.

Se, por um lado, o Bar Dançante tem contribuído e ao mesmo tempo espelhado uma certa reconciliação do público jovem com a música e cultura popular portuguesa (e não faltam projectos artísticos nesta área nascidos nos últimos anos), por outro mantêm-se alguns dos preconceitos associados à chamada música pimba.

“Acho que os preconceitos têm uma particularidade que os torna bastante falíveis. O mesmo preconceito que é usado para um cantor pimba pode ser mascarado e utilizado para um artista de outro estilo, sob a desculpa de outra coisa qualquer. Acho que os preconceitos vêm simplesmente de uma estranheza e de uma falta de empatia — e falta de cultura, na verdade. A origem de tudo é sempre a mesma: trabalho e inspiração artística. A forma é que muda. O preconceito com a música pimba não deixa de ser o mesmo preconceito que certas pessoas da música underground têm com a música popular, e que as pessoas da música popular têm em relação à música underground. Os argumentos acabam sempre por ser os mesmos: não tem qualidade, não é feito com o objectivo certo, não é esteticamente bom… São tudo coisas altamente dúbias”, argumenta Miguel.

“E subjectivas. Os preconceitos partem de ti e também parte de ti escolher não tê-los. Escolho simplesmente encarar as coisas como elas são. Não tens de quebrar nenhum preconceito, basta não estares a fomentá-lo e já estás a praticar algo bom. Estamos todos na mesma indústria, a representar a mesma cultura, muitas vezes com sonhos paralelos. Por isso, as fronteiras que criámos não têm que existir para toda a gente e, por isso, é uma boa altura para derrubá-las”, acrescenta João Não.

A relação com estes artistas também permite isso. Embora não estejam propriamente familiarizados com as obras dos seus jovens anfitriões, os veteranos da música popular revelam “curiosidade” em conhecê-las e, acima de tudo, proporcionam momentos onde partilham histórias e peripécias da sua carreira.

“Uma das melhores coisas é, sem dúvida, a parte do jantar, antes do evento. Estamos ali a partilhar histórias e ideias com estas lendas”, conta Miguel. “Eu já conhecia um bocado os meandros do pimba por causa do meu pai [Quinzinho de Portugal]. Mas é só uma confirmação de que, realmente, antigamente, aquilo era muito mais uma selva. E não deixa de ser bom conheceres pessoas que viveram da música a vida toda, mesmo que alguns tenham passado por bastantes dificuldades, mas falam disso com alegria e têm gosto em ter escolhido esta carreira.”

“No caso do Marante, quando fomos a Braga dei-lhe um dos DVD dos meus. E nós gravámos o videoclipe da ‘Purpurina’ no primeiro Bar Dançante, em que ele actuou, e ele disse que nos tinha ouvido a cantar e que tinha gostado do tema”, diz João Não. “Eles são curiosos, sem dúvida. Às vezes é um bocado difícil explicar a parte estética, porque eles estão habituados a trabalhar de uma certa maneira, à antiga, com certos estúdios, songwriters… Mas também é giro arranjares maneira de descodificares isso para eles, para que percebam a tua cena”, acrescenta Miguel.

Perguntamos-lhes também se equacionam a possibilidade de um dia fazerem colaborações artísticas com estes nomes da música popular. “Para mim faz todo o sentido, mas uma coisa é contratá-los para um concerto, outra é colaborar num estúdio com eles”, responde Miguel. “A mim também faz, mas não tive propriamente o descaramento de fazer um convite desses [risos]. Prefiro cimentar-me primeiro, sinto que ainda tenho de me provar para que, num futuro, seja mais fácil convencer alguém. Vou fazendo por mim primeiro e as colaborações hão-de chegar”, explica João Não.

Com eventos organizados no Porto, em Braga e Torres Vedras, querem chegar a outras cidades, nomeadamente a Lisboa. “O único motivo para não termos feito em Lisboa é que ainda não encontrámos um sítio em que conseguíssemos recriar a ambiência que existe no Maus Hábitos. Não temos uma venue em que sintamos que esteja tudo alinhado para fazer esse evento. Estamos a ver várias hipóteses, já tentámos avançar algumas vezes e não conseguimos. Não é que não seja fácil fazer um evento em Lisboa, mas se calhar não é fácil fazer o evento como nós o queremos apresentar”, explica Miguel. “De resto, tem de ser sustentável e a ideia é fazer a marca crescer para que haja interesse, para que as pessoas nos queiram visitar onde quer que a gente vá e também contratarem-nos para eventos maiores, ou fazermos nós os nossos eventos maiores, como arraiais. Entrar um bocado no circuito das romarias e das festas por esse país fora.”

O objectivo passa por expandir a marca Bar Dançante e existem diversas hipóteses em cima da mesa. João Não e Miguel poderão ser contratados como Bar Dançante DJ set para tocarem noutros eventos, por exemplo. Mas também gostavam de explorar uma vertente de recuperar pérolas perdidas da música popular portuguesa. “Talvez fazer edição ou pegar em coisas exclusivas e vender artigos que encontramos, porque o SlimCutz costuma fazer muito digging desse tipo de coisas. Já encontrámos alguns formatos físicos com coisas interessantes, mas para já ainda é só uma colecção. Ainda não temos bem uma ideia a nível de modelo de negócio, mas o SlimCutz é um entusiasta de relíquias e está muito dentro desse business, portanto, quando a coisa surgir, a ideia virá se calhar mais da parte dele. Está tudo muito em aberto, mas é uma marca que se pode expandir para vários lados”, explica Miguel.

Admitem que não estavam à espera que a residência “começasse tão forte” e que agora o objectivo passa por a “cimentar”. Também apareceram na fase certa visto que muitos dos nomes veteranos e icónicos da música popular portuguesa estão nos seus últimos anos de carreira. 

“Bom, este ano já perdemos a oportunidade de contratar o Leonel Nunes, que faleceu. Muitos deles já são velhotes e é bom ajudá-los a dar-lhes um fim de carreira digno, em que tenham um público ao rubro à frente deles, em vez de ser apenas mais um Domingão”, conclui Miguel.


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